O cabo de guerra em torno do RenovaBio

Distribuidoras de combustíveis querem mudanças no programa, mas produtoras de biocombustíveis pleiteiam manutenção

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Apesar de ser considerado um êxito, o RenovaBio recentemente completou seis anos em meio à polêmica e às pressões das distribuidoras de combustíveis para que seja modificado. O programa vem sendo bem avaliado por alcançar os objetivos para os quais foi criado: fomentar a substituição de combustíveis fósseis por renováveis e contribuir para as reduções de gases do efeito estufa e para o alcance das metas brasileiras estipuladas no âmbito do Acordo de Paris.

“O RenovaBio vem obtendo resultados positivos em decorrência da política adotada, o que nos leva a crer que a Lei 13.576/2017, que o instituiu, não precisa de alterações significativas, mas, sim, de ajustes pontuais”, avaliam Rodrigo Pinheiro Barbosa e Eduarda Camargos Batista Costa, sócio e estagiária do Nankran Mourão Brito Massoli Advogados.

Conforme noticiado pelo Valor Econômico, no fim de novembro a federação que reúne dez sindicatos estatuais e 40 distribuidores regionais pleiteou modificações no programa ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Eles consideram, ainda segundo a reportagem, que o programa apenas transfere renda da sociedade para os produtores de biocombustíveis, e que não vem sendo efetivo porque a produção de etanol caiu de 2019 para 2022. Por outro lado, os produtores de biocombustíveis tomaram suas decisões de investimento com base na existência do programa e pleiteiam pela manutenção das regras. 

Como o RenovaBio funciona

O cabo de guerra entre produtoras de biocombustíveis e distribuidoras pode ser mais bem compreendido por meio da sistemática de funcionamento do programa. O RenovaBio funciona da seguinte forma: as distribuidoras de combustíveis devem cumprir metas de comercialização de combustíveis fósseis (gasolina e diesel) e biocombustíveis (etanol, biodiesel e biometano). Para estimular redução do consumo dos primeiros e o aumento dos segundos, elas precisam comprar Certificados de Descarbonização (CBios), títulos emitidos pelas produtoras de biocombustíveis e que representam uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que deixou de ser lançada na atmosfera. A questão é que o preço dos CBios vem subindo, o que reduz as margens das distribuidoras. Estas alegam que as produtoras seguram a oferta dos títulos para ocasionar aumento dos preços e propõem que a necessidade de comprar os títulos recaia sobre as produtoras de combustíveis fósseis, e não sobre as distribuidoras.

Barbosa e Costa avaliam que, para resolver esse problema, podem ser feitos ajustes pontuais, mas que não modifiquem a essência: “O programa pode ser aprimorado, sobretudo no que tange à necessidade de melhor regulação acerca da aquisição dos CBios no mercado, inclusive porque tal regulação visa proteger não somente o mercado, mas também o consumidor final. A não manutenção de margem adequada pelas distribuidoras pós aquisição do título poderá eventualmente refletir no preço final dos serviços e produtos comercializados, sendo os próprios consumidores os maiores prejudicados, caso tais custos sejam repassados.” O importante, consideram, é que as alterações ampliem os resultados da política final a ser alcançada e que não sejam motivadas por “meros caprichos comerciais.”

A ANP vem estudando alternativas para aumentar a oferta dos CBios. Em 22 de novembro, por exemplo, realizou uma audiência pública sobre a revisão de uma Resolução que impede a geração de CBios quando a comercialização de biocombustíveis ocorre pela modalidade de venda à ordem (quando uma empresa vende determinado produto a outra, porém efetua a entrega para uma terceira). A ideia é que essas transações também possam gerar lastro para a emissão de  CBios.

Na entrevista abaixo, Barbosa e Costa avaliam o RenovaBio e abordam as possíveis modificações no programa.


– O programa RenovaBio completou 6 anos. O programa vem conseguindo promover a descarbonização do setor de combustíveis?

Rodrigo Pinheiro Barbosa e Eduarda Camargos Batista Costa: Sim, desde a implementação do programa, resultados positivos podem ser verificados. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o setor conta com 321 produtores de biocombustíveis, sendo 280 de etanol, 37 de biodiesel e 4 de biometano, certificados no RenovaBio e aptos a emitir CBios. Tais números representam cerca de 76% do total de produtores autorizados pela ANP. Ainda segundo a agência, 112 milhões de CBios já foram emitidos (representando 112 milhões toneladas de CO2 equivalente que deixaram de ser emitidas). Ademais, em 2021, 21 milhões de CBios foram validados na Plataforma CBios, conforme informações da ANP. As partes obrigadas ao cumprimento de metas individuais no programa, que são as distribuidoras de combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel), cumpriram 96,8% do total das metas atribuídas para o ano, garantindo a aposentadoria de 24.405.193 de CBios. De acordo com a Agência EPBR, o programa evitou a emissão de 109 milhões de toneladas de carbono por meio da produção de etanol, biodiesel ou biometano entre 2020 e 2023, gerando o mesmo número de CBios no período.[1]


– As distribuidoras estão conseguindo cumprir as metas estipuladas para cada ano? Por que estão pleiteando a modificação do programa?

Rodrigo Pinheiro Barbosa e Eduarda Camargos Batista Costa: Sim, as distribuidoras estão conseguindo cumprir as metas. Entretanto, as distribuidoras de combustíveis, atualmente obrigadas a cumprir metas de comercialização de combustíveis fósseis e biocombustíveis, adquirindo CBios anualmente, têm se queixado da baixa oferta dos títulos e dos preços dos créditos. Elas alegam que as emissoras dos CBios estariam segurando a oferta para induzir um aumento do preço dos títulos. Assim, como o preço dos combustíveis e dos CBios subiu, as margens estão pressionadas. Outro ponto pleiteado é que as distribuidoras defendem que a obrigação de compra de CBios deve ser assumida pelas refinarias.


– Por outro lado, as produtoras de biogás e biometano consideram que o programa deve continuar como está. Quais são os argumentos?

Rodrigo Pinheiro Barbosa e Eduarda Camargos Batista Costa: As produtoras de biogás e biometano entendem que o programa vem atingindo seus objetivos. Segundo elas, a proposta de reforma pode eventualmente descaracterizar a política de descarbonização a favor de interesses comerciais, de modo que os precursores da proposta ignoram fatores externos que impactaram o mercado nacional de combustíveis e se utilizam de tais fatores como justificativa para tentar legitimar as alterações sugeridas.


– Na sua avaliação, o programa pode ser aprimorado? Em caso afirmativo, em quais aspectos?

Rodrigo Pinheiro Barbosa e Eduarda Camargos Batista Costa: O programa pode ser aprimorado, sobretudo no que tange à necessidade de melhor regulação acerca da aquisição dos CBios no mercado, inclusive porque tal regulação visa proteger não somente o mercado, mas também o consumidor final. A não manutenção de margem adequada pelas distribuidoras pós aquisição do título poderá eventualmente refletir no preço final dos serviços e produtos comercializados, sendo os próprios consumidores os maiores prejudicados, caso tais custos sejam repassados.

Um dos ajustes, portanto, diz respeito à necessidade de melhor regulação acerca da aquisição dos CBios no mercado, considerando a existência de reclamação de que há uma baixa oferta e preço inflacionado desses títulos, que seriam decorrentes de suposta retenção por parte dos emissores do título.

Outro ajuste seria no sentido de os CBios seguirem a metodologia internacional de crédito de carbono para que possam ser oferecidos em outros mercados e assim ampliar sua possibilidade de comercialização. Não obstante esses ajustes pontuais, o importante é que, à luz das outras alterações que surjam, a alteração do RenovaBio seja realizada de modo a ampliar os resultados da política final a ser alcançada, não podendo tais alterações se darem por meros caprichos comerciais.

[1] https://epbr.com.br/renovabio-produtores-de-etanol-dizem-que-politica-cumpre-objetivos-apesar-de-cenarios-adversos/ <Acesso em 27 de novembro de 2023>

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