Mais do que os impactos já observados em decorrência da pandemia de covid-19, o cenário atual traz perspectivas ainda mais desafiadoras para o futuro, especialmente no que diz respeito à manutenção das atividades econômicas. Essa conclusão é inevitável diante de inúmeros fatos já observados no cotidiano: a limitação na circulação de pessoas que afeta diretamente a demanda e a oferta por produtos por serviços, a interrupção em cadeias de suprimentos em razão da indisponibilidade de insumos e a queda abrupta do preço do petróleo, causada principalmente pela guerra de preço entre a OPEP (especialmente Arábia Saudita) e a Rússia, são alguns deles.
No contexto desse futuro incerto, aproxima-se o prazo final para a realização das assembleias gerais ordinárias (AGOs) pelas companhias. Grande parte das sociedades anônimas deve realizar sua AGO até dia 30 de abril por ter o encerramento de seu exercício social em 31 de dezembro. Além de outras matérias, a AGO deve deliberar, obrigatoriamente, sobre a destinação do resultado do exercício social e, consequentemente, estabelecer como será tratado o lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos aos acionistas.
Tendo em vista que o cenário da pandemia começou a se estabelecer mais drasticamente no Brasil apenas em 2020 – mais especificamente a partir do dia 26 de fevereiro de 2020, quando foi confirmado o primeiro caso de covid-19 no país – grande parte das companhias sequer teve impactos significativos em suas atividades no exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2019. Isso pode ser demonstrado, inclusive, pelo fato de que o índice Bovespa, principal indicador de desempenho das ações negociadas na bolsa de valores, renovou as suas máximas históricas ainda em 2020 , tendo uma redução drástica somente a partir do final de fevereiro.
O problema que se coloca é o seguinte: as AGOs que estão prestes a ser realizadas deverão deliberar sobre a destinação do lucro líquido de 2019 – que, em geral, não foi afetado em nada pela pandemia –, mas também devem deliberar pela distribuição de dividendos aos acionistas, o que gerará obrigatoriamente um desembolso de caixa pelas companhias em 2020 (art. 205, § 3º, da Lei das S.As. ) após os efeitos nefastos da pandemia do novo coronavírus na economia, mas antes de um período razoável de recuperação econômica. Isso que pode resultar em dificuldades financeiras futuras para as companhias, tendo em vista as projeções generalizadas de uma recessão pós pandemia.
Distribuição de dividendos e a problemática gerada pela crise
O art. 202 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.As.) prevê que os acionistas têm direito de receber, como dividendo obrigatório, a parcela dos lucros da companhia estabelecida no estatuto social. Quando o estatuto social é omisso, os acionistas têm direito ao recebimento de, pelo menos, cinquenta por cento do lucro líquido do exercício social, deduzido das importâncias destinadas à constituição das reservas legal e reserva para contingências. Quando o estatuto for omisso e a assembleia deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a vinte e cinco por cento do lucro líquido do exercício social.
Como regra geral, há a obrigatoriedade legal da companhia distribuir como dividendo, no mínimo, uma parte do lucro líquido do exercício social que se encerrou (por exemplo, em 2019) para que seja pago, no máximo, até o fim do exercício social em curso (no mesmo exemplo, em 2020). No contexto econômico atual, essa sistemática gera uma situação problemática para as companhias: os resultados de 2019 foram, em regra, muito bons em razão até mesmo da fase de recuperação econômica que existia no País; porém, por outro lado, essas empresas se viram no meio de uma calamidade pública logo no início de 2020, uma crise de saúde com repercussões econômicas devastadoras que podem comprometer sua situação econômicas – mas principalmente financeira – de forma dramática.
É interessante notar que em países com mercados financeiros desenvolvidos, como nos Estados Unidos, não existe a obrigatoriedade de as companhias distribuírem seus lucros aos acionistas porque é valorizada a autonomia societária para direcionar o capital disponível aos seus melhores interesses, que nem sempre coincidem com essa distribuição. A Apple Inc., por exemplo, não pagou dividendos entre 1995 e 2012 . A companhia dirigida pelo famoso investidor Warren Buffet – a Berkshire Hathaway Inc. – é conhecida por nunca distribuir dividendos, mesmo auferindo lucros anuais substanciais (em 2019, acima de 80 bilhões de dólares) e tendo um caixa gigantesco (na ordem de 120 bilhões de dólares).
No Brasil, a Lei das S.As. prevê apenas duas situações nas quais é permitido o não pagamento – ou o pagamento em percentual inferior – do dividendo obrigatório pelas companhias: quando houver deliberação da assembleia geral, sem que haja oposição de qualquer acionista presente, sendo que nas companhias abertas essa medida será justificada exclusivamente para realizar captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações (art. 202, § 3º, inciso I da Lei das S.As.); ou quando os órgãos da administração informarem à assembleia-geral ordinária que o dividendo obrigatório é incompatível com a situação financeira da companhia (art. 202, § 4º, da Lei das S.As.).
É interessante notar que a não distribuição de dividendo obrigatório com base na incompatibilidade financeira da companhia é uma decisão discricionária dos administradores que prevalece até mesmo se a maioria dos acionistas deliberarem em sentido contrário. É uma prerrogativa – na verdade, um poder-dever – dos administradores a verificação da compatibilidade da situação financeira da companhia para que haja a distribuição responsável dos dividendos (naturalmente, podendo os administradores ser responsabilizados por danos causados em decorrência de uma retenção do dividendo obrigatório de forma ilegal ou sem justificativa real). Se a situação financeira não permitir, os administradores podem (e devem) prorrogar a distribuição dos dividendos, inclusive dos dividendos obrigatórios.
Além disso, na hipótese de declaração da incompatibilidade financeira, para resguardar os interesses dos acionistas, o conselho fiscal, se em funcionamento, deverá emitir parecer sobre a situação. Nas companhias abertas, os administradores encaminharão à CVM a justificativa da informação transmitida à assembleia. Os lucros retidos serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser pagos como dividendo assim que o permitir a situação financeira da companhia.
Retenção de dividendos obrigatórios como potencial solução
No cenário atual, no qual as companhias terão uma relevante redução de receitas sem conseguir reduzir seus custos e despesas em iguais proporções, mesmo as empresas que têm recursos disponíveis deverão ter pela frente um cenário extremamente desafiador. As companhias aéreas são o principal exemplo – e talvez as mais afetadas: segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), que reúne as 300 maiores companhias do setor ao redor do mundo, setenta e cinco por cento das empresas do setor têm como arcar com apenas um a três meses de suas despesas. Interacionalmente, grandes companhias aéreas como a Boeing e a Airbus – que não se encontram sob jurisdição brasileira e têm regras mais brandas em seus países em relação à retenção de lucros – já suspenderam a distribuição de dividendos a seus acionistas como forma de suavizar suas perdas diante da pandemia.
Na semana passada, a COPASA, em reunião do conselho de administração, decidiu que distribuirá a título de dividendo obrigatório apenas vinte e cinco por cento dos lucros . Apesar de ser esse o valor previsto como distribuição mínima no estatuto social da companhia , a previsão para este ano era que o percentual de dividendos fosse tão expressivo quanto o de 2018 (de cinquenta por cento) , diante dos ótimos resultados da empresa em 2019. A COPASA também adiou a decisão sobre a distribuição de dividendos extraordinários.
O cenário para as empresas que têm suas receitas ligadas ao preço do petróleo também é desafiador. O preço da commodity caiu da faixa de 65 dólares no início do ano para patamares atuais em abaixo dos 30 dólares. A Moody’s, uma das principais agências de avaliação de nível de risco de ativos, empresas ou países, avaliou que a Petrobras pode ter que suspender sua distribuição de dividendos devido à pandemia . Como consequência, as ações de empresas do setor tiveram grande desvalorização – as ações da Petrobras e da Petrorio apresentaram desvalorização de 54% e 70%, respectivamente, nas últimas semanas .
Nesse contexto, o pagamento inferior ao dividendo obrigatório ou mesmo o não pagamento de qualquer dividendo – com a consequente retenção de lucros pelas companhias – podem (e provavelmente irão) se tornar estratégias eficientes para manter recursos em caixa, visando a mitigar os impactos decorrentes da pandemia.
Justificativa de incompatibilidade financeira
Contudo, é remota a possibilidade de a unanimidade dos acionistas presentes na AGO aprovarem a retenção de lucros (hipótese do art. 202, § 3º, inciso I, da LSA). A tendência é que a administração das companhias utilize como justificativa a incompatibilidade financeira para reduzir ou mesmo não realizar a distribuição do dividendo obrigatório (com base no art. 202, § 4º da LSA). Entretanto, há um desafio jurídico na aplicação dessa norma no atual contexto da crise decorrente da covid-19: a retenção dos lucros e não distribuição do dividendo obrigatório deve ser baseada na “situação financeira da companhia”.
Em uma primeira análise, essa norma da Lei das S.As. remete ao tempo presente. A situação financeira da companhia deve ser incompatível com a distribuição do dividendo obrigatório no momento em que sua declaração deve ocorrer – ou seja, na AGO. A rigor, previsões futuras da administração sobre a situação financeira da companhia não deveriam servir de fundamento para que haja a retenção dos lucros ao ponto de prejudicar a distribuição do dividendo obrigatório. E há uma razão para isso: a se permitir que previsões futuras dos administradores sobre a situação financeira da companhia fossem isoladamente fundamento para a não distribuição do dividendo obrigatório, a discricionariedade atribuída aos administradores seria muito grande, praticamente esvaziando a obrigatoriedade legal de pagamento do dividendo obrigatório.
A resposta para essa questão está na análise no caso concreto no sentido de se verificar o grau de certeza para ocorrência efetiva da futura situação de incompatibilidade financeira prevista e usada pelos administradores para realizar a retenção do dividendo obrigatório. Em outras palavras, de modo a não conferir aos administradores uma discricionariedade que a Lei das S.As. não quis lhes outorgar, uma potencial situação financeira – “potencial” porque não é atual, mas apenas prevista pelos administradores – somente servirá como fundamento jurídico e societário legítimo para fundamentar a não distribuição do dividendo obrigatório se seu grau de certeza for suficientemente alto e provável ao ponto de tornar a distribuição dos dividendos uma medida irresponsável em face do interesse social de manutenção da própria existência da companhia. E quanto mais de longo prazo for a previsão ou relativo a eventos ainda não ocorridos, certamente menor será seu grau de certeza.
Não parece ser o caso atual da pandemia do novo coronavírus. A crise financeira instaurada pela covid-19 já atingiu e ainda atingirá de forma mais intensa a operação de inúmeras companhias em todo o mundo. A previsão de um potencial cenário de incompatibilidade financeira relacionada com a pandemia é baseada no curto prazo – os eventos econômicos já estão sendo sentidos, com a redução generalizada do consumo, do trânsito de pessoas e das relações comerciais – e decorrente de eventos já ocorridos – as ordens públicas de lockdown já estão em vigor, diversas empresas já foram obrigadas a suspender ou reduzir drasticamente suas atividades e as pessoas já mudaram seus hábitos. Se os efeitos adversos da pandemia no caixa das companhias ainda não foram totalmente sentidos e refletidos em suas demonstrações financeiras, uma análise fria e estática desses números atuais da companhia não pode servir como obstáculo para que a incompatibilidade financeira seja declarada com um grau razoável de certeza para permitir o não pagamento do dividendo obrigatório.
Assim, uma das possíveis soluções que pode (e até deve) ser adotada neste momento pelas empresas afetadas pelo novo coronavírus é a diminuição do percentual distribuído a título de dividendo a seus acionistas, podendo até mesmo, de forma justificada, deixar de distribuir o dividendo obrigatório. Somada a outras medidas, esse mecanismo certamente será utilizado e contribuirá para a redução dos impactos da crise. Cedo ou tarde, crises como essa acontecem, por esse e por outros motivos. Além de buscar e desenvolver alternativas e soluções, momentos como o atual – e como diversos outros ocorridos na história da humanidade – devem ser insistentemente relembrados por pessoas, empresas e governos durante cenários socioeconômicos promissores que (nunca) duram para sempre.
*Colaboraram Renata Megda e Rodrigo Amaral, advogados associados do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.
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