A pandemia de covid-19 e a (inevitável) crise econômica: o que fazer com os tributos?
Não seria exagero dizer que o Brasil de hoje é completamente diferente do Brasil do início de março. Como é do conhecimento de todos, o país está, desde o dia 26 de fevereiro, na rota do novo coronavírus (covid-19). Inicialmente identificado no interior da China, o vírus – que possui alta capacidade de transmissão – já infectou a maioria dos países do mundo.
No Brasil, o crescimento exponencial dos casos foi identificado na última semana, exigindo dos governantes e da população medidas de contenção, como fechamento de estabelecimentos comerciais e o incentivo ao trabalho remoto. Tais medidas têm o intuito de manter a população em suas casas – a chamada quarentena – e evitar aglomerações. Contudo, como se sabe, a economia gira à medida que o dinheiro se movimenta, principalmente por meio de prestação de serviços e venda de mercadorias. Sem dúvida, a redução de fluxo de pessoas tem impacto direto nessa conta.
Diante disso, já é possível dizer que a ausência de circulação irá afetar diretamente a economia e os meios de produção/consumo da população? Em nossa visão, com certeza. Não apenas pela quarentena, mas pelo cenário de incerteza ante a disseminação da covid-19 pelo país.
Diferente da China e Itália, o Brasil tem dimensão continental e população heterogênea, de forma que ainda não é possível mensurar quais serão os efeitos da disseminação do novo coronavírus no território nacional. Apesar disso, nossa recomendação inicial é que os contribuintes mantenham a calma. O direcionamento dado pelo Poder Público, até agora, é que serão implementadas medidas que facilitem a manutenção da regularidade fiscal, de forma que a inevitável crise econômica possa ser mais bem administrada.
No último dia 20, o Congresso Nacional reconheceu o estado de calamidade pública do país. Além disso, estados e municípios também vêm editando normas que regulamentam a situação de emergência e o funcionamento de órgãos públicos durante esse período.
Como não é possível prever os impactos da covid-19 na economia, ainda não é possível mapear todas as intervenções estatais que modificarão a vida dos contribuintes durante a quarentena. De qualquer forma, separamos a seguir algumas medidas ou iniciativas que entendemos mais relevantes neste primeiro momento.
Recolhimento de tributos durante a pandemia
Entendemos que a medida de maior destaque é a prorrogação do recolhimento unificado dos tributos federais do Simples Nacional. A prorrogação vale para os períodos de apuração de março, abril e maio que vencerão, respectivamente, em outubro, novembro e dezembro de 2020. A medida objetiva auxiliar as pequenas empresas – com faturamento anual de até quatro milhões e oitocentos mil reais – durante o período de crise.
No âmbito estadual, a Assembleia do Estado do Rio de Janeiro aprovou o projeto de lei (PL) 1898/2020, que autoriza o governo estadual a conceder isenção de ICMS nas contas de energia elétrica e serviços de comunicação. O PL está pendente de sanção pelo governador Wilson Witzel.
Transação tributária e mudanças de prazos da PGFN
A medida provisória 899/2019 (MP do Contribuinte Legal) regulamentou o instituto da transação tributária – que já era previsto no Código Tributário Nacional, mas ainda não contava com instituição e regulamentação no âmbito federal. Na última semana, o Ministério da Economia autorizou a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), com fundamento na MP, a suspender por 90 dias os prazos para os contribuintes apresentarem impugnações administrativas no âmbito dos procedimentos de cobrança, a instauração de novos procedimentos de cobrança, o encaminhamento de certidões da dívida ativa para cartórios de protesto e a instauração de procedimentos de exclusão de parcelamentos em atraso.
Diante disso, a PGFN editou duas portarias facilitando a transação de créditos tributários, como o parcelamento em até 81 vezes (Portaria 7.820/2020), e suspendendo por 90 dias os prazos para diversos procedimentos, como apresentação de protesto de certidões de dívida ativa e exclusão de contribuintes de parcelamentos (Portaria 7.821/2020).
O grande impasse em relação às medidas instituídas com base na MP do Contribuinte Legal é a data de vigência da medida provisória, que se encerra no dia 25 de março. Assim, é fundamental acompanhar o trâmite da MP do Contribuinte Legal e os efeitos para os contribuintes.
Suspensão de prazos processuais até o final de abril
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 313/2020, suspendeu todos os prazos processuais até o dia 30 de abril de 2020. Essa medida permite aos contribuintes se programarem, por exemplo, em relação à apresentação de garantias em sede de execução fiscal e, consequentemente, na apresentação de embargos à execução fiscal. Como se sabe, a apresentação de garantias pode representar a indisponibilidade de bens ou capital investido da empresa. Em um momento como esse, é importante que o contribuinte tenha disponibilidade de bens.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também seguiu no mesmo sentido e suspendeu os prazos processuais até 30 de abril de 2020.
Alternativas ao contribuinte presentes na legislação vigente
Além das medidas já publicadas pelos governos, é preciso ter em mente que a legislação vigente já permite aos contribuintes reorganizar o fluxo de caixa em relação aos débitos e eventuais créditos apurados no período, e adotar algumas medidas.
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Parcelamento ordinário
A Receita Federal e a PGFN permitem que os contribuintes realizem parcelamentos dos débitos em até 60 parcelas por meio do parcelamento ordinário. O contribuinte pode aderir ao parcelamento pela internet e o pagamento da primeira parcela resulta em suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
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Aproveitamento de insumos na apuração de PIS e Cofins
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do recurso especial nº 1.221.170/PR, definiu em sede de recurso repetitivo que o conceito de insumo “deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
Contudo, esse não era o posicionamento consolidado do STJ até o julgamento do recurso em questão – e muito menos da Receita Federal. Por isso, é possível que os contribuintes que recolham PIS e Cofins na sistemática não cumulativa não estejam aproveitando os insumos de forma apropriada, em razão da mudança do entendimento.
Logo, é possível que uma análise mais aprofundada aumente o volume de créditos de PIS e COFINS e, portanto, reduzam o saldo a pagar das contribuições sociais.
Como já adiantado, ainda não é possível mensurar os efeitos do novo coronavírus na economia brasileira. Contudo, as medidas acima já permitem aos contribuintes iniciar o mapeamento de alternativas para evitar que o impacto seja ainda maior.
A nossa expectativa é que novas medidas ainda serão publicadas por todas as esferas da administração pública permitindo, ainda mais, que possamos reduzir os inevitáveis efeitos da quarentena para os meios de produção. Reitera-se, dessa forma, que se mantenha a calma e a disposição em reorganizar as finanças e o recolhimento tributário. Esperamos retornar em breve com novidades para enfrentar a crise.
*Colaborou Júlia Barreto, advogada associado do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.