Alíquota do IVA depende de exceções

Quanto mais regimes diferenciados na reforma tributária, maior terá que ser o imposto

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Um dos pontos principais da reforma tributária sobre o consumo é que a carga tributária não seja aumentada. No entanto, ainda não há garantias de que essa intenção  será alcançada, já que foram criados seis regimes de exceção à regra geral de tributação. E, quanto mais exceções, maior terá que ser a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual para os demais setores e atividades. Por isso, a atual etapa da reforma, que é a da regulamentação, será fundamental para os contribuintes.

“Muito embora grande parte das exceções previstas no texto da reforma tributária seja absolutamente relevante para a sociedade, no sentido de abranger parcelas mais vulneráveis e diminuir a regressividade, faz-se necessário ter parcimônia na análise de tais desonerações, já que podem e irão impactar a alíquota geral do IVA dual para os demais setores, podendo gerar o efeito reverso ao que se pretendia com a reforma e implicar em aumento da carga tributária”, avaliam Paloma Rosa e Priscila Alves, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

Para os setores que vão contar com regimes específicos de tributação (como o de combustíveis, serviços financeiros, cooperativas), haverá regras e alíquotas diferenciadas, e também pode haver alterações na base de cálculo e nas regras de creditamento. Já os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos (que ainda serão definidos por Lei Complementar) estarão livres da incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Também poderão ser desonerados os produtos hortícolas, frutas, ovos, serviços de saúde, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos, compra de automóveis por taxistas, entre outros.

Rosa e Alves afirmam que ainda não se sabe ao certo o impacto, em termos pontos percentuais, que será causado na alíquota geral do IVA dual por conta das exceções, já que estas ainda dependem de regulamentação e estudo de impacto econômico-financeiro. “Assim, é possível que a alíquota geral estimada de 27% precise passar por ajustes posteriores, representando um aumento de carga tributária em relação ao antigo sistema tributário. No entanto, a análise preliminar é de que a alíquota geral já teria uma elevação de 0,5 ponto percentual”.

Na entrevista abaixo, as advogadas do Vieira Rezende abordam a definição da alíquota do IVA – e de que forma as exceções a afetarão.


– De que forma a alíquota do IVA será definida? Qual será o papel do Congresso e do governo nessa definição?

Paloma Rosa e Priscila Alves: A Constituição Federal (CF/88), com as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 132/23, passou a prever que cada ente federativo fixará sua alíquota própria do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) por lei ordinária específica. É o que se verifica a partir da leitura do artigo 156-A, incisos V, VI, VII, da CF/88.

A alíquota fixada por cada ente federativo será uniforme, ou seja, será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição. A cobrança do IBS será feita mediante o somatório das alíquotas do Estado e do município de destino da operação.

Importante mencionar que a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o IBS (tributos previstos nos artigos 156-A e 195, inciso V) observarão as mesmas regras, conforme dispõem os artigos 149-B e artigo 195, V, §16.

O governo, mediante resolução do Senado Federal, fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, que será aplicada quando não tiver sido estabelecida pelo próprio ente federativo, conforme disposto no artigo 156-A, §1º, XII.

Além disso, o Senado Federal deverá estabelecer mecanismos para compensar eventual elevação ou redução das alíquotas de referência, de modo a preservar a arrecadação das esferas federativas, nos termos do artigo 156-A, §9º, I.


– Espera-se que a reforma tributária reduza a sonegação e a inadimplência dos contribuintes. Esses ganhos de arrecadação entram na conta do IVA? De que forma será possível estimá-los?

Paloma Rosa e Priscila Alves: Objetiva-se, com o novo modelo de tributação, criar um sistema de cobrança mais eficiente, do ponto de vista de simplificação, que unifique o pagamento dos tributos e reduza a quantidade de obrigações acessórias. Dessa forma, com a simplificação do sistema de cobrança e das obrigações acessórias, espera-se diminuir a sonegação fiscal, aumentar a arrecadação e reduzir o contencioso tributário.

Inicialmente, é importante mencionar que a nova tributação sobre consumo está estimada em 27% e produzirá a mesma arrecadação dos atuais 34,4% praticados no antigo sistema tributário (18% do ICMS e 9,25% do Pis/Cofins, que corresponderiam a 27,25% calculados “por dentro” e 34,4% no cálculo “por fora”), os quais representam atualmente cerca de 12,8% do PIB.

Na prática, o que se verifica é que não houve significativa redução de carga tributária. Assim, a estimativa dos ganhos com a redução da sonegação fiscal será provavelmente sentida, em um primeiro momento, na elevação do montante arrecadado, bem como na busca pela regularização das empresas que eventualmente estejam operando de forma irregular. Somente a médio e longo prazos espera-se que o resultado arrecadatório tenha reflexos na redução da carga tributária final cobrada dos contribuintes. Isso porque, conforme mecanismo previsto na própria Emenda Constitucional, é possível que o Senado Federal edite resolução, alterando a alíquota de referência dos tributos, inclusive para reduzi-la, se ficar verificado que houve expressivo aumento arrecadatório por parte dos entes federativos.

Outro aspecto relevante é que a unificação do sistema de cobrança dos tributos e a redução da complexidade das obrigações acessórias, sem dúvidas, irão repercutir no custo interno e nas horas gastas pelos contribuintes para o cumprimento de suas responsabilidades junto aos Fiscos federal, estadual e municipal.


-A reforma tributária (PEC 45/19) foi aprovada com seis exceções à regra geral de tributação. Quais são essas exceções?

Paloma Rosa e Priscila Alves: O §6º do artigo 156-A da CF/88, sob a edição da Emenda Constitucional 132/23, veio dispor sobre os regimes específicos de tributação que serão previstos por lei complementar para setores específicos, onde serão observadas regras e alíquotas diferenciadas, podendo inclusive observar alterações na base de cálculo e nas regras de creditamento. São eles:

  • Combustíveis e lubrificantes, para os quais haverá incidência monofásica e utilização de alíquotas uniformes em todo o território nacional, as quais poderão ser específicas por unidade de medida e diferenciadas por produto.
  • Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos, para os quais poderão ser previstas alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo.
  • Sociedades cooperativas, para as quais o regime será optativo, com o objetivo de assegurar a sua competitividade, dispondo sobre as hipóteses em que o imposto não incidirá nas operações realizadas entre a cooperativa e os cooperados e entre cooperativas, bem como quando os créditos serão transferidos entre eles.
  • Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional, podendo prever hipóteses de alterações nas alíquotas, nas bases de cálculo e nas regras de creditamento.
  • Operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados.
  • Serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário, podendo prever hipóteses de alterações nas alíquotas e nas regras de creditamento.

Ainda sobre regimes fiscais favorecidos, a Emenda Constitucional 132/23 dispõe que deverá ser instituído e regulamentado por Lei Complementar regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, com o fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes, especialmente em relação às contribuições de que tratam o artigo 195, I, “b”, IV e V, e o artigo 239 e aos impostos a que se referem os artigos 155, II, e 156-A.

Ademais, os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos, que ainda serão definidos por Lei Complementar, estarão livres da incidência do IBS e da CBS. Também poderão ser desonerados os produtos hortícolas, frutas, ovos, serviços de saúde, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos, compra de automóveis por taxistas, entre outros.

Acrescente-se, ainda, que a Emenda Constitucional 132/23 também trata da possibilidade de redução da alíquota do IBS e da CBS em 60% para os alimentos destinados ao consumo humano, os produtos de higiene pessoal e limpeza (como água sanitária) consumidos por famílias de baixa renda, as produções artísticas, insumos agropecuários e aquícolas, entre outros, bem como dispõe sobre a redução em 30% da alíquota do IBS e da CBS para profissionais liberais submetidos a fiscalização por conselho profissional.


– Ao longo da tramitação da reforma, muito se falou que a existência de exceções aumentaria a alíquota do IVA. Qual é o balanço que se faz da versão final aprovada: as exceções comprometem a intenção de não aumentar a carga tributária?

Paloma Rosa e Priscila Alves: A Emenda Constitucional 132/23 traz uma série de exceções à alíquota geral do IVA dual, as quais poderão ser regulamentadas mediante edição de Lei Complementar. Necessário observar que o próprio texto dispõe sobre mecanismo de controle da alíquota de referência do IBS e da CBS, já que propõe que o Senado Federal deverá editar Lei Complementar para dispor sobre as formas de compensação da elevação ou redução dessas alíquotas de referência, objetivando preservar a arrecadação das esferas federativas.

Muito embora grande parte das exceções previstas no texto da reforma tributária seja absolutamente relevante para a sociedade, no sentido de abranger parcelas mais vulneráveis e diminuir a regressividade, faz-se necessário ter parcimônia na análise de tais desonerações, já que podem e irão impactar a alíquota geral do IVA dual para os demais setores, podendo gerar o efeito reverso ao que se pretendia com a reforma e implicar em aumento da carga tributária.

Ainda não se sabe ao certo o impacto, em termos pontos percentuais, que será causado na alíquota geral do IVA dual, já que as exceções constitucionalmente previstas ainda dependem de regulamentação e estudo de impacto econômico-financeiro. Assim, é possível que a alíquota geral estimada de 27% precise passar por ajustes posteriores, representando um aumento de carga tributária em relação ao antigo sistema tributário. No entanto, a análise preliminar é de que a alíquota geral já teria uma elevação de 0,5 ponto percentual.


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