Regime definitivo de tributação chega a São Paulo

Novo mecanismo oferece simplicidade, mas empresas precisam avaliar se vale a pena aderir ao ROT-ST

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O Estado de São Paulo colocou em prática recentemente o seu Regime Optativo de Tributação para Substituição Tributária (ROT-ST). Outros estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina já implementaram regimes do tipo, que asseguram simplificação, ao reduzir a necessidade de repasses de valores aos contribuintes referentes à restituição de créditos fiscais que detêm. 

Na opinião de Fernanda Rizzo Paes de Almeida, associada do Vieira Rezende Advogados, o ROT-ST oferece basicamente duas vantagens: reduz a quantidade de pedidos de restituição e facilita o cumprimento das obrigações legais do imposto, reduzindo os custos de conformidade. 

Esses pedidos de restituição são gerados por causa de impostos pagos a mais pelos contribuintes. Isso ocorre por conta de um mecanismo conhecido como substituição tributária, utilizado para facilitar a arrecadação de tributos incidentes em várias etapas da cadeia produtiva, como o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). “A técnica de arrecadação permite que o tributo incidente em várias etapas seja recolhido uma só vez, no início da cadeira produtiva, sobre uma base de cálculo presumida (substituição tributária para frente) ou no final da cadeia produtiva (substituição tributária para trás)”, explica Ana Carolina Barbosa, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.  

O problema é que essa sistemática gera distorções. “Ela tributa de forma antecipada a realização do fato gerador, por meio de uma base de cálculo presumida, o que pode ferir a capacidade contributiva, a legalidade e a segurança jurídica”, ressalta. Como a base de cálculo é presumida, na prática pode ser que o contribuinte pague impostos a mais, o que acarreta a geração de créditos e, consequentemente, cria para os estados a necessidade de restituição. 

Pelas regras do ROT-ST, o contribuinte automaticamente renuncia o direito ao recebimento desses créditos. Da mesma forma, o estado abre mão de cobrar valores a menos recebidos de impostos e que exigiriam complementação por parte do contribuinte. Por isso, o regime é chamado de definitivo — ou seja, não permite compensação de imposto, nem a pagar nem a receber. 

O ROT-ST de São Paulo é voltado para varejistas que não tenham feito pedidos de ressarcimento de ICMS-ST pago a maior nos últimos nove meses. A adesão começou no dia 10 de novembro e vai até 30 deste mesmo mês. As empresas optantes pelo Simples e os microempreendedores individuais (MEI) já estarão automaticamente inscritos, a não ser que manifestem expressamente vontade contrária. 

Na entrevista abaixo, Almeida e Barbosa explicam detalhadamente como funciona o mecanismo de substituição tributária e os fatores que as empresas devem avaliar antes de optar ou não pelo ROT-ST:


Como funciona o mecanismo de substituição tributária? Ele costuma ser optativo ou compulsório? Aplica-se a quais tributos?

Ana Carolina Barbosa: A substituição tributária é um mecanismo criado para facilitar a fiscalização e arrecadação dos tributos plurifásicos, que são tributos que incidem várias vezes na cadeia de circulação de mercadorias e serviços, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (estadual) e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI (federal). A técnica de arrecadação permite que o tributo incidente em várias etapas seja recolhido uma só vez, no início da cadeira produtiva, sobre uma base de cálculo presumida (substituição tributária para frente) ou no final da cadeia produtiva (substituição tributária para trás). 

A substituição tributária encontra respaldo no artigo 128 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a legislação tributária pode estabelecer que a obrigação de pagar os tributos seja atribuída a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, e foi inserida no artigo 150 da Constituição Federal, por meio da Emenda Constituição 03/93. Contudo, a legislação específica do ente tributante deve instituir a forma de cobrança e escolher os substitutos e substituídos. Normalmente, a substituição tributária é uma regra compulsória, ou seja, a legislação estabelece os contribuintes que serão os responsáveis pelo recolhimento do tributo em antecipação ou ao final da cadeia produtiva. 

A sistemática da substituição tributária para frente tem gerado enormes distorções econômicas e é considerada por muitos como uma distorção ao sistema normativo tributário, pois tributa de forma antecipada à realização do fato gerador, por meio de uma base de cálculo presumida, o que pode ferir a capacidade contributiva, a legalidade e a segurança jurídica.

Por vários anos, os contribuintes questionaram perante o judiciário a previsão contida no § 7º, do artigo 150 da Constituição, inserida pela Emenda Constitucional 03/93, que previa a possibilidade de adotar da substituição tributária desde que se garantisse a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Em 2000, ao julgar o RE 266.523, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que era constitucional a não restituição do ICMS pago a maior em regime de substituição tributária para frente. Apenas haveria que se falar em direito à restituição se o fato gerador não se realizasse. Naquela oportunidade, o STF entendeu que, se fosse determinada a restituição do tributo pago a maior do que a base de cálculo presumida, estar-se-ia inviabilizando o uso da técnica de arrecadação, ofendendo o princípio da praticidade. Ou seja, o STF acatou o argumento das fazendas públicas no intuito de manter o sistema da forma mais conveniente para a administração. Com essa decisão, os Estados continuaram cobrando o ICMS por meio da substituição tributária sem a necessidade de restituição dos valores pagos a maior aos contribuintes, na modalidade de substituição tributária. 

Contudo, os contribuintes nunca se conformaram com esse entendimento e continuaram a buscar o reconhecimento da restituição, questionando a tributação antecipada e com fato gerador presumido. A discussão foi retomada em 2016, quando o STF, no julgamento do RE 593.849/MG, trouxe nova interpretação ao dispositivo constitucional, determinando que o contribuinte tem direito ao ICMS pago a maior, em caso de importância cobrada a mais na operação sujeita a substituição tributária.

Mas a controvérsia não parou por aí. Os estados regulamentaram sistemas de cadastro para devolução de tributos pagos a maior na modalidade de substituição tributária, conjugando-os com a fiscalização e cobrança de tributos pagos a menor na mesma sistemática. Assim, no momento da apresentação do pedido de restituição, os contribuintes eram fiscalizados e era feito um encontro de contas para compensar valores pagos a menor com valores pagos a maior na mesma sistemática.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: A substituição tributária é o regime pelo qual a responsabilidade pelo tributo devido em relação a determinadas operações é atribuída a outro contribuinte, o qual não praticou o fato gerador. A substituição é prevista para quase todos os tributos no Brasil, como o ISS, IPI, Pis e Cofins e, principalmente, o ICMS. Por se tratar de exigência legal, o recolhimento do tributo pelo substituto é compulsório.

Trata-se de regime utilizado essencialmente para facilitar a fiscalização, uma vez que a pulverização dos fatos geradores torna árdua aos entes administrativos a tarefa de fiscalizar.

Imagine-se a venda da produção rural. Muito mais fácil é para o Fisco diferir o ICMS nessa venda para a saída do varejista ou da indústria, empresas fáceis de fiscalizar, e em menor número, do que analisar as operações de cada produtor estabelecido em zona rural. O mesmo ocorre entre indústria e comércio. É mais fácil para o Fisco fiscalizar a indústria de bebidas em vez de procurar cada bar ou estabelecimento que proceder à sua venda. 

O regime de substituição tributária mais complexo e mais comumente lembrado é o do ICMS. O recolhimento pode se dar em operações subsequentes ao fato gerador, quando nos referimos à “substituição para trás” ou “diferimento”. Se o recolhimento se der em operações anteriores ao fato gerador, por meio do que chamamos de antecipação de receita, ocorre a substituição tributária “para frente”. Há ainda a substituição tributária “concomitante”, quando o ICMS é exigido de outro contribuinte no momento do fato gerador.

A substituição “para frente” é a modalidade mais polêmica, uma vez que o tributo é relativo a fatos geradores que ainda não ocorreram e, portanto, é calculado e pago de maneira antecipada, sobre uma base de cálculo presumida. O contribuinte deve calcular a base tributável por meio da utilização de pauta fiscal (normalmente o preço médio ponderado a consumidor final) ou a chamada MVA (margem de valor agregado), ambas fornecidas pelos estados.

Ocorre que nem sempre a cadeia comercial segue o fluxo esperado no cálculo do valor do ICMS-ST. Assim, situações como essas geram aos contribuintes o direito de restituição do ICMS-ST pago a maior ou o dever de complementar ao estado o valor do ICMS-ST pago a menor.

A possibilidade da restituição e da complementação do ICMS-ST surgiu a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 593.849, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito do contribuinte de receber a diferença apurada entre o valor recolhido antecipadamente no início da cadeia, com o que for realmente devido no momento da venda ao consumidor. Se havia o direito à restituição, os estados também passaram a requerer a complementação nos casos inversos.


Quais estados já criaram regimes optativos de tributação (ROT) do ICMS-ST? E com qual finalidade?

Ana Carolina Barbosa: No regime optativo de tributação (ROT) o contribuinte renuncia ao direito de pedir ressarcimento do ICMS recolhido a maior, pago em substituição tributária, mesmo quando praticar preço menor do que o usado como base de cálculo do recolhimento do tributo antecipado. O Convênio Confaz 67/19 permitiu que vários estados da Federação pudessem instituir o sistema optativo para segmentos varejistas, desde que os contribuintes firmassem compromisso de não exigir a restituição decorrente de realização de operações a consumidor final com preço inferior a base de cálculo utilizada para apuração do débito de responsabilidade por substituição tributária.

Além de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já instituíram regimes optativos de tributação em seus estados.

Minas Gerais instituiu o regime “definitivo” do ICMS-ST por meio do Decreto 47.621/2019, para contribuinte substituído exclusivamente varejista ou contribuinte substituído atacadista e varejista, em relação às operações em que atuar como varejista. Os contribuintes microempreendedores individuais (MEI) devem se atentar à legislação, uma vez que são considerados automaticamente optantes pelo regime a não ser que apresentem renúncia expressa à administração fazendária.

Em janeiro de 2020, o Rio Grande do Sul instituiu o Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária (ROT-ST) por meio do Decreto 54.938/2019, para empresas com faturamento inferior a 78 milhões de reais por ano.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: O maior desafio atualmente nos estados é equilibrar a queda de arrecadação e o aumento de gastos gerados pela crise econômica. 

Nesse sentido, os estados têm adotado mecanismos para evitar a necessidade de repasse de valores aos contribuintes. É o que se tem verificado na demora em análises de pedidos de transferência de créditos de ICMS e de restituição.

Os regimes optativos de tributação para a substituição tributária (ROT-ST) então surgem com duas vantagens: por um lado, reduzem a quantidade de pedidos de restituição e, por outro, facilitam o cumprimento das obrigações legais do imposto, reduzindo os custos de conformidade.

Aos contribuintes que optarem pelo ROT-ST, não será exigida a complementação e nem permitida a restituição do ICMS-ST. Destarte, durante sua vigência, não será exigido o imposto correspondente à complementação do ICMS ST, nos casos em que o preço praticado na operação a consumidor final for superior à base de cálculo utilizada para o cálculo do ICMS-ST. Da mesma forma, o contribuinte aderente também não poderá utilizar qualquer crédito ou exigir a restituição do imposto, correspondente à diferença do ICMS-ST, nos casos em que o preço praticado na operação com o consumidor final for inferior à base de cálculo utilizada para a apuração do ICMS-ST. Também não poderá utilizar qualquer outro crédito que caracterize discordância com a sistemática do ROT-ST ou com a definição da base de cálculo.

Autorizado pelo Convênio 67/2019, são aderentes os seguintes estados: Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. Já implementaram o ROT-ST o Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, entre outros.


A quem se destina o novo regime criado pelo Estado de São Paulo, o ROT (Regime Optativo de Tributação)?

Ana Carolina Barbosa: O regime instituído pelo Estado de São Paulo destina-se aos varejistas de todos os segmentos, localizados em São Paulo, que não tenham feito pedido de ressarcimento de ICMS-ST pago a maior nos últimos nove meses. Isso porque a adesão deverá ser realizada entre os dias 10 e 30 de novembro e o regime valerá de forma retroativa a 15 de janeiro de 2021. 

Os contribuintes que tiverem apresentado pedido de restituição no ano de 2021 não poderão aderir ao ROT, o que poderá ser questionado sob a égide do princípio da igualdade e da livre concorrência.

Vale um alerta para as empresas do Simples Nacional e microempreendedores individuais (MEI): esses contribuintes serão credenciados automaticamente ao regime e deverão se manifestar expressamente caso não desejem aderir.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: O ROT-ST no Estado de São Paulo se destina aos varejistas de todos os segmentos. Os atacadistas que atuam em operações de varejo também têm direito ao regime, mas somente em relação a essas operações.

Segundo determina a portaria regulamentadora, as entidades representativas dos setores devem manifestar formalmente seu interesse ao regime e somente após a aprovação dos pleitos das entidades os contribuintes por elas representados poderão solicitar o credenciamento, o qual será automático, com validade mínima de 12 meses e efeitos produzidos a partir do primeiro dia do mês subsequente ao do pedido efetuado.

Os contribuintes MEI e aqueles sujeitos ao Simples serão automaticamente credenciados no ROT-ST a partir de 1º de dezembro, exceto se houver manifestação contrária.

Conforme Portaria CAT 80 de outubro de 2021, para os contribuintes que solicitarem, até 30 de novembro de 2021, o credenciamento no ROT-ST, a opção pelo regime produzirá efeitos desde 15 de janeiro de 2021, desde que não haja pedido de ressarcimento do valor do imposto retido a maior, correspondente à diferença entre o valor que serviu de base à retenção e o valor da operação com consumidor ou usuário final, relativamente ao período de 15 de janeiro de 2021 a 30 de novembro de 2021.


O que as empresas devem analisar antes de decidir pela adesão ao novo regime de ICMS-ST?

Ana Carolina Barbosa: Apenas será interessante renunciar ao direito à restituição dos valores cobrados a maior, e aderir ao ROT, se o contribuinte tiver mais a pagar ou complementar (fato gerador maior do que a base de cálculo presumida) do que a receber em restituição (fato gerador presumido maior do que o verificado na realidade). Aqueles varejistas que costumam conceder muitos descontos na venda de mercadorias, normalmente têm mais direito à restituição de valores pagos a maior, considerando o fato gerador presumido. Para estes, provavelmente o ROT não será interessante.

Como o sistema de ressarcimentos demanda um apurado controle dos valores antecipados e o fato gerador efetivamente realizado, a adesão ao ROT pode facilitar a rotina fiscal de algumas empresas, que poderão aderir ao regime alternativo para cortar gastos com controle e conformidade.

Não podemos deixar de ressaltar que esses regimes, apesar de serem optativos, poderão gerar distorções no mercado, principalmente no momento em que a inflação volta a assombrar os brasileiros. 

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: As varejistas devem estar atentas à sua realidade individual. Devem avaliar se participam de operações reiteradas em que a complementação do ICMS-ST seria devida. Por outro lado, o ROT-ST não seria vantajoso para o contribuinte que tiver um valor alto a ressarcir.

O custo de conformidade para a complementação e restituição também deve ser avaliado, uma vez que o ROT-ST torna definitivos os valores recolhidos, reduzindo a necessidade de acompanhamento das operações e dos pedidos administrativos de restituição.

Outro ponto a se considerar é que a adesão se dá de maneira integral pela empresa, e não pode ser segregada por estabelecimento. Vale ressaltar que a opção tem o prazo mínimo de 12 meses, durante o qual a empresa estará obrigatoriamente vinculada ao regime. Questões comerciais e concorrenciais também poderão estar envolvidas nessa análise.

 

1 comentário
  1. […] Fonte: legislacaoemercados.capitalaberto.com.br […]

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