Projeto aborda tributação de trusts

PLP 145/22 detalha aspectos patrimoniais e referentes a impostos

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O Brasil é um dos poucos países das Américas a não contar com a previsão legal para a constituição de trusts, mas essa situação pode mudar com o avanço dos projetos de lei voltados à instituição do negócio de fidúcia. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar 145/22 (Eduardo Cury – PSDB-SP), que define os termos relacionados à figura do trust e aborda o seu tratamento tributário, além de tratar da lei e foro aplicáveis ao trust formado no exterior e dos efeitos que produzirá no Brasil.

“O PLP 145/22 representa um grande avanço na abordagem do trust, posto ser um projeto pioneiro na busca do reconhecimento de seus efeitos no Brasil, principalmente ao tratar do estabelecimento de normas relacionadas ao tratamento tributário a ser dispensado ao trust no Brasil”, considera Filipe Arantes, sócio do FTA Advogados.

 No ano passado, avançou a tramitação de outro PL que também buscava regulamentar o instituto do trust: o PL 4.758/20 foi aprovado no início de agosto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e seguiu para tramitação no Senado Federal.

Michel Siqueira Batista, associado do Vieira Rezende Advogados, explica que o PLP 145/22 e o PL 4.758/20 têm escopos distintos: o primeiro se propõe a introduzir e regular no Direito brasileiro o contrato da fidúcia (equivalente ao trust), e o segundo pretende disciplinar os efeitos tributários no Brasil decorrentes de transferências patrimoniais envolvendo trusts. “Nesse sentido, para não restar dúvidas, o PLP 145/22 reconhece expressamente a eficácia no Brasil de trusts constituídos nos termos de legislação estrangeira (afastando inclusive a competência do Judiciário brasileiro para discussões relativas às cláusulas do trust), salvo casos de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e bons costumes”, afirma Batista. Para ele, o projeto é uma iniciativa importante para conferir maior segurança jurídica para planejamentos patrimoniais envolvendo esse instrumento.

Arantes afirma que o PLP 145/22 representa um avanço em relação ao PL 4.758/20. Embora o advogado do FTA considere a proposta muito bem elaborada e pertinente, ele acredita que ainda há pontos que podem ser aprimorados.

Ana Laura Lacerda, associada do Freitas Ferraz Advogados, também considera que o projeto pode ser aperfeiçoado: “Apesar de abordar logo no primeiro capítulo do texto as definições, o PL não traz informações suficientes quanto à formação do trust em si, como a necessidade de um rol de regras de administração, remuneração do trustee e prestação de contas – que são de extrema importância para a gestão do patrimônio do trust e assegurariam maior segurança jurídica aos instituidores, beneficiários e ao próprio trustee”. Para ela, a junção dos dois PLs em um único texto legal seria uma maneira interessante de consolidar os conceitos e tratamento patrimonial dado ao trust.

Na entrevista abaixo, Arantes, Batista e Lacerda abordam pontos sobre o PLP 145/22 e os principais aspectos relacionados à tributação do trust.


– Quais são os principais pontos do PLP 145/22? Ele representa um avanço em relação ao PL 4.758/20, aprovado na Câmara?

Filipe Arantes: O PLP 145/22 representa um grande avanço na abordagem do trust, posto ser um projeto pioneiro na busca do reconhecimento de seus efeitos no Brasil, principalmente ao tratar do estabelecimento de normas relacionadas ao tratamento tributário a ser dispensado ao trust no Brasil. O projeto basicamente define os termos relacionados à figura do trust; trata da lei e foro aplicáveis ao trust formado no exterior e dos efeitos que produzirá no Brasil, principalmente em aspectos relacionados ao direito sucessório; e apresenta o tratamento tributário a ser dispensado ao trust no Brasil.

O PLP 145/22 representa um avanço em relação ao PL 4.758/20. Enquanto este último dispõe sobre a fidúcia e busca trazer ao ordenamento jurídico brasileiro o instituto do trust – por meio da utilização do modelo de fidúcia como mecanismo semelhante ao trust, e que atingiria os mesmos objetivos do ponto de vista patrimonial –, o PLP 145/22 busca reconhecer e disciplinar os efeitos produzidos no Brasil por trusts formados no exterior, abordando de forma muito mais detalhada aspectos patrimoniais e tributários do trust, com a apresentação de respostas às diversas dúvidas sobre o tratamento tributário a ser dado ao trust no Brasil.

Michel Siqueira Batista: Os PLP 145/22 (Projeto de Lei Complementar) e PL 4.758/20 (Projeto de Lei Ordinária) têm escopos distintos.

Enquanto o segundo se propõe a introduzir e regular no Direito brasileiro o contrato da fidúcia (terminologia para se referir ao que seria o trust na legislação de outros países e no Direito internacional), dispondo, por exemplo, sobre as características desse contrato, bem como direitos e obrigações das partes, o PLP 145/22, por sua vez, pretende disciplinar os efeitos tributários no Brasil decorrentes de transferências patrimoniais envolvendo trusts.

Nesse sentido, para não restar dúvidas, o PLP 145/22 reconhece expressamente a eficácia no Brasil de trusts constituídos nos termos de legislação estrangeira (afastando inclusive a competência do Judiciário brasileiro para discussões relativas às cláusulas do trust), salvo casos de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e bons costumes.

Trata-se de iniciativa importante com vistas a conferir maior segurança jurídica para planejamentos patrimoniais envolvendo esse instrumento.

O projeto estabelece a obrigação, quando aplicável, de os herdeiros trazerem à colação “para validação dos respectivos quinhões” os bens e direitos recebidos, “sob pena de perder o direito a estes bens e direitos em favor dos demais herdeiros proporcionalmente a seus quinhões”.

Imagina-se que a regra pretenda garantir que o trust não seja utilizado como instrumento para desrespeitar a legítima, em caso de sucessão sujeita à legislação brasileira, em linha com o entendimento no sentido de que o trust deve respeitar esse limite, sob pena de ser considerado contra à ordem púbica brasileira.

Anna Laura Lacerda: O PLP 145/22 tem como foco principal o tratamento tributário do instituto do trust, adentrando questões que até então não haviam sido abordadas por outras propostas, inclusive introduzindo ao ordenamento jurídico brasileiro os efeitos produzidos no Brasil por trusts formados no exterior.

Apesar de abordar logo no primeiro capítulo do texto as definições, o PL não traz informações suficientes quanto à formação do trust em si, como a necessidade de um rol de regras de administração, remuneração do trustee e prestação de contas – que são de extrema importância para a gestão do patrimônio do trust e assegurariam maior segurança jurídica aos instituidores, beneficiários e ao próprio trustee.

Já o PL 4.758/20 se limitou a listar definições, deveres, direitos, regras e procedimento de formação do trust.

Se fosse uma simples questão legislativa, a junção dos projetos em um único texto legal seria uma maneira interessante de consolidar os conceitos e regras em torno do instituto do trust e o tratamento tributário do patrimônio, de modo a fornecer mais informações para os contribuintes


– De acordo com o PL 145/22, haveria alguma tributação (ITCMD ou ITBI) no momento em que ocorre a transferência do patrimônio do instituidor para o trust? Quando ocorreria a tributação do ITCMD e do ITBI?

Filipe Arantes: Não. De acordo com o projeto, não haveria a incidência de ITCMD ou ITBI no momento da transferência do patrimônio do instituidor para o trust.

A tributação do ITCMD ocorrerá quando o beneficiário do trust adquirir de forma incondicional, total ou parcialmente, direito sobre o patrimônio do trust, ou seja, a partir do momento em que possuir o direito imediato, não sujeito a termo ou condição, de acessar qualquer parcela de ativos do trust, momento em que a legislação o define como “beneficiário efetivo”.

Em relação ao ITBI, a sua incidência ocorreria em duas hipóteses. Na primeira, quando os bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis ou direitos à sua aquisição tiverem sido adquiridos com resultados auferidos pelo trust após a aquisição do beneficiário efetivo de tal condição (ou seja, o trust adquiriu o imóvel com base nos resultados do próprio trust). Na segunda, quando o instituidor, que também pode ser beneficiário, receber o imóvel do trust – nessa hipótese, o imóvel não pertencia ao instituidor quando o trust foi constituído. Nesse ponto, vale explicar que, em alguns casos, o próprio instituidor pode ser beneficiário do trust.

Michel Siqueira Batista: O projeto estabelece expressamente que não haverá incidência de imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) e imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) na transferência de bens ao trustee para formação do patrimônio do trust.

Esse ponto é importante, pois hoje há dúvida se incidiria o ITCMD na transferência de recursos e bens para formação do patrimônio do Trust.

No caso do ITBI (relevante para operações envolvendo bens imóveis e direitos reais sobre imóveis), interpretando-se literalmente a regra atual, haveria a incidência desse imposto na transferência de imóveis localizados no Brasil.

Seria conveniente, no entanto, que a regra fosse detalhada, pois a redação atual faz referência expressa ao trustee (pessoa que recebe a guarda e a propriedade formal do bem para administrá-lo em favor de terceiro, o beneficiário), mas o que se verifica nesse tipo de situação por questões práticas é que em geral o imóvel não é detido diretamente pelo trustee, mas sim por um veículo offshore sob o patrimônio do trust, e eventualmente até por meio de uma pessoa jurídica constituída no Brasil. Da forma como o PLP está redigido, há dúvidas se essas estruturas seriam contempladas.

Na situação inversa, em que o imóvel é deslocado do patrimônio do trust em direção aos beneficiários/instituidor (seja em razão de distribuições, resgate e até revogação do trust), o PLP determina que o ITBI será devido apenas se o imóvel transferido tiver sido adquirido com resultados auferidos pelo trust após a aquisição por beneficiário efetivo de tal condição e forem transmitidos a beneficiário efetivo que não seja o instituidor ou for entregue ao instituidor, na qualidade de beneficiário, e não tiver sido previamente transferidos pelo instituidor ao trustee.

Por fim, o PLP 145/22 estabelece que o beneficiário será tributado pelo ITCMD no momento em que “adquirir direito de acesso incondicional e imediato sobre qualquer parcela do patrimônio do trust”. Essa parcela deverá ser informada na ficha bens e direitos da Declaração de Imposto de Renda.

Anna Laura Lacerda: O trust servirá de ferramenta intermediadora da transmissão de bens e direitos por doação entre o instituidor e os beneficiários, sendo que o trustee somente os adquire para administrá-los, sem poder dispor ou usá-los. Por previsão do PLP 145/22, a transmissão de bens e direitos do instituidor para o trustee, com objetivo de formar o trust, não será considerada doação para fins de tributação do ITCMD e do ITBI.

Será devido o ITCMD somente no momento que o beneficiário potencial se torna beneficiário efetivo pela aquisição de direito incondicional e imediato sobre qualquer parcela de ativos sob o trust.

O ITBI será devido quando ocorrer a transmissão pelo trust de bens imóveis, direitos reais sobre imóveis, ou direitos à sua aquisição, seja pela revogação ou extinção deste, somente se os ativos: tiverem sido adquiridos com resultados do trust, após a aquisição da condição de beneficiário efetivo, e forem transmitidos àquele beneficiário que não seja o instituidor; ou forem entregues ao instituidor-beneficiário, sem que antes fossem transmitidos ao truste


– Em que ocasiões o beneficiário seria tributado pelo imposto de renda (IR)?

Filipe Arantes: O beneficiário seria tributado pelo imposto de renda (IR) nas situações em que forem transferidos do trustee para o referido beneficiário bens e direitos localizados no Brasil por valor de mercado, maior do que o valor do mesmo bem no momento da constituição do trust, ou seja, deverá ser apurado ganho de capital se o valor de mercado de um bem superar o custo de aquisição dos bens ou direitos transferidos.

 Michel Siqueira Batista: A primeira hipótese de tributação em matéria de imposto de renda ocorrerá, eventualmente, na transferência de ativos para formação do trust, caso o instituidor opte por atribuir ao bem transferido valor superior ao informado em sua Declaração de Imposto de Renda (hipótese que pode fazer sentido em especial na transferência de imóveis).

Nesse cenário, a tributação incidirá exclusivamente sobre o ganho auferido (diferença entre o valor atribuído e o valor constante na Declaração de Imposto de Renda) e não sobre o valor total do bem. As alíquotas aplicáveis, por sua vez, variam de 15% a 22,5%, conforme o montante do ganho.

Além disso, poderá haver tributação pelo IR no momento da distribuição de dinheiro ou bens para o beneficiário ou instituidor.

Grosso modo, a forma de tributação dependerá da natureza da distribuição: se a título de resultado ou de resgate de capital, sendo que os pagamentos em dinheiro serão imputados proporcionalmente a resultado e resgate, enquanto a natureza dos pagamentos em bens deverá ser indicada expressamente pelo trust (trustee).

No caso de distribuição de resultado, o montante será considerado rendimento do beneficiário e tributado às alíquotas de 0% a 27,5%.

Já na hipótese de resgate, apenas o excedente ao capital originário (submetido à tributação pelo ITCMD e informado na Declaração de Imposto de Renda) será tributado como ganho de capital (15% a 22,5%).

Em caso de distribuição de bens e direitos in natura, a título de resultado ou resgate, o documento que formalizar a distribuição deverá informar o valor a ser atribuído (custo de aquisição ou valor de mercado), o que vai repercutir na base de cálculo para incidência do imposto de renda sobre o rendimento (distribuição de resultado) ou ganho (resgate).

Anna Laura Lacerda: Ao tornar-se beneficiário efetivo, este deverá informar o direito sobre determinada parcela do patrimônio do trust na sua declaração de bens no ano-calendário em que adquiri-lo, no valor da transferência para a formação do trust (valor de mercado ou valor constante na declaração de bens do instituidor).

No caso de distribuições em dinheiro para beneficiários residentes no Brasil, o recebimento de rendimentos auferidos pelo trust será considerado rendimento tributável sujeito ao IR mensal. Se os valores recebidos tiverem natureza de resgate do capital do trust, estes não serão tributados até o limite do valor declarado como direito sobre o patrimônio.

Para distribuições de bens e direitos localizados no Brasil a valor de mercado, será tributada a diferença a maior entre este e o valor de aquisição, à alíquota de 15% a 22,5% de IR, cuja retenção é de responsabilidade do trustee. Se o bem ou direito estiver localizado no exterior e for distribuído para residente no Brasil, será tributada a diferença entre o custo para sua aquisição e o valor declarado dos direitos. Na hipótese de ativos de menor liquidez, o valor de aquisição será o mesmo valor declarado dos direitos, ocorrendo tributação somente se o beneficiário alienar ou realizar o bem e auferir ganho de capital com a operação.

Por último, se houver distribuição dos resultados do trust para qualquer beneficiário efetivo, os valores são considerados rendimentos tributáveis pelo IR mensal. Se a distribuição se der em bens situados no Brasil, e a valor de mercado, o valor do custo de aquisição será considerado rendimento tributável, e a diferença a maior entre o custo de aquisição e o valor de mercado será considerado ganho de capital.


– Há pontos que ainda precisam ser aprimorados no PLP 145/22? Qual é a expectativa com relação à sua discussão e tramitação?

Filipe Arantes: Sim, alguns pontos precisam ser aprimorados, como por exemplo nas questões relacionadas à figura do trustee, tendo em vista que não foram abordados os impactos tributários e obrigações do trustee que seja residente fiscal do Brasil ou tenha seu controlador no Brasil. Além disso, seria importante aprofundar algumas questões sucessórias como a da colação apresentada no parágrafo único, do artigo 6º do PL 145/22, em que o legislador mistura o instituto da doação com o instituto do trust, ao afirmar que os herdeiros deverão trazer à colação os bens e direitos que “tenham efetivamente recebido em doação do instituidor antes do seu falecimento por intermédio do trustee”, sem esclarecer se haveria alguma hipótese de dispensa de se trazer os bens à colação como na hipótese de se tratarem de bens disponíveis do instituidor do trust e na hipótese deste ter dispensado os herdeiros de trazer referidos bens à colação.

Mas vale destacar que, apesar dos aprimoramentos necessários, a proposta legislativa é muito bem elaborada e pertinente. Infelizmente, a tramitação desses projetos geralmente é lenta, mas espera-se que o legislador dê especial atenção a esse projeto, dada sua importância e diversas dúvidas que têm surgido sobre o tema.

Michel Siqueira Batista: O PLP 145/22 é recente, então sua análise ainda precisa ser amadurecida pelo mercado.

De todo modo, em uma primeira leitura já é possível destacar alguns pontos de melhoria, como é o caso da extensão da não incidência do ITBI sobre a transferência de imóveis para o patrimônio do trust, acima comentada.

Embora uma interpretação sistemática do PLP permita concluir que tal previsão devesse alcançar a transferência para qualquer veículo que companha o patrimônio do trust, seria desejável a inclusão de um parágrafo para esclarecer expressamente esse ponto.

Além disso, o PLP não esclarece se os bens devem ser considerados recebidos originariamente em moeda estrangeira ou nacional, para fins de apuração de ganho de capital (incluindo ou não variação cambial). Assim, a análise deverá ser feita no caso concreto.

Com relação à tramitação do PLP 145/22, há grande expectativa do mercado, tendo em vista que sua aprovação reduziria a insegurança jurídica que hoje muito incomoda potenciais interessados nesse instrumento de planejamento patrimonial.

Não obstante, por ora não se tem visto maiores movimentações no Congresso sobre a matéria. Espera-se, no entanto, que as discussões envolvendo o PLP avancem, na medida em que outros assuntos que hoje têm demandado maior atenção do Congresso também avancem.

Anna Laura Lacerda: Assim como o PL anterior, este não trata de todos os aspectos em torno do instituto sucessório que é o trust. Dentre os desfalques estão as próprias regras de administração do patrimônio, os poderes do trustee, e a necessidade de prestação de contas.

Quanto aos pontos trazidos pelo texto, o PL tem sido bem aceito por suas abordagens inovadoras, mas seus desfalques também têm sido reconhecidos. Porém, nada impede a inclusão de questões no texto durante sua tramitação.

O PLP 145/22 está aguardando análise pela Comissão de Finanças e Tributação desde dezembro de 2022

1 comentário
  1. juan Diz

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