Práticas de suitability: uma via de mão dupla entre intermediários e investidores
A Instrução CVM nº 539/13 estabelece regras para conferir maior segurança aos investidores clientes de instituições habilitadas a atuar como integrante do sistema de distribuição, por conta própria e de terceiros, na negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados de valores mobiliários — os chamados intermediários. Uma das principais medidas é a classificação dos clientes em categorias de perfil de risco previamente estabelecidas (artigo 2º), em consonância com as categorias de ativos com que atuem, identificando as características que podem afetar a adequação de perfil dos investidores (artigo 4º) — a prática conhecida como suitability.
A norma exige que o intermediário alerte o cliente quando seu perfil não estiver adequado ao ativo com o qual pretende realizar uma operação e que, para o prosseguimento da operação, deve obter uma declaração expressa de que o cliente está ciente da inadequação de perfil. Tal exigência é uma medida que se impõe, inclusive, mesmo nos casos de não terem sido obtidas as informações que permitam a identificação do perfil do cliente, ou no caso delas estarem desatualizadas.
Portanto, nas situações onde o cliente opera com a chamada “carteira de alocação de ativos” (portfólio), há necessidade de o intermediário verificar o devido enquadramento do perfil do cliente com esta carteira, em caráter contínuo. Para tanto, ele deve identificar os riscos sobre o portfólio em consonância com a aquisição e a alienação de qualquer novo ativo pelo cliente, e alertar esse mesmo cliente caso haja alguma incompatibilidade dessas operações com o perfil identificado.
Em recente decisão proferida pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ficou em evidência a importância da adoção das melhores práticas de suitability como forma, inclusive, de mitigar os riscos dos intermediários serem responsabilizados pelos prejuízos sofridos por um investidor na realização de determinadas operações de investimento. Na ocasião, a decisão — proferida em sede de Recurso em Processo do Mecanismo de Ressarcimentos de Prejuízos (MRP) — atribuiu à XP Investimentos a responsabilidade pela reparação de parte dos prejuízos sofridos por um cliente um uma operação de investimento executada sem o perfil de enquadramento de suitability preenchido.
O prejuízo alegado pelo investidor foi de R$127.197,52. No entanto, foi apurado que, após a primeira rodada de investimentos realizada pelo investidor, a XP Investimentos analisou o perfil de suitability do cliente, que foi enquadrado no perfil agressivo. Com isso, a responsabilidade do intermediário ficou limitada aos prejuízos suportados pelo cliente até o efetivo enquadramento de perfil do investidor, referente à quantia de R$27.205,67.
Verifica-se, portanto, que a prestação de serviços pelos intermediários sem o devido enquadramento de suitability dos investidores pode acarretar prejuízos financeiros aos seus clientes, além de sujeitar os intermediários aos procedimentos do MRP movidos pelos clientes lesados.
Em 18 de dezembro de 2019, a SMI da CVM realizou importantes recomendações aos intermediários sobre as melhores práticas de supervisão dos portfólios de seus clientes por meio da divulgação do Ofício Circular CVM/SMI 09/19. Francisco José Bastos Santos, superintendente da SMI, considerou que “o objetivo é esclarecer que se entende como boa prática de processo de suitability de que trata a Instrução CVM 539 compare o perfil de risco do investidor com o do portfólio de investimentos detidos por ele e não somente com ativos ou operações individuais. Para isso, o intermediário deve tomar alguns cuidados, entre eles o de monitorar de forma dinâmica o impacto de cada novo ativo adquirido ou desinvestido pelo cliente no risco da carteira como um todo”.
Extrai-se das recomendações que, para cada perfil de cliente, o intermediário poderá definir a concentração máxima permitida por cada ativo disponível em suas categorias de ativos, bem como o risco global do portfólio, utilizando-se de modelos adequados e passíveis de verificação. Além disso, deverá definir a composição de ativos admissíveis na carteira do cliente, limitados pela concentração permitida de cada ativo. O intermediário deverá indicar se a composição de ativos na carteira irá exceder o limite permitido para aquele perfil do cliente sempre que ele tiver a intenção de adquirir um novo ativo.
Na hipótese de desenquadramento de perfil com a operação pretendida pelo cliente, o intermediário deverá alertar o cliente sobre a inadequação, bem como obter uma declaração de intenção expressa dele (artigo 6º, inciso II)caso tenha interesse em seguir com a operação mesmo assim. Tal procedimento deve ser aplicado tanto para operações de investimento, quanto para operações de desinvestimento — ao final, o que importa é a concentração de ativos que permanecerá na carteira do cliente.
A SMI recomenda como uma boa prática alertar o cliente quando o risco global de seu portfólio estiver próximo do limite de desenquadramento, o qual pode ocorrer, inclusive, de forma passiva — ou seja, sem que exista uma nova operação do cliente.
Tais recomendações, portanto, visam dar maior proteção aos investidores. Eles muitas vezes desconhecem o risco da operação ou, diante de sucessivas operações de aquisição e alienação de ativos, podem perder o controle dos riscos que envolvem o seu portfólio. As recomendações visam, também, a proteção dos próprios intermediários, já que a inobservância do procedimento correto de enquadramento de perfil dos investidores poderá acarretar processos sancionadores.
Essas recomendações, somadas ao risco de responsabilização dos intermediários pelos danos sofridos pelos seus clientes no âmbito de operações realizadas sem um correto enquadramento de suitability, mostra que o intermediário deve atuar de forma hígida e diligente. é necessário que ele mitigue o desenquadramento do portfólio de seus clientes, seja em novas aquisições ou em desinvestimentos realizados pelo cliente, seja em um eventual desenquadramento passivo.
Assim, além de garantir maior segurança aos investidores com relação à compatibilidade dos investimentos com o seu perfil de risco, o intermediário se isenta da responsabilidade de ressarcimento por prejuízos decorrentes dos investimentos realizados.
*Colaborou Hugo Vidal, associado do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.
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