Contribuintes poderão ter êxito na restituição do ITBI

Decisão do STJ sobre base de cálculo do imposto embasa ações na Justiça

0

Baseados numa decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contribuintes estão buscando na Justiça a restituição de valores pagos a mais a título do imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI). A demanda dos contribuintes surgiu depois que o STJ definiu, em março deste ano, que a base de cálculo do tributo é o valor da transação de compra e venda do imóvel em condições de mercado, e não o valor venal utilizado pelas prefeituras para cálculo do imposto predial e territorial urbano (IPTU) ou qualquer outro valor de referência.

Mas é necessário que os contribuintes parem para analisar se vale a pena entrar com processos de ressarcimento do ITBI, considera a advogada Fernanda Rizzo Paes de Almeida, associada do Vieira Rezende Advogados. Aspectos como o valor da diferença de pagamento de impostos e o custo do processo precisam entrar na conta. “Vale lembrar que os contribuintes têm até cinco anos, a contar da data do pagamento do ITBI, para requererem a repetição dos valores, sendo recomendável o ajuizamento desde já de ações para reaver os valores pagos cujo prazo prescricional se avizinha”, afirma. 

“Considerando o cenário do Judiciário brasileiro, nossa recomendação seria avaliar o custo de oportunidade”, avalia Júlia Barreto, associada do Freitas Ferraz Advogados. Para isso, o contribuinte precisa verificar se o valor do ITBI é inferior, igual ou superior aos custos do processo. Nos dois primeiros casos, não é recomendado ajuizar medidas judiciais. Mas, se o valor pago a maior é relevante, ela considera que recorrer ao Judiciário é uma alternativa valiosa. “Contudo, é necessário ter em mente que em uma Ação de Repetição de Indébito, que seria a mais recomendada (em regra) para a restituição do ITBI pago a maior, há cobrança de honorários de sucumbência em eventual solução negativa da demanda”, acrescenta.

Paes de Almeida considera que as chances de sucesso dos contribuintes são elevadas, pois a tese fixada pelo STJ é vinculante — e os tribunais estaduais já estão aplicando a decisão. No entanto, ela lembra que o leading case ainda não transitou em julgado, pois o município de São Paulo interpôs recurso extraordinário na tentativa de levar a questão à análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Portanto, o entendimento ainda pode mudar até o trânsito em julgado do processo. 

Barreto também avalia que o êxito é provável quando o contribuinte conseguir demonstrar o valor da transação imobiliária com comprovantes idôneos de pagamento.

Na entrevista abaixo, Paes de Almeida e Barreto fazem um apanhado da questão e explicam quais fatores os contribuintes devem analisar para definir se vale a pena entrar na Justiça. 


No que consistiu a decisão do STJ a respeito da base de cálculo do ITBI, conforme o julgamento Resp 1.937.821/SP?

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  Em março de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou sob o rito dos recursos especiais repetitivos três teses sobre a base de cálculo do ITBI: 

  • a base de cálculo é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU; 
  • o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado; e 
  • o município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

Basicamente, o STJ entendeu que o ITBI deve ser calculado com base no valor da negociação do imóvel declarado pelo contribuinte, valor este que poderá ser contestado pelo município somente com a abertura de processo administrativo para tanto, com ampla defesa e contraditório. 

O valor venal para fins de IPTU não poderá ser utilizado como base de cálculo do tributo, pois é calculado conforme planta genérica de valores aprovada pelo Poder Legislativo local, o qual considera aspectos mais amplos e objetivos, como a localização e a metragem do imóvel, aplicável à tributação da propriedade por meio de lançamento de ofício, não se prestando estabelecer a base de cálculo de outro tributo.

Adicionalmente, não caberia ao município estabelecer a base de cálculo previamente à negociação, uma vez que isso seria o mesmo que lançar o tributo de ofício, considerando apenas uma média de valores de mercado e ignorando as condições específicas de cada imóvel e negociação, contrariando a legislação do ITBI.

Júlia Barreto: O julgamento do STJ definiu que, apesar de o Código Tributário Nacional (CTN) utilizar o termo “valor venal” para a base de cálculo do IPTU e do ITBI, esses valores não se confundem. Isso porque o IPTU tributa a propriedade, enquanto o ITBI tributa o negócio jurídico oneroso de transferência do imóvel ou dos direitos reais relativos ao imóvel, o que é diretamente influenciado por situações específicas do negócio e não apenas pelo valor de mercado.

  Em contrapartida, o STJ também concluiu que não seria possível utilizar o chamado “valor de referência”, métrica utilizada por alguns municípios, como São Paulo. No valor de referência, define-se a base de cálculo do ITBI com base em banco de dados da prefeitura, decorrente da análise do valor venal médio estabelecido pelo município.

  O julgamento do STJ, por fim, concluiu que o ITBI é um imposto lançado por homologação, ou seja, em que o contribuinte informa o valor que será utilizado como base de cálculo e realiza o recolhimento do imposto. Logo, a base de cálculo do ITBI é o valor da transação imobiliária. 

  Consequentemente, a Fazenda Pública poderá revisitar esse valor e exigir qualquer diferença (com base no artigo 148 do CTN), desde que devidamente comprovado que há respaldo para majoração do ITBI. Salvo isso, é presumida a boa-fé do contribuinte quanto ao valor declarado.


A utilização do valor da transação imobiliária (em vez do valor venal) como base de cálculo do ITBI tem sustentação, do ponto de vista tributário? 

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  Há sustentação, do ponto de vista tributário, na utilização do valor da transação imobiliária, em vez do valor venal do IPTU, como base de cálculo do ITBI. O artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a base de cálculo do ITBI é o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos”. Portanto, deve considerar o valor do imóvel transmitido por meio de um negócio jurídico praticado, diferentemente do IPTU, cujo fato gerador é a simples propriedade do bem no início do exercício. Assim, o valor venal para fins do ITBI é o valor considerado em condições normais de mercado negociado nas transmissões imobiliárias.

Júlia Barreto: Sim, com toda certeza. Como bem colocado no voto do ministro Gurgel de Faria no REsp nº 1.937.821/SP, o ITBI é um imposto exigido dos contribuintes em negócios bilaterais, ou seja, operações em que – em regra – existe um valor definido especialmente para aquela transação. 

Esse valor é diretamente influenciado pelas condições daquele negócio e não apenas pelo imóvel que é objeto da negociação. Portanto, definir o valor da negociação como a base de cálculo do ITBI é respeitar o Princípio da Capacidade Tributária, uma vez que o adquirente (contribuinte do imposto) está recolhendo um tributo diretamente vinculado à operação realizada. 

Isso é muito diferente das situações costumeiras que vemos nas prefeituras brasileiras, em que o adquirente recolhe um montante de ITBI totalmente desproporcional – curiosamente a maior – ao valor da transação imobiliária. Portanto, a nova medida não só traz coerência ao sistema, ao priorizar a capacidade contributiva, mas segurança jurídica aos envolvidos, que poderão estimar os custos da transação imobiliária com maior certeza.


O julgamento do STJ pôs um fim à questão da base de cálculo do ITBI ou o entendimento ainda pode mudar?

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  Muito embora a tese já tenha sido fixada pelo STJ, o leading case ainda não transitou em julgado. Naqueles autos, o Município de São Paulo interpôs recurso extraordinário na tentativa de levar a questão à análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Portanto, não é possível descartar a possibilidade de alteração do entendimento até o trânsito em julgado do processo.

Júlia Barreto: Infelizmente, esta ainda é uma resposta difícil de ser dada. Apesar de o julgamento ter sido proferido na sistemática dos Recursos Repetitivos e, portanto, obrigando que os tribunais apliquem o entendimento do STJ, ainda é cedo para mapear o tratamento que será dado pelas prefeituras.

Isso porque, como adiantado, as prefeituras terão respaldo para desconstituir o valor declarado pelo contribuinte, com base no artigo 148 do CTN. A princípio, isso deverá acontecer na exceção e não na regra, uma vez que os valores declarados pelos contribuintes deverão estar de acordo com a realidade do negócio. 

Porém, considerando essa possibilidade de questionamento pelas prefeituras e alteração na forma de recolhimento (ante a exclusão do uso do valor de referência), ainda é possível que o conceito de valor venal volte a ser analisado pelo STJ em decorrência de eventual controvérsia levantada pelas prefeituras.


Em que ocasiões vale a pena o contribuinte entrar na Justiça para tentar reaver o imposto pago? Quais são as chances de sucesso? 

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  O contribuinte deve analisar cada negociação efetuada e verificar a pertinência da discussão em relação à diferença encontrada, sopesando os custos do processo a ser instaurado nessa conta.

Negociações muito abaixo do preço de mercado, incompatíveis com a realidade, devem ser avaliadas, uma vez que o Fisco poderá abrir processos administrativos para revisar os valores declarados e eventualmente arbitrar o valor da base de cálculo, gerando contencioso administrativo. O mesmo ocorre em situações envolvendo um grande lapso de tempo entre a data do negócio e o registro da transmissão em cartório, como nas compras de imóveis na planta ou leilões, em que há risco de o Fisco entender necessária a correção dos valores até a data do registro.

Vale lembrar que os contribuintes têm até cinco anos a contar da data do pagamento do ITBI para requererem a repetição dos valores, sendo recomendável o ajuizamento desde já de ações para reaver-se os valores pagos cujo prazo prescricional se avizinha.

Além disso, considerando que a tese fixada pelo STJ é vinculante e que os tribunais estaduais já vêm aplicando a decisão, as chances de sucesso são elevadas, ainda que a discussão não tenha sido encerrada definitivamente no leading case.

Júlia Barreto: Considerando o cenário do Judiciário brasileiro, nossa recomendação seria avaliar o custo de oportunidade. Ou seja, nos casos em que o valor do ITBI for inferior ou igual aos custos do processo (seja com advogados ou obtenção de documentação atualizada), não seria recomendado ajuizar qualquer medida judicial.

Em contrapartida, quando for verificado que o valor pago a maior é relevante, entendemos que recorrer ao Judiciário pode ser uma alternativa valiosa aos contribuintes. Contudo, é necessário ter em mente que em uma Ação de Repetição de Indébito, que seria mais recomendada (em regra) para a restituição do ITBI pago a maior, há cobrança de honorários de sucumbência em eventual solução negativa da demanda.

Porém, dado o posicionamento do STJ, quando for viável demonstrar o valor da transação imobiliária, se possível com comprovantes idôneos de pagamento, entendemos que a chance de êxito é provável, mitigando o risco de pagamento dos honorários de sucumbência à Fazenda Municipal.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.