STF vai analisar tributação de VGBLs e PGBLs

Decisão terá repercussão geral, o que deve aumentar segurança jurídica em relação ao tema

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Além dos benefícios fiscais, um dos atrativos dos PGBLs e VGBLs é a possibilidade de sua utilização para planejamento sucessório, já que eles não entram em inventário caso o titular do plano faleça. No entanto, há vários Estados que tentam tributar — ou já tributam — esses planos de previdência com o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), por entenderem que os recursos acumulados integram o patrimônio do titular. Controversa, a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio, a corte reconheceu por unanimidade que há repercussão geral no recurso que discute a incidência de ITCMD nos PGBLs e VGBLs (julgamento do RE 1363013).

Na visão da advogada Ligia Merlo, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, uma decisão do STF em sede de repercussão geral será fundamental para gerar maior segurança jurídica para os investidores. Ela considera que é necessário uniformizar o entendimento sobre a questão, já que a jurisprudência sobre o assunto é díspar, principalmente no que diz respeito ao PGBL. Para esse produto, o entendimento majoritário é que ele integra a herança por se tratar de uma aplicação financeira. O mesmo não ocorre com o VGBL, uma vez que, de acordo com a Susep, ele se enquadra como um seguro de pessoas e, portanto, não compõe o patrimônio do seu titular.

Merlo observa que há certa ânsia de alguns estados em tributar a previdência complementar, principalmente após a crise arrecadatória ocasionada pela pandemia de Covid-19. Alguns deles, inclusive, já preveem expressamente a cobrança do ITCMD sobre os planos. É o caso do Paraná e do Rio de Janeiro. Em São Paulo, a cobrança é isenta, mas um projeto de lei em tramitação pode mudar esse cenário. O PL 529/20 propõe que entidades abertas de previdência complementar, seguradoras e instituições financeiras sejam responsáveis pela retenção e pelo recolhimento do ITCMD quando ocorrer a transmissão de VGBLs e PGBLs — o que já acontece em Minas Gerais. 

Na entrevista abaixo, Merlo explica por que VGBLs e PGBLs frequentemente têm sido tratados de formas diferentes e aborda a importância da decisão do STF.

Em recente julgamento, o STF entendeu que há repercussão geral no recurso que discute a incidência de ITCMD nos planos de VGBLs e PBGLs. O que isso significa?

Ligia Merlo: O Supremo Tribunal Federal (STF) tem como uma de suas competências a interpretação de questões constitucionais, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal de 1988. Contudo, para que haja o reconhecimento de repercussão geral, conforme prevê o artigo 1.035, §1º do Código de Processo Civil (CPC), faz-se necessária a demonstração de relevância da questão do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapasse os interesses subjetivos do processo. Ou seja, somente serão analisados pelo STF casos de repercussão para toda a sociedade. O CPC prevê, ainda, em seu artigo 927, que as decisões em recurso extraordinário em repercussão geral proferidas pelo STF terão eficácia erga omnes, ou seja, efeito vinculante para todo o Poder Judiciário.

A atribuição do efeito erga omnes pelo legislador a esses recursos tem como principal objetivo a uniformização da interpretação jurisprudencial, de modo que a decisão do STF deverá servir como verdadeiro norte para os demais órgãos do Judiciário.

Desse modo, ainda que a atribuição de efeito vinculante ao precedente para os órgãos do Poder Executivo — no caso, as Secretarias Estaduais de Fazenda — dependa de ato próprio do Executivo, a resolução do tema em sede de repercussão geral pelo STF certamente trará maior segurança jurídica quanto à questão, tendo em vista que, em caso de decisão que entenda pela não incidência de ITCMD sobre tais planos, os contribuintes poderão recorrer ao Judiciário para afastar qualquer cobrança.


Atualmente, qual é o entendimento sobre o ITCMD sobre VGBLs e PGBLs? Quais são os argumentos usados a favor e contra a tributação?

Ligia Merlo: Antes de mais nada, é preciso ter em mente que a controvérsia sobre a incidência ou não de ITCMD sobre esses planos diz respeito a sua transmissão após a morte do titular. Isso porque, nos termos do artigo 155, I da Constituição Federal de 1988, o ITCMD incide sobre “a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos”. Ou seja, para que haja fato gerador de ITCMD, faz-se necessária a inclusão daquele bem ou direito no patrimônio do de cujus.

O Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) são regulados pelo regime da previdência complementar (Lei Complementar 109/01). De outro lado, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), responsável pelo controle e fiscalização dos planos de previdência privada, entende que apenas o VGBL pode ser entendido como seguro de pessoas.

Essa diferenciação é fundamental para compreender o tratamento tributário dado a cada um deles. Isso se dá, pois, regra geral, o seguro de pessoas não compõe o patrimônio do seu titular, e, por consequência, não estaria sujeito à incidência do ITCMD. Ainda assim, muitos Estados ainda têm realizada a cobrança de ITCMD sobre tais planos.

  Diante de tal controvérsia, atualmente é possível observar duas principais correntes sobre o tema. De um lado, entende-se que o ITCMD seria devido em ambos os planos por se caracterizar como uma aplicação financeira de longo prazo, integrando, portanto, o patrimônio do de cujus para fins de herança. De outro, tanto PGBL quanto VGBL não estariam sujeitos ao ITCMD por não integrarem a herança. Nesse caso, após a morte do titular, seria estabelecida nova relação obrigacional com os beneficiários.

No que diz respeito à jurisprudência, é possível observar que não há um entendimento uniforme quanto à questão, sobretudo no que diz respeito ao PGBL, de modo que tem prevalecido a corrente que entende que esta modalidade integraria a herança por se tratar de uma aplicação financeira.

Quanto ao VGBL, por sua vez, o entendimento majoritário, já reconhecido, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento recente (REsp 1.961.488), é de que ele não integra a herança, não estando sujeito, portanto, ao ITCMD.


Em todos os Estados, ambos os produtos estão isentos do pagamento do imposto quando ocorre a morte do titular? Há um movimento de tentar tributar os VGBLs e PGBLs?

Ligia Merlo: Embora, regra geral, a legislação dos Estados não preveja a incidência de ITCMD sobre planos de previdência complementar, alguns Estados determinam expressamente a incidência do imposto sobre PGBL e VGBL. É o caso, por exemplo, do Paraná (artigo 8º da Lei 18.573/15) e Rio de Janeiro (artigo 23 da Lei 7.174/15).

Além desses Estados, São Paulo, cujo artigo 6º da Lei 10.705/00 determina expressamente a isenção de ITCMD nesses casos, possui um projeto de lei em tramitação (PL 529/20) que, além de alterar o artigo 6º para excluir essa isenção, prevê a adição do artigo 33-B na Lei 10.705/00. 

Com a inclusão de tal artigo, São Paulo passaria a estabelecer que as entidades abertas de previdência complementar, seguradoras e instituições financeiras são responsáveis pela retenção e pelo recolhimento do ITCMD na hipótese de transmissão relativa a VGBL, PGBL, de modo semelhante ao que ocorre hoje em Minas Gerais (artigo 20-A da Lei 14.941/02).

Desse modo, é possível observar um movimento claro de alguns Estados para tributar tais planos de previdência complementar, sobretudo, após a crise arrecadatória sofrida em razão da pandemia de Covid-19.


Os poupadores que aplicam nesses planos devem se preocupar com a questão?

Ligia Merlo: Certamente. A ausência de critérios e jurisprudência uniformes, bem como a previsão expressa de incidência de ITCMD sobre esses planos em alguns Estados traz um cenário de grande incerteza para quem deseja realizar investimentos em VGBL e PGBL.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, alguns julgados têm se baseado no caso concreto para decidir sobre a incidência ou não de ITCMD sobre tais planos, de modo que tem sido observado se a contratação se deu ou não com o interesse de mera complementação da renda do seu titular. Caso a intenção tenha sido de apenas complementar a renda, o entendimento na maioria dos casos tem sido o de que são investimentos que devem ser incluídos na herança, sujeitando-se ao ITCMD.

Nesse sentido, tendo em vista a necessidade de uniformização do entendimento sobre a questão, uma decisão do STF em sede de repercussão geral é fundamental para trazer maior segurança jurídica quanto ao tema.

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