VGBL entra em inventário, decide 4ª Turma do STJ

Corte levou em conta a idade do titular e o caráter dos aportes no plano para decidir se havia burla à legítima

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Um dos grandes atrativos dos planos de previdência privada aberta é que eles não entram em inventário quando ocorre o falecimento do titular. Os recursos, assim, vão diretamente para a mão dos beneficiários indicados. No entanto, pode haver exceções. Foi o que aconteceu num julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou que o VGBL, no caso analisado, tinha caráter de investimento e não securitário. A corte determinou que o valor aportado no plano fizesse parte do inventário.

O julgamento em questão ocorreu na 4ª Turma do STJ, que julgou o Recurso Especial (REsp) 2.004.210. No caso, uma pessoa já em idade avançada vendeu o seu único imóvel e aportou os recursos em um plano de previdência, indicando o marido como beneficiário único. Uma das herdeiras necessárias (a filha da falecida, esta última titular do plano) questionou a situação, que na prática implicou a sua exclusão da partilha dos bens.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados, explicam que a decisão do STJ examinou a natureza jurídica dos aportes feitos no VGBL, se securitária ou de investimento financeiro. Decidiu, dessa forma, se seria aplicável ou não o artigo 794 do Código Civil, que determina a exclusão das verbas de natureza securitária da herança. “O que parece ter ocorrido no caso concreto foi o reconhecimento de indícios de burla à sucessão com a utilização do plano de VGBL e consequentemente desconsideração dos seus efeitos para fins sucessórios”, afirmam os advogados.

Batista e Persici consideram que a decisão deve ser vista com cuidado. Trata-se de um caso bastante específico (o aporte de parcela quase que integral do patrimônio em um plano de previdência, em um estágio de vida do titular já avançado e sem contemplar herdeiros legítimos). Para eles, pode ser equivocado atribuir naturezas distintas aos planos de previdência – ora securitária, ora de investimento financeiro – dependendo da idade do titular ou da fase do plano (de acumulação ou recebimento). “A nosso ver, só pode haver uma natureza, que nesse caso seria a securitária.” Eles lembram que a legislação permite a indicação de beneficiários dos planos em proporções diferentes das estabelecidas pela lei para fins de partilha (inclusive da legítima).

Embora a decisão teoricamente possa ser usada como parâmetro apenas em casos similares, os advogados lembram que, por terem sido usados como fundamentos a fase do plano (de acumulação) e a idade do titular do VGBL, é possível que esses argumentos sejam usados em outros julgamentos – de forma equivocada, na visão deles.

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende comentam a decisão do STJ.


– O que a 4ª Turma do STJ julgou no Recurso Especial (REsp) 2.004.210? Por que a decisão foi no sentido de considerar que o VGBL deveria fazer parte do inventário e da partilha de bens da titular do seguro?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: No caso em questão, uma pessoa já em idade avançada alienou seu único imóvel e aportou os recursos em um plano de previdência indicando o marido como beneficiário único.

Com o seu falecimento, uma das herdeiras necessárias (a filha da falecida) questionou a situação, que na prática implicou na sua exclusão da patilha dos bens.

A decisão do STJ proferida pela 4ª Turma examinou a natureza jurídica dos aportes realizados em plano de VGBL, se securitária ou de investimento financeiro, especificamente a fim de estabelecer a aplicação ou não do artigo 794 do Código Civil, que determina a exclusão das verbas de natureza securitária da herança.

Em primeira instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu por afastar o caráter securitário de tais aportes, o que culminou na determinação de inclusão dos aportes no inventário, beneficiando os herdeiros necessários não contemplados como beneficiários.

O STJ, por sua vez, por unanimidade manteve o entendimento por conta de três argumentos principais:

  1. a titular do plano tinha idade avançada quando da assinatura do contrato, o que sugeriria que sua real intenção não seria receber o benefício;
  2. a indicação dos beneficiários não respeitou a parcela da herança legítima devida aos herdeiros (50%); e

iii.  o falecimento se deu ainda no período de acumulação, o que indicaria se tratar nesse momento de verdadeiro investimento financeiro, uma vez que havia liberdade de aportes e resgates no contexto de processos envolvendo partilha de divórcios.


– Como você avalia a decisão?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A decisão deve ser vista com cuidado, pois resultou de um contexto bastante específico, que foi o aporte de parcela quase que integral do patrimônio em um plano de previdência, em um estágio de vida do titular já avançado e sem contemplar herdeiros legítimos.

Nos parece que há certo equívoco em atribuir aos planos de previdência natureza securitária ou de investimento financeiro a depender de circunstância, como idade do titular, e se se encontra em período de acumulação ou pagamento.

A nosso ver, só pode haver uma natureza, que nesse caso seria a securitária.

Além disso, a indicação de beneficiários em proporções diferentes das estabelecidas pela lei para fins de partilha (inclusive da legítima) por si só não deveria ser fundamento suficiente para submeter o plano VGBL à partilha. Com efeito, não há dispositivo legal que determine ou restrinja a liberdade na escolha dos beneficiários e estabelecimento dos percentuais.

O que parece ter ocorrido no caso concreto foi o reconhecimento de indícios de burla à sucessão com a utilização do plano de VGBL e consequentemente desconsideração dos seus efeitos para fins sucessórios.

A má utilização de um instrumento legítimo não pode de forma alguma ser utilizada como argumento para se tentar modificar sua natureza e ou limitar alternativas válidas permitidas pela lei.


– Essa decisão, embora não vinculante, impacta todos os casos de VGBLs que estejam na fase de acumulação, que ainda são a maioria do país? 

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A nosso ver o motivo determinante que levou à decisão foi o contexto de realização dos investimentos, notadamente o aporte de parcela quase que integral do patrimônio em momento próximo do falecimento, o que teria sugerido uma intenção de burla à sucessão.

Dessa forma, essa decisão poderia ser utilizada parâmetro apenas em casos similares.

Não obstante, por se ter utilizado como fundamento também o fato de se encontrar em fase de acumulação e a idade avançada do titular do VGBL, é possível que essas situações sejam utilizadas como argumentos em outros julgamentos – embora a nosso ver de forma equivocada.


– O que se recomenda para as pessoas que usam o VGBL como uma forma de planejamento da sucessão? Haverá mais incerteza com relação aos recursos acumulados por meio do VGBL? 

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Para mitigar as incertezas, o que se recomenda é que esse instrumento não seja utilizado para a totalidade do patrimônio e, principalmente, que se observe um lapso de tempo adequado (o maior possível) entre o momento do aporte e o do pagamento do benefício, de forma a afastar questionamentos quanto a artificialidades.


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