Decisão do STJ impacta empresas de todos os setores

Mais afetadas devem ser as companhias cujo incremento do patrimônio depende mais das aplicações financeiras

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Empresas de todos os setores costumam fazer aplicações financeiras de parcela do seu caixa – e todas elas devem ser afetadas, em maior ou menor grau, por uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da correção monetária dessas aplicações. Espera-se que o impacto seja maior no setor financeiro e naquelas companhias em que os investimentos têm peso maior sobre o incremento do patrimônio.

A questão recentemente julgada pelo STF foi a seguinte: quando uma empresa tem rendimentos em aplicações financeiras, deve pagar o imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre todo esse valor ou excluir a parcela referente à correção monetária, já que esta seria apenas a correção do valor do dinheiro por conta da inflação, sem representar um acréscimo patrimonial?

A corte entendeu que os tributos recaem sobre o total dos rendimentos (correção monetária inclusa), numa decisão favorável ao fisco e contrária aos contribuintes. A matéria (Tema 1.160) foi julgada em recurso repetitivo, cujo entendimento deverá ser adotado pelas instâncias inferiores.

O impacto sobre as empresas também dependerá da sistemática que vinham adotando, de recolher ou não os tributos sobre os rendimentos totais (com correção). Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados, explicam que a Receita Federal já adotava o entendimento agora adotado pelo STJ – e que, caso não quisessem, precisavam de provimento judicial para afastar a incidência do IR e da CSLL para que não fossem autuadas.

“Vale mencionar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores em relação a temas similares – tal como a incidência do IRPJ e CSLL sobre a Selic na repetição de indébito tributário – era desfavorável ao tema, reforçando a necessidade de levar a questão para discussão no Judiciário”, afirmam Ligia Merlo e Júlia Swerts, associadas do Freitas Ferraz Advogados. Mesmo assim, elas dizem que era comum que os contribuintes não realizassem o recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre tais valores, por não considerarem que havia acréscimo patrimonial, já que a correção monetária era apenas uma recomposição do patrimônio em razão da inflação ocorrida no período.

Na entrevista abaixo, Luppi, Laranjeira, Merlo e Swerts abordam a decisão da corte e os seus fundamentos.


– O STJ decidiu que incidem IRPJ e CSLL sobre a correção monetária de aplicações financeiras de empresas. Quais argumentos embasaram a decisão da corte?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: O Tema 1.160 reuniu cinco recursos especiais, e a tese fixada pelo STJ foi a de que “o IR e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras porquanto essas se caracterizam, legal e contabilmente, como receita bruta na condição de receitas financeiras componentes do lucro operacional”. Ou seja, houve interpretação segundo a qual a parcela correspondente à correção monetária das aplicações financeiras configura receita bruta.

Em linhas gerais, a corte afirmou que quanto ao rendimento calculado, a inflação corresponderia apenas à atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, o que é permitido pelo artigo 97, §2º do Código Tributário Nacional, independentemente de lei, já que não representa majoração de tributo. Também baseou o seu entendimento na desindexação e estabilização da economia promovida com o advento do Plano Real.

Com a veiculação da Lei nº 9.249/95, ficou vedada a correção monetária sobre demonstrações financeiras (artigo 4º), uma vez que a criação da nova moeda representou, à época, um processo de considerável estabilização da economia. A partir daí – mais especificamente de 1º de janeiro de 1996 (quando a Lei nº 9.249/95 passou a produzir seus efeitos) – entendeu-se que, num cenário econômico mais estável, não haveria necessidade de neutralizar eventuais distorções geradas pela inflação dos balanços financeiros.

E considerando que a economia resta desindexada desde a referida Lei nº 9.249/95 e, ainda, que a correção monetária também é moeda, não há como excluí-la do cálculo dos rendimentos, pois assume contorno de remuneração pactuada quando da realização dos investimentos, afirmando que o contribuinte ganha com a correção porque sua aplicação financeira foi por ela remunerada. Daí concluiu-se que numa economia desindexada e estável, a correção monetária, pactuada ou não, se torna componente do rendimento da aplicação financeira a qual se refere.

Assim, com a adoção dessa nova lógica legal, o STJ construiu entendimento segundo o qual tudo o que se incorporar ao patrimônio do contribuinte – e afirmou que os rendimentos auferidos nas aplicações incrementam positivamente o patrimônio do contribuinte – necessariamente será considerado acréscimo patrimonial – que, por sua vez, será calculado a partir da diferença entre o que o contribuinte possui no final e o que possuía no início do período de apuração – passível, portanto, de tributação pelo IR e pela CSLL.

Nesse contexto, afastou-se a tese dos contribuintes segundo a qual a variação patrimonial decorrente da diferença de correção monetária nas aplicações financeiras representaria apenas atualização em razão da inflação ocorrida no período, sendo mera recomposição patrimonial para preservar o valor da moeda e, portanto, não pode ser tributada pelo IRPJ e pela CSLL, que exigem o efetivo acréscimo patrimonial para materialização da sua hipótese de incidência.

No entanto, é necessário aguardar a publicação do inteiro teor do acórdão para avaliar e compreender esses e outros aspectos levados em consideração nas razões de decidir do STJ.

Ligia Merlo e Júlia Swerts: Antes de mais nada, é importante ressaltar que a controvérsia sobre incidência de IRPJ e CSLL sobre a correção monetária de aplicações financeiras das empresas já vinha sido discutida no judiciário há alguns anos. Se, por um lado, a tese dos contribuintes era no sentido de que os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras não se constituem como receita ou lucro, afastando, portanto, a tributação pelo IRPJ e CSLL, o Fisco Federal vinha defendendo que tais valores representariam um acréscimo patrimonial, sujeito, por sua vez, a tais tributos.

A 1ª Turma do STJ no julgamento do Tema 1.160 finalizado no dia 8 de março, no entanto, acatou a tese da Fiscalização Federal, entendendo que os rendimentos das aplicações financeiras se caracterizam, do ponto de vista legal e contábil, como receitas financeiras, devendo compor o lucro operacional, base de cálculo do IRPJ e CSLL.


– De que forma as empresas vinham procedendo?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: Considerando que a Receita Federal já adotava o entendimento segundo o qual todo o valor correspondente aos rendimentos financeiros – incluindo-se aí os juros e a correção monetária – seria tributável pelo IR e pela CSLL, as empresas vinham efetuando tais recolhimentos também sobre a parcela correspondente à correção monetária do período.

Caso quisessem deixar de fazê-lo, as empresas precisavam obter provimento judicial para afastar tal incidência e, com isso, impedir autuações fiscais pelo não recolhimento dos tributos. E diversas empresas buscaram o Poder Judiciário para discutir a matéria e suspender a exigibilidade do IR e da CSLL enquanto aguardavam o desfecho das suas ações judiciais.

Ligia Merlo e Júlia Swerts: Para os contribuintes, a variação patrimonial decorrente da diferença entre o valor inicial da aplicação e seu valor corrigido monetariamente não poderia ser considerada como um acréscimo patrimonial, uma vez que, no caso das operações financeiras, o índice aplicado corresponderia apenas a uma recomposição do patrimônio em razão da inflação ocorrida no período.

Nesse sentido, era comum que os contribuintes não realizassem o recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre tais valores, o que levava a atuações fiscais em razão do entendimento da Receita Federal sobre a tributação da correção monetária em tais operações.

Vale mencionar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores em relação a temas similares – tal como a incidência do IRPJ e CSLL sobre a Selic na repetição de indébito tributário – era desfavorável ao tema, reforçando a necessidade de levar a questão para discussão no Judiciário.


– De maneira geral, qual é o impacto da decisão sobre as empresas? Há setores ou categorias mais afetadas?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: A partir de agora, diante da definição do Tema 1.160 e considerando que o caso foi julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, os contribuintes não mais conseguirão obter decisões que suportem o não recolhimento do IR e da CSLL sobre a correção monetária das aplicações financeiras. Assim, as empresas que fazem aplicações financeiras terão de se sujeitar à tributação dos valores decorrentes de atualização monetária pelo IR e pela CSLL.

Ainda, embora a decisão proferida no Tema 1.160 trate especificamente de aplicações financeiras, não se descarta a possibilidade de que a Fazenda tente realizar uma interpretação mais abrangente do racional adotado pelo precedente, de modo a aplicá-lo a outras hipóteses em que a correção monetária seja aplicada – que são muitas, o que certamente será objeto de controvérsia entre Fisco e contribuintes.

De modo geral, empresas de todos os setores poderão ser afetadas com o entendimento exarado pela Primeira Seção do STJ. As aplicações financeiras analisadas no Tema 1.160 são utilizadas por empresas de diversos ramos para fins de preservação do valor da moeda e para buscar aumentar os respectivos patrimônios financeiros, sendo uma prática no mercado para o desenvolvimento das atividades empresariais.

Inclusive, as empresas que ingressaram com as medidas judiciais afetadas pelo Tema 1.160 atuam em segmentos diversos, dentre os quais podemos citar a comercialização de fertilizantes, fabricação de pneus, administração de projetos imobiliários e confecção de roupas.

Evidentemente, as empresas que mais investem em aplicações financeiras e/ou cujo incremento do patrimônio dependa de maneira mais relevante de tais investimentos sentirão em maior peso os impactos econômicos da decisão que mantém a exigência do IR e da CSLL sobre essa parcela correspondente à correção monetária das aplicações financeiras.

Ligia Merlo e Júlia Swerts: Como o julgamento foi analisado em sede de recurso repetitivo, a decisão tem caráter vinculante para todo o Judiciário, de modo que processos que versem sobre a questão deverão ser julgados conforme o precedente firmado.

Nesse sentido, qualquer empresa que possua rendimentos de aplicações financeiras deverá se atentar ao recolhimento de IRPJ e CSLL sobre esses valores. De qualquer forma, é possível falar que empresas do ramo financeiro serão provavelmente as mais impactadas pela decisão.


– Essa questão se encerra com a decisão do STJ ou ainda pode haver espaço para discussão?

Bruna Luppi e Maria Alice Laranjeira: No Supremo Tribunal Federal, as tentativas de levar a tese à discussão na Corte têm acabado frustradas. Existem decisões recentes apontando para a ausência de ofensa direta à Constituição Federal, aplicando-se o entendimento segundo o qual a controvérsia possui natureza infraconstitucional. Portanto, não há uma expectativa que a tese firmada pelo STJ no Tema 1.160 seja revista no âmbito da Suprema Corte.

Especificamente no âmbito dos processos afetados como representativos da controvérsia pela Corte Superior de Justiça, recentemente julgados pela Primeira Seção, cabe apenas a oposição de embargos de declaração, que podem ser utilizados para sanar eventuais contradições, omissões, obscuridades ou mesmo corrigir erros materiais eventualmente constantes no acórdão – cuja íntegra ainda não foi disponibilizada. E nesse contexto dos embargos de declaração, também não há uma expectativa que a Primeira Seção do STJ atribua efeitos infringentes à decisão para a modificação do resultado do julgamento.

Assim, com o julgamento do Tema 1.160 e a sua definição pela Corte Superior de Justiça, a controvérsia quanto ao tema específico – incidência do IR e da CSLL sobre a parcela correspondente à correção monetária em aplicações financeiras – está, em princípio, encerrada no âmbito do Poder Judiciário.

Por fim, vale destacar que, como o Tema foi julgado pelo STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos, os fundamentos da decisão servirão como orientação a ser aplicada nos processos em trâmite na referida corte e nas instâncias inferiores que possuam o mesmo objeto e que estavam suspensos, aguardando o desfecho do Tema 1.160.

Ligia Merlo e Júlia Swerts: Embora a tese seja vinculante a todo o Judiciário, não é possível afirmar que sua fixação por meio de recurso repetitivo tem como consequência o encerramento da questão no próprio Judiciário. Isso porque é plenamente cabível a revisão de entendimentos consolidados em enunciados de tema repetitivo pelo próprio STJ ou até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, caso considere rever o seu posicionamento entendendo pela constitucionalidade da matéria. Nesse sentido, embora a questão esteja pacificada no momento, nada impede que, no futuro, ela venha a ser rediscutida.

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