CVM quer alterar percentual acionário mínimo para abertura de ação judicial

Autarquia busca fomentar o ativismo societário e aumentar a defesa de acionistas minoritários

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Imagem: IO-Images por Pixabay

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quer reduzir a fatia de participação acionária mínima exigida para que investidores possam entrar na justiça contra companhias abertas e administradores. A proposta consta da audiência pública SDM 07/2019 (audiência pública sobre redução da participação acionária mínima para abertura de ações judiciais), cujo prazo para contribuições vai até 6 de dezembro.

Hoje, conforme determina o artigo 159 da Lei das S.As., apenas os acionistas que tenham representação mínima de 5% do capital social podem acionar as companhias judicialmente. Não há restrição quando a ação judicial é dirigida aos controladores, porém a lei exige a prestação de caução caso os acionistas requerentes tenham menos de 5% de participação na empresa (art. 246 da Lei das S.As.).

Se por um lado a limitação impede a existência de ações que oneram de modo descabido as companhias, por outro pode inibir o ativismo de acionistas minoritários, principalmente em grandes corporações. Segundo a CVM, o requisito é frequentemente apontado como um dos principais obstáculos para indenização sobre prejuízos sofridos no mercado de capitais.

A redação da Lei das S.As., no entanto, já reconhece que os percentuais acionários fixados podem ser excessivos a depender do porte da companhia, e atribui à CVM a competência para rever os valores caso o mercado entenda que assim é necessário. Com base nessa premissa, o regulador colocou em audiência pública a minuta de instrução.

No texto, a autarquia propôs um sistema de escalonamento do percentual acionário exigido para a abertura de ações judiciais, que varia de acordo com o capital social de cada companhia. O percentual mínimo seguiria em 5% para companhias com valores de até 100 milhões de reais, caindo a 4% para corporações na faixa até 1 bilhão reais; a 3% àquelas que chegam a 5 bilhões de reais; a 2% para empresas até 10 bilhões reais; e a 1% quando o capital social da companhia fosse superior a 10 bilhões de reais.

Mesmo após o encerramento da audiência pública, a CVM deve continuar estudando a matéria junto ao Ministério da Economia, de modo que novas iniciativas poderão ser apresentadas.

Abaixo, os advogados afiliados ao Legislação & Mercados comentam os principais pontos da proposta.


Efeitos da proposta apresentada pela CVM na audiência pública SDM 07/2019

De que forma a proposta da CVM pode aperfeiçoar os mecanismos de proteção a investidores e acionistas minoritários?

A existência de um maior número de acionistas com potencial acesso a esses mecanismos de proteção tende a criar uma postura mais proativa de fiscalização das companhias por acionistas minoritários e, consequentemente, um incentivo para que os acionistas controladores e administradores não abusem de sua posição.

Ao reduzir gradativamente o percentual mínimo para a propositura, por acionistas, de ação derivada de responsabilidade em face de administradores, a CVM busca ampliar o acesso dos acionistas minoritários aos mecanismos de ressarcimento da companhia em decorrência de prejuízos causados por administradores. É uma forma de incentivar o ativismo societário.


Novos percentuais de participação acionária propostos na SDM 07/2019

A CVM sugere a criação de cinco faixas de participação acionária como critério para a instauração de ações contra controladores e administradores. Os percentuais fixados, bem como o número de faixas sugeridas, são adequados?

A fixação da escala pela CVM foi feita com base em estudo conduzido pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da CVM em 2018, que fornece interessante retrato e estatísticas do mercado brasileiro e da participação dos acionistas nas assembleias. Assim, a adoção da fixação da escala com base no valor do capital social — embora assim direcionada e restringida pela própria competência legal atribuída à CVM — pode não ser o melhor critério, mas é adequada ao contexto em que se insere. Vamos conseguir medir sua efetividade com o tempo, conforme as mudanças venham a ser implementadas.

Os percentuais fixados atingem um número extremamente reduzido de acionistas minoritários. Para que a alteração gerasse um impacto significativo seria necessário flexibilizar o percentual de forma mais substancial. No entanto, reconhece-se que flexibilizar demasiadamente o percentual pode gerar efeitos negativos como, por exemplo, a sujeição de companhias a especuladores ativistas, que poderiam utilizar o mecanismo de forma indevida. Por esse prisma, as faixas sugeridas estão adequadas, uma vez que terão efeitos sobre 77,78% das companhias abertas.

“A existência de um maior número de acionistas com potencial acesso a mecanismos de proteção tende a criar um incentivo para que os acionistas controladores e administradores não abusem de sua posição.”


Extensão das propostas apresentadas na SDM 07/2019

A proposta da CVM deveria ser estendida a outros percentuais da lei que conferem direitos aos acionistas minoritários?

A meu ver, sim. Muitas vezes, para que a ação de responsabilidade possa ser ajuizada, é imprescindível a coleta de provas. Por exemplo, o art. 105 da Lei das S.As. permite que o acionista [com representação mínima de 5% do capital social da companhia] obtenha a exibição dos livros sempre que forem apontados atos violadores da lei ou do estatuto ou exista fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por um órgão da companhia. A discrepância de percentuais para uma e outra medida [proposta da SDM 07/2019 e redação do art. 105] pode tornar ineficaz a alteração do percentual para o ajuizamento da ação derivada, eis que sem a prova do ilícito a instauração da arbitragem pode ser temerária.

Em outra ponta, a CVM também poderia aproveitar a discussão do tema, que é sensível, para revisitar algumas normas com critérios de fixação de escala que podem ter se tornado desatualizadas com o tempo. É o caso, por exemplo, da escala adotada para o requerimento da instalação do conselho fiscal. Evidentemente, o conselho fiscal tem um papel importante no âmbito das companhias, e, ainda no ano 2000, por meio da Instrução 324, a CVM fixou escala para reduzir os percentuais mínimos de participação previstos na Lei das S.As. exigidos para pedir a sua instalação. Ocorre que os valores de referência para essa escala não são atualizados desde então. Sendo assim, considerando que a modulação proposta agora tem como base estudo estatístico — que não necessariamente embasou a criação de escalas para exercício de outros direitos pelos minoritários no passado —, a CVM poderia aproveitar essa oportunidade para atualizar valores de capital social (não necessariamente percentuais) de referência para as outras situações, como as aqui comentadas.


Ações contra administradores e controladores

Essa mudança é suficiente para facilitar a propositura de ações contra administradores e controladores? Você teria outras sugestões?

Creio que a mudança não será suficiente. A sugestão seria repensar a submissão obrigatória da controvérsia à arbitragem, por imposição dos regulamentos de listagem da B3, a partir de estudo a ser realizado sobre o tema.

Acredito que o critério de valor de mercado faria mais sentido do que o de capital social, porque permitiria que acionistas com alto valor investido na companhia (ainda que com um pequeno percentual acionário) se protegessem de forma mais efetiva de abusos de controlador e administradores. Da mesma forma, acionistas com igual percentual em companhias com menor valor de mercado não seriam considerados relevantes para fins de exercício do direito de ajuizar a ação de responsabilidade. Além disso, a utilização do critério de tempo mínimo de posse da ação seria interessante para mitigar a atuação de especuladores e investidores aventureiros.

Efeitos da proposta apresentada pela CVM na audiência pública SDM 07/2019

De que forma a proposta da CVM pode aperfeiçoar os mecanismos de proteção a investidores e acionistas minoritários?

A existência de um maior número de acionistas com potencial acesso a esses mecanismos de proteção tende a criar uma postura mais proativa de fiscalização das companhias por acionistas minoritários e, consequentemente, um incentivo para que os acionistas controladores e administradores não abusem de sua posição.

Ao reduzir gradativamente o percentual mínimo para a propositura, por acionistas, de ação derivada de responsabilidade em face de administradores, a CVM busca ampliar o acesso dos acionistas minoritários aos mecanismos de ressarcimento da companhia em decorrência de prejuízos causados por administradores. É uma forma de incentivar o ativismo societário.

Novos percentuais de participação acionária propostos na SDM 07/2019

A CVM sugere a criação de cinco faixas de participação acionária como critério para a instauração de ações contra controladores e administradores. Os percentuais fixados, bem como o número de faixas sugeridas, são adequados?

A fixação da escala pela CVM foi feita com base em estudo conduzido pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) da CVM em 2018, que fornece interessante retrato e estatísticas do mercado brasileiro e da participação dos acionistas nas assembleias. Assim, a adoção da fixação da escala com base no valor do capital social — embora assim direcionada e restringida pela própria competência legal atribuída à CVM — pode não ser o melhor critério, mas é adequada ao contexto em que se insere. Vamos conseguir medir sua efetividade com o tempo, conforme as mudanças venham a ser implementadas.

Os percentuais fixados atingem um número extremamente reduzido de acionistas minoritários. Para que a alteração gerasse um impacto significativo seria necessário flexibilizar o percentual de forma mais substancial. No entanto, reconhece-se que flexibilizar demasiadamente o percentual pode gerar efeitos negativos como, por exemplo, a sujeição de companhias a especuladores ativistas, que poderiam utilizar o mecanismo de forma indevida. Por esse prisma, as faixas sugeridas estão adequadas, uma vez que terão efeitos sobre 77,78% das companhias abertas.

Extensão das propostas apresentadas na SDM 07/2019

A proposta da CVM deveria ser estendida a outros percentuais da lei que conferem direitos aos acionistas minoritários?

A meu ver, sim. Muitas vezes, para que a ação de responsabilidade possa ser ajuizada, é imprescindível a coleta de provas. Por exemplo, o art. 105 da Lei das S.As. permite que o acionista [com representação mínima de 5% do capital social da companhia] obtenha a exibição dos livros sempre que forem apontados atos violadores da lei ou do estatuto ou exista fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por um órgão da companhia. A discrepância de percentuais para uma e outra medida [proposta da SDM 07/2019 e redação do art. 105] pode tornar ineficaz a alteração do percentual para o ajuizamento da ação derivada, eis que sem a prova do ilícito a instauração da arbitragem pode ser temerária.

Em outra ponta, a CVM também poderia aproveitar a discussão do tema, que é sensível, para revisitar algumas normas com critérios de fixação de escala que podem ter se tornado desatualizadas com o tempo. É o caso, por exemplo, da escala adotada para o requerimento da instalação do conselho fiscal. Evidentemente, o conselho fiscal tem um papel importante no âmbito das companhias, e, ainda no ano 2000, por meio da Instrução 324, a CVM fixou escala para reduzir os percentuais mínimos de participação previstos na Lei das S.As. exigidos para pedir a sua instalação. Ocorre que os valores de referência para essa escala não são atualizados desde então. Sendo assim, considerando que a modulação proposta agora tem como base estudo estatístico — que não necessariamente embasou a criação de escalas para exercício de outros direitos pelos minoritários no passado —, a CVM poderia aproveitar essa oportunidade para atualizar valores de capital social (não necessariamente percentuais) de referência para as outras situações, como as aqui comentadas.

Ações contra administradores e controladores

Essa mudança é suficiente para facilitar a propositura de ações contra administradores e controladores? Você teria outras sugestões?

Creio que a mudança não será suficiente. A sugestão seria repensar a submissão obrigatória da controvérsia à arbitragem, por imposição dos regulamentos de listagem da B3, a partir de estudo a ser realizado sobre o tema.

Acredito que o critério de valor de mercado faria mais sentido do que o de capital social, porque permitiria que acionistas com alto valor investido na companhia (ainda que com um pequeno percentual acionário) se protegessem de forma mais efetiva de abusos de controlador e administradores. Da mesma forma, acionistas com igual percentual em companhias com menor valor de mercado não seriam considerados relevantes para fins de exercício do direito de ajuizar a ação de responsabilidade. Além disso, a utilização do critério de tempo mínimo de posse da ação seria interessante para mitigar a atuação de especuladores e investidores aventureiros.

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