A Lei Geral de Concessões foi editada em 1995 e de lá para cá sofreu poucas alterações de ordem estrutural. Apesar disso, e tendo em vista a verificação da insuficiência de suas regras para regular um setor de suma importância para o desenvolvimento do País e as alterações legislativas ocorridas desde então — principalmente a edição da Lei 11.079/04, a mudança de tratamento das relações contratuais trazidas pelo Código Civil de 2002 e o anseio do mercado por uma maior segurança jurídica nas contratações —, uma parte das concessões de serviços públicos licitadas mais recentemente implementou importantes instrumentos que “modernizaram” a sistemática das concessões.
Atento a esses tempos e movimentos, o governo do Estado de São Paulo inseriu instrumentos interessantes na minuta de contrato que serviu de Anexo ao Edital de Concorrência Internacional nº 01/2020, que tem como objeto a concessão das linhas 8 e 9 (Diamante e Esmeralda) do metrô de São Paulo.
A primeira inserção que merece destaque é a prevista no item 2.3 do contrato, que traz regra interpretativa do contrato. Ainda que hoje a afirmação pareça óbvia, o contrato de concessão contém regra expressa no sentido de que o contrato precisa ser interpretado levando-se em consideração, dentre outras coisas, a sua função socioeconômica, a prioridade ao resultado equitativo e a prioridade à boa-fé objetiva e ao espírito de colaboração entre as partes, numa clara demonstração de que mesmo o Direito Administrativo não pode ficar alheio ao que comumente se pratica no Direito Contratual, ao menos desde a edição do Código Civil de 2002.
Para o privado que vier a contratar com o governo do Estado de São Paulo, a disposição do item 2.3 fortalece a segurança jurídica ao afastar qualquer dúvida quanto ao fato de que, mesmo numa relação envolvendo o poder público, as partes devem ser tratadas de maneira equitativa, e sem perder de vista o contexto da celebração do contrato.
Indicadores de desempenho
Outro moderno instrumento de gestão de contratos inserido no contrato de concessão das linhas 8 e 9 do metrô de São Paulo é a previsão de indicadores de desempenho da concessionária que não servirão apenas para aferir o nível de qualidade do serviço, mas sobretudo para indexar a sua remuneração. Ao vincular a remuneração da concessionária a índices que medem a qualidade do serviço prestado, o poder público estimula a prestação de um serviço de qualidade, atendendo os interesses dos usuários.
Anotação que também precisa ser feita: a inclusão de uma cláusula específica determinando a implantação de um programa de conformidade e integridade no âmbito da concessionária, “consistente em mecanismos e procedimentos internos com regras de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes”. Embora não diga respeito à concessão propriamente dita, a previsão contratual é mais um indicativo de que o poder público pretendeu lançar um edital para contratação que seja atual.
Matriz de riscos
Instrumento cada vez mais presente nas contratações públicas, mesmo sem previsão expressa na Lei Geral de Concessões, a matriz de riscos também constou do contrato de concessão das linhas 8 e 9 do metrô de São Paulo. A previsão objetiva de quais riscos devem ser suportados por cada uma das partes tem a capacidade de “simplificar” — ou quiçá evitar — infindáveis discussões sobre reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de longa duração como são os contratos de concessão, que passam por numerosas intempéries ao longo de sua execução.
Sem dúvida, essa medida confere maior segurança jurídica ao contrato e, portanto, serve como elemento de atratividade para potenciais investidores.
Hipótese de relicitação
Sem a pretensão de esgotar aqui as muitas particularidades do contrato de concessão das linhas 8 e 9 do metrô de São Paulo, um último mecanismo adotado que se destaca é o da “relicitação” como hipótese de extinção da concessão.
Na mesma linha da Lei 13.449/17, o Estado de São Paulo editou, em 2019, a Lei 16.933 para estabelecer “diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria e dá providências correlatas”. Tal qual fez a legislação federal, o diploma legal paulista vislumbrou na relicitação um meio de encerrar contratos cujas “disposições contratuais não estejam sendo atendidas ou cujos contratados demonstrem incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente”.
Em que pese esse instrumento não se encontrar expressamente previsto na Lei Geral de Concessões, não se pode negar que a sua inserção nas novas licitações está em linha com a consensualidade que hoje serve de norte para o Direito Administrativo, uma vez que permite a resolução do contrato de comum acordo entre concessionário e poder concedente, inclusive evitando solução de continuidade na prestação do serviço ou mesmo a assunção de sua execução pelo poder público.
De todas as observações — preliminares, diga-se de passagem — feitas neste artigo, o que se percebe do recém-lançado edital de concorrência para licitação das concessão das linhas 8 e 9 do metrô de São Paulo é a clara tendência da administração pública modernizar as suas relações contratuais com os particulares, o que é muito salutar sob todos os aspectos, mas principalmente para atrair mais investimentos num cenário de escassez de recursos públicos para investimentos de grande porte.