As SPACs e sua atuação no Brasil: atores envolvidos e estruturação (Parte 1)

Parte 1 - Atores envolvidos e estruturação

3

Iniciamos com este artigo uma série de textos sobre a Special Purpose Acquisition Company (mais conhecida como SPAC), que apresentarão um panorama geral dessa figura, seus principais aspectos jurídicos, modo de operação e algumas críticas e expectativas com relação à sua atuação envolvendo o mercado brasileiro. Neste primeiro artigo, serão apresentadas as noções introdutórias sobre as SPACs no contexto norte-americano, com foco principal nos atores envolvidos e no seu procedimento de estruturação.

A SPAC consiste numa estrutura societária criada e desenvolvida no mercado norte-americano há mais de 20 anos, destinada à captação de recursos no mercado organizado via oferta pública inicial de ações para que passem a ser negociadas em bolsa de valores (os chamados IPO). A finalidade específica desse modelo é a aquisição de uma sociedade-alvo que seja operacional (a sociedade target)[1] por uma companhia não operacional (a chamada shell company[2]) que será exatamente a SPAC. Em linhas gerais, podemos afirmar que o modelo envolvendo uma SPAC consiste na constituição de uma companhia com o propósito específico de captar recursos via IPO para, por certo prazo determinado, prospectar uma sociedade-alvo e adquirir seu controle (popularmente referido como de-SPAC).

Entretanto, apesar da aparente simplicidade da estrutura, há uma série de particularidades que precisam ser observadas para potencializar a possibilidade de sucesso na sua implantação.

De início, é preciso entender quem são as partes envolvidas e as etapas procedimentais dessa estrutura, com base nas noções do modelo norte-americano. O protagonista da operação é o sponsor (cuja tradução literal seria patrocinador), parte que ditará o sucesso da operação por ser o responsável pela estruturação, gestão e financiamento da SPAC desde a sua constituição até o momento da combinação de negócios[3]. Nesse sentido, o patrocinador desenvolve atividades que perpassam pela constituição da SPAC, realização do IPO, prospecção de sociedade-alvo e condução da operação de combinação de negócios (aquisição da sociedade-alvo). Além disso, em muitos casos, o patrocinador terá ainda a função de administrar a target após a combinação de negócios.

Ao contrário do que o nome sugere, o patrocinador não costuma ser uma única pessoa. Na maioria das vezes, o patrocinador será uma holding de participações constituída por pessoas influentes e com experiência no mercado de capitais, relacionadas diretamente com fundos de investimento em private equity e hedge funds que tenham condições de financiar o projeto. Devido à popularização das SPACs, sobretudo nos últimos anos, até mesmo celebridades têm encabeçado as holdings que atuam como sponsor, utilizando do seu engajamento com o público e, conforme o caso, know-how para atrair um maior número de investidores para a SPAC patrocinada[4].

Após a fase inicial de constituição da SPAC, planejamento da sua finalidade e deferimento do registro do seu pedido de IPO, surge o segundo conjunto de atores principais: os investidores. Eles podem ser qualquer pessoa física ou jurídica que esteja habilitada[5] a investir no âmbito do mercado de capitais, especificamente na bolsa de valores e serão os responsáveis por financiar a maior parte dos recursos necessários para a aquisição da target. Nesse contexto, sob a estrutura da SPAC, o investidor subscreverá e integralizará os valores mobiliários emitidos por ocasião do IPO, mais especificamente, as ações e os bônus de subscrição.

É importante destacar que o sucesso do IPO está intimamente relacionado à capacidade efetiva do patrocinador de implementar a captação de recursos financeiros junto aos investidores. O valor captado no IPO será determinante para que seja realizada (ou não) a aquisição da sociedade-alvo nos parâmetros pré-estabelecidos (nicho, porte, mercado, entre outros aspectos da target) e de acordo com o planejamento estratégico da SPAC.

Usualmente, um IPO é visto como um meio para ampla captação de recursos junto ao público investidor em geral, sendo muito utilizado por companhias em processo de expansão e se apresenta como uma excepcional oportunidade de liquidez para os investidores pré-existentes dessas companhias. No caso das SPACs, essas figuras desenvolveram-se e tornaram-se cada vez mais populares por se apresentarem como uma ferramenta que facilita a abertura de capital. O gráfico abaixo mostra como a estrutura envolvendo as SPACs se tornou relevante no mercado de capitais:[6]:

O que se percebe da análise desse gráfico é que nos últimos anos (desde 2020) as operações envolvendo SPACs têm superado a quantidade de operações de IPO (os IPO das sociedades operacionais propriamente ditas, sem envolver uma SPAC), mostrando-se como uma tendência até meados de 2022. Diversos agentes têm utilizado da SPAC para encurtar o caminho até o IPO tradicional, inclusive, por ser um procedimento menos burocrático perante a Securities and Exchange Commission – SEC[7].

Entretanto, o crescimento do volume também revelou um desfecho inesperado decorrente de um índice considerável de insucesso das SPACs[8] e por conta de diversas críticas relacionadas às práticas dos gestores de tal estrutura, seja na rotina da própria SPAC ou nas transações com a sociedade-alvo. Contudo, é preciso compreender que o insucesso das SPACs resultante de um cenário macroeconômico ruim ou mesmo em decorrência das próprias características inerentes a essa estrutura somente demonstra a materialização de um risco a que as partes envolvidas já estavam sujeitas.

O que deve ser visto com atenção e coibido são as falhas técnicas da gestão – ainda que não intencionais – porque afetam o curso normal esperado por todos os atores envolvidos. Há uma assimetria importante entre as informações detidas pelo patrocinador, que tem o controle da gestão da SPAC e conduz o processo de aquisição da sociedade-alvo, com relação aos investidores. Não há como ignorar o fato que o patrocinador assume uma posição de gestor e principal interessado no sucesso da SPAC e que isso pode influenciá-lo na tomada de decisões, gerando um conflito de interesses. A lista de situações que podem vir à tona é vasta, partindo desde um prospecto com projeções otimistas demais (que podem ser irreais) com relação ao De-Spac, como também à execução da operação de M&A mal negociada ou assumindo riscos demais em função do prazo limite para a combinação de negócios.

Por óbvio, todo e qualquer erro ou omissão de informações que possa impactar os resultados e projeções divulgadas no contexto do lançamento de uma SPAC poderá afetar a vontade do investidor em financiar o projeto. Nesse sentido, é de suma importância que tais fragilidades sejam acompanhadas de perto pelos investidores e fiscalizadas pela autoridade competente, conforme aplicável.

 

[1] Nesse sentido: “A SPAC is a publicly held investment vehicle created to merge with a private company and thereby bring it public.” KLAUSNER, Michael et al. A Sober Look at SPACs. Yale Journal on Regulation, Nova Iorque, v. 39, n. 559, p. 20-48, mai. 2022. Disponível em: SSRN: https://ssrn.com/abstract=3720919.
[2] Em vernáculo seria a “companhia casca” exatamente por simbolizar somente uma estrutura para captação de recursos financeiros. Por conta disso, muitos profissionais do mercado financeiro apelidaram as SPACs como “blank check companies” (cuja tradução literal seria companhias cheque em branco).
[3] Em troca do custeio integral e da condução da operação, o Sponsor mantém participação na SPAC após a combinação de negócios, normalmente com um equity de 20% (founder shares)
[4] A título exemplificativo, citam-se algumas celebridades que investiram enquanto patrocinadores de SPACs: Shaquille O’Neal junto a SPAC para a companhia Beachbody, Jay-Z junto a The Parent Co., Stephen Curry, junto a Dune Acquisition Corp., entre outros. Disponível em: https://public.com/learn/what-to-know-about-celebrity-spacs. Acesso em 21 de dezembro de 2022.
[5] De acordo com a regulamentação da U.S. Securities and Exchange Commission – SEC, que equivale à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América.
[6] Disponível em: https://www.credit-suisse.com/media/assets/investment-banking/docs/corporate-insights/csci-2020-q4-making-waves-spacs.pdf, acesso em 16 de dezembro de 2022.
[7] A referida crescente também motivou a SEC a concentrar maiores esforços na fiscalização das estruturas e desenvolvimento de normas capazes de garantir a proteção aos investidores. (Disponível em: https://www.sec.gov/news/press-release/2022-56, acesso em 13 de março de 2023).
[8] Em setembro de 2022, o Financial Times divulgou que mais de US$ 72 bilhões foram devolvidos aos investidores por SPACs frustradas (Disponível em https://www.ft.com/content/adb3d472-afc0-4c62-83d1-7f1b4b718f89, acesso em 13 de março de 2023).
3 Comentários
  1. vilson Diz

    verygood the website. gostei muito do site parabéns

  2. amanda Diz

    verygood your website, i go to follow you.

  3. adriana Diz

    I really liked the site congratulations

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.