Marco legal altera regras para operações com moeda estrangeira

A possibilidade de transações de câmbio entre pessoas físicas é uma das grandes novidades da nova Lei do Câmbio

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Os últimos dias do ano de 2022 trouxeram uma grande novidade para as operações cambiais no Brasil: entrou em vigor o novo marco legal do segmento. A denominada nova Lei do Câmbio (Lei nº 14.286/2021) iniciou sua vigência em 30 de dezembro, após o fim de um período de vacatio legis de um ano. Com isso, novas regras para as operações financeiras que envolvam moeda estrangeira passam a ser observadas já a partir de 2023.

O novo diploma legal tem como principal objetivo a desburocratização das operações envolvendo moeda estrangeira, tanto para pessoas jurídicas como para pessoas físicas, buscando incrementar a eficiência do mercado cambial e favorecer a atuação do Brasil nas operações de comércio exterior. Tendo isso em mente, o Banco Central do Brasil (BCB), no exercício de sua competência regulamentadora e em razão do início de vigência da nova lei, editou uma série de novas resoluções acerca do tema, todas publicadas em 31 de dezembro de 2022[1], formando, em conjunto com a Lei nº 14.286/2021, um novo regime cambial brasileiro.

As alterações promovidas pela nova Lei do Câmbio alcançam o mercado de câmbio como um todo, afetando desde as operações de compra e venda de moeda estrangeira entre pessoas físicas até as operações de remessa de recursos ao exterior. Por isso, deverão ser observadas por todos os agentes econômicos que atuam nesse mercado. Destacamos a seguir algumas das principais novidades trazidas pela lei.

Do ponto de vista dos usuários do sistema cambial, uma das importantes mudanças trazidas pela nova lei é a possibilidade de realização de operações de câmbio entre pessoas físicas. Pela legislação anterior, toda operação envolvendo câmbio, independentemente do valor, deveria ser intermediada por uma instituição financeira autorizada. Com o advento da nova lei, as operações de câmbio no valor de até quinhentos dólares podem ser realizadas por particulares, sem a interferência de instituições financeiras.

Outra alteração que também afeta as pessoas físicas, mas especificamente os viajantes, refere-se ao teto de recursos em espécie que podem ser portados na entrada ou saída do país. O valor passa dos atuais dez mil reais para dez mil dólares. Tal novidade corrige a defasagem causada pela vigência da normativa anterior, editada na época da implementação do Plano Real, quando existia paridade entre o dólar e o real.

O novo marco cambial também inova ao dar tratamento equânime às contas bancárias em reais de titularidade de residentes e de não residentes. Com isso, a lei passa a permitir a manutenção de contas em moeda estrangeira no país dos agentes econômicos indicados no artigo 70 da Resolução BCB 277[2], que devem observar as regras estabelecidas na mencionada resolução. Essa autorização deverá alavancar e dinamizar as negociações entre agentes econômicos exportadores e importadores, setores que movimentam valores expressivos.

Do ponto de vista do fluxo cambial, uma significativa alteração promovida pela nova lei está disposta em seu artigo 6º, que estabelece que as instituições financeiras poderão dar cumprimento às ordens de pagamento em reais recebidas do ou enviadas para o exterior, na forma de regulamento editado pelo BCB. As operações serão realizadas por meio de contas em reais mantidas nos bancos de titularidades de instituições domiciliadas ou sediadas no exterior e que estejam sujeitas à regulação e à supervisão financeira no país de origem. Essa disposição tem como efeito favorecer o aumento da circulação de reais no exterior, beneficiando, principalmente, a aplicação no exterior de recursos captados no Brasil. As ordens de pagamento poderão ser efetivadas por meio do Serviço de Transferência ou Pagamento Internacional (eFX), mecanismo criado pelo BCB no final de 2021 e que dinamizou sobremaneira os fluxos de transferência e pagamento de recursos estrangeiros.

Outra medida de desburocratização muito exaltada é a dispensa da celebração do contrato de câmbio para operacionalizar as operações de câmbio no Brasil. A celebração desses contratos decorria de exigência legal, agora dispensada por força do artigo 10, III da nova lei. O BCB, contudo, ainda terá a competência para exigir informações sobre as transações e operações de câmbio realizadas, sejam elas referentes a capitais estrangeiros no país ou capital brasileiro no exterior. O que muda é a liberdade das partes contratantes para definir o formato de suas operações, desde que observada regulamentação aplicável.

Também se destaca a novidade trazida pelo artigo 15 da nova lei cambial, que autoriza as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central a alocar, investir e destinar para operação de crédito e financiamento, no Brasil ou no exterior, recursos captados no país e no exterior. Pela legislação anterior, o financiamento de operações fora do país com a utilização de capital captado no Brasil era proibido. Com o advento da nova lei, sujeitos à regulamentação do BCB, os agentes financeiros poderão realizar operações de investimento ou captação de recursos no exterior.

Outra alteração trazida pela nova Lei do Câmbio veio atender históricos anseios do mercado, ampliando as hipóteses de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis do Brasil, circunstância que beneficiará fortemente as operações de exportação indireta e os setores ligados à infraestrutura, em especial os financiamentos de projeto. O rol de obrigações passíveis de quitação em moeda estrangeira previsto no Decreto-Lei nº 857/1969 era taxativo e bastante restrito, sendo nulos os negócios jurídicos não abarcados por esse rol e que estabeleciam o pagamento no país em moeda estrangeira, nos termos do artigo 318 do Código Civil. A nova Lei do Câmbio revogou o referido decreto, introduzindo um novo rol de operações passíveis de pagamento em moeda estrangeira que, além de incorporar todas as previsões do antigo regramento, expandiu a permissão legal, complementando a disposição do referido artigo do Código Civil com hipóteses mais coerentes com a economia globalizada e virtual dos tempos atuais.

Com isso, passam a ser plenamente válidas as obrigações com previsão de pagamento no país em moeda estrangeira:

  • nas relações de comércio exterior de bens e serviços, englobando o seu financiamento e garantia;
  • nos contratos celebrados no Brasil em que uma das partes seja não residente (com exceção de contratos de locação de imóveis);
  • nos contratos de leasing com captação em moeda estrangeira;
  • nos próprios contratos de compra e venda de moeda estrangeira;
  • na exportação indireta; e
  • nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte atue nos setores de infraestrutura.

Em adição, a nova norma prevê ainda a possibilidade de permissões adicionais pelo Conselho Monetário Nacional, em especial a outros setores e atividades, quando tal medida for apta a mitigar o risco cambial e/ou aumentar a eficiência do negócio. Além disso, também como forma de utilização da moeda estrangeira para pagamentos de obrigações exequíveis no país, passou-se a permitir a compensação privada de créditos e valores entre residentes e não residentes.

A nova lei tem como objetivo não apenas simplificar as operações de câmbio para importadores e exportadores, mas também promover a tão necessária consolidação e atualização da legislação cambial nacional, até então composta de leis, decretos e resoluções esparsas e altamente defasadas pelo tempo. A expectativa é que seja ampliada a utilização do real em negociações e operações internacionais, inclusive financiamentos no estrangeiro, ao mesmo tempo em que facilita a entrada e permanência do capital estrangeiro no país, beneficiando as negociações em território nacional. Como resultado, espera-se, na perspectiva interna, que os setores que dependem de importação, exportação e operações gerais de câmbio se tornem mais eficientes, menos burocráticos e, consequentemente, cada vez mais aquecidos. No âmbito externo, espera-se uma valorização da moeda nacional a ponto de alcançar sua equiparação às moedas mais fortes do mercado internacional.

 

Colaboraram com o texto os associados Marcelo Matos e Paula Mello do Freitas Ferraz Advogados.

 

[1] Resolução BCB 277 (que regulamenta o “Mercado de câmbio e ingresso e saída de valores em reais e em moeda estrangeira”); Resolução BCB 278 (que regulamenta as “Operações de crédito externo e de investimento estrangeiro direto, bem como a prestação de informações ao Banco Central do Brasil”); Resolução BCB 279 (que regulamenta o “Capital brasileiro no exterior”); Resolução BCB 280 (que regulamenta a “Definição de residente e de não residente a ser aplicada para pessoas físicas e jurídicas”); e Resolução BCB 281 (que “Regulamenta disposições transitórias a serem observadas nas operações de crédito externo e de investimento estrangeiro direto, bem como a prestação de informações ao Banco Central do Brasil.”). Todas podem ser acessadas aqui (https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/legislacaocambial)
[2] Como por exemplo agências de turismo, emissores de cartão de crédito internacional, estrangeiros temporários, brasileiros não residentes, sociedades seguradoras e agências de câmbio.
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