Execução fiscal não impede Fazenda de habilitar crédito por meio de falência, diz 1ª Turma do STJ

Decisão permite que vias sejam adotadas concomitantemente, desde que não seja determinada penhora ou bloqueio de bens

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No dia 26 de maio, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou a controvérsia no Recurso Especial (REsp) n. 1.831.186/SP, autorizando o fisco a habilitar crédito tributário em processo de falência enquanto continua cobrando a dívida da massa falida por meio de execução fiscal. O recurso foi apresentado pela própria Fazenda Nacional.

O REsp n. 1.831.186/SP está relacionado à cobrança de dívidas da massa falida da Santa Marina Saúde Ltda., e envolve a controvérsia sobre qual caminho deve ser seguido pela Fazenda em situações de empresas em processo de falência. Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, explica que, no caso de contribuintes falidos, o fisco pode ajuizar a execução fiscal ou habilitar seu crédito com relação a contribuintes em situação falimentar. As opções são excludentes: caso escolha uma dessas formas, a Fazenda é automaticamente impedida de aderir à outra.

A Fazenda Nacional, no entanto, defende que o fato de ter optado pelo ajuizamento do pedido de habilitação de crédito tributário perante o juízo da falência não significa suposta renúncia da via executiva. “O REsp n. 1.831.186/SP discute justamente a possibilidade de o fisco habilitar crédito tributário em processo de falência enquanto continua cobrando a dívida da massa falida por meio de execução fiscal”, comenta Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo já havia prolatado decisão reconhecendo a existência de concomitantes vias judiciais para o recebimento do crédito. Em relação ao REsp n. 1.831.186/SP, o julgamento da 1ª Turma do STJ entendeu que a Fazenda pode adotar ambos os procedimentos. O entendimento majoritário foi o de que o fisco deve fazer a habilitação do crédito no juízo falimentar, desde que, na ação de execução fiscal, não seja determinada a penhora ou a indisponibilidade de bens.

A seguir, Massoli, Braichi e Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados, comentam os principais pontos da decisão e seus desdobramentos.


A 1ª Turma do STJ decidiu que o fisco pode habilitar um crédito tributário no juízo de falência e, ao mesmo tempo, continuar cobrando a dívida da massa falida por meio de execução fiscal. Quais as justificativas para essa decisão? Cabe recurso?

Seguindo o entendimento da ministra Regina Helena Costa, a 1ª Turma do STJ entendeu que a mera existência de execução fiscal não representa uma garantia do crédito tributário para a Fazenda, uma vez que a garantia na execução fiscal somente ocorre quando há penhora ou bloqueio de bens. Assim, o entendimento é de possibilidade de coexistência das duas vias judiciais — execução fiscal e habilitação na falência — considerando que, não havendo penhora ou bloqueio, não há garantia, e a Fazenda, portanto, pode habilitar o crédito tributário na falência. Nesse passo, a decisão dispôs que a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80), o Código Tributário Nacional (CTN) e a Lei de Falências (Lei 11.101/05) garantem a autonomia entre os sistemas sem comprometer o princípio da preservação da empresa.

O STJ entendeu, por maioria, que a mera existência de execução fiscal não representaria uma garantia do crédito para a Fazenda, visto que essa garantia só se efetiva com a constrição de bens, por meio de penhora ou bloqueio dos bens do devedor. Nesse caso, contanto que não ocorra na execução fiscal a constrição de bens, não haveria que se falar em dupla garantia — via processo falimentar e execução fiscal. É possível que a massa falida apresente embargos de divergência contra a decisão da 1ª Turma, tendo em vista a existência de precedentes divergentes na 4ª Turma.


Na prática, o que essa decisão significa? Quais as principais mudanças que ela gera para as empresas em processo de falência? E para a Fazenda?

O entendimento anterior, da 4ª Turma do STJ, era o de que a Fazenda Nacional deveria renunciar à execução fiscal caso optasse por habilitar o crédito tributário no processo de falência. Dessa forma, a decisão gera modificações tanto para as empresas em processo de falência quanto para a Fazenda.

Para as empresas, a situação cria uma situação de instabilidade — afinal, quando se está em processo falimentar, arrola-se o ativo e reúne-se o passivo por meio dos credores, respeitando-se o concurso de credores e as classes de cada um. Entretanto, ao permitir a concomitância das vias judiciais, a massa falida passa a ter que gerir as dívidas da execução, e não só no juízo falimentar. Assim, para uma gestão boa dos credores, o administrador judicial deverá se atentar e gerir as dívidas tributárias.

Para a Fazenda, a decisão aumenta as chances de recebimento e de ver o seu crédito garantido, sem que haja a necessidade de aguardar o procedimento falimentar e o pagamento dos credores com preferência ao crédito tributário.

A Fazenda poderá continuar seu processo de execução fiscal, o que pode gerar um problema no fluxo de caixa da empresa, que pode ter seus poucos recursos — sejam eles financeiros ou não — penhorados. Isso é excelente para a Fazenda, pois mantém ao seu lado a celeridade da Lei de Execuções Fiscais.

Ao decidir de forma favorável à habilitação do crédito, o STJ amplia os horizontes para a Fazenda, que poderá se beneficiar da convivência das duas vias de cobrança, seja falimentar ou por execução fiscal. Essa alternativa, no entanto, só pode existir enquanto não houver a constrição dos bens. Sobre esse ponto, o ministro Napoleão Nunes, voto vencido no caso, ponderou que a decisão acaba tornando sem efeitos a instauração da execução fiscal, em razão da impossibilidade da satisfação do crédito tributário por meio da desapropriação do patrimônio do devedor. 


Na sua opinião, a medida é benéfica ou não? Por quê?

Tenho a impressão de que a decisão do STJ buscou adotar um caminho do meio, entre a negativa de habilitação do crédito no processo falimentar e a convivência de duas medidas constritivas em relação ao mesmo contribuinte. Assim, a decisão oferece ao fisco a possibilidade de adotar a estratégia processual que lhe pareça mais conveniente, sem prejuízo de se evitar a dupla garantia. Nesse ponto, entendo que a medida seria benéfica.

Não acredito que seja benéfica. O fluxo de caixa das empresas em processo falimentar será atacado pelas ações fiscais, podendo, assim, ter seus ativos monetários, estoque e maquinaria imobilizados por penhoras de processos que são céleres por natureza.

A decisão privilegia os créditos tributários — e, como consequência, os credores governamentais — em detrimento dos demais credores, uma vez que permite que a Fazenda faça a cobrança de seus créditos em vias diferentes e quebra o racional do juízo universal falimentar. A medida é benéfica para a Fazenda, já que o intuito do juízo universal é permitir que o administrador judicial consiga se organizar e quantificar o ativo para fazer o pagamento do passivo. Todavia, ao criar a possibilidade da concomitância das vias, a medida é prejudicial às empresas.

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