Estudo mostra derrubada de decisões arbitrais pela Justiça

Casos são minoria, mas envolvem negócios de grande repercussão

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Levantamento da consultoria Arbipedia mostra que, no período de 2016 a 2020, 19% das 292 decisões proferidas por tribunais arbitrais no Brasil foram questionadas pelos tribunais de Justiça. Apesar de estarem longe de ser a maioria, entre os casos questionados há alguns de grande monta, como o que envolveu a J&F (holding da JBS) e a Paper Excellence em torno da compra da Eldorado Brasil, um negócio que chegou a 15 bilhões de reais, e o do Metrô de São Paulo ante a empreiteira responsável pela construção da Linha Amarela.

Como observa Claudio Pieruccetti, sócio do Vieira Rezende Advogados, a arbitragem foi pensada para efetivamente substituir a atuação do Estado-juiz na solução das controvérsias — num contexto em que o Poder Judiciário enfrenta uma longa crise decorrente de litigiosidade excessiva. “Assim, como regra, as decisões arbitrais não podem ser objeto de impugnação perante o Poder Judiciário”, explica.

A Lei 9.307/96, a lei brasileira de arbitragem, estabelece algumas exceções, considerando sentenças proferidas por pessoas que não poderiam ser árbitro regularmente constituído, fora dos limites estabelecidos na convenção de arbitragem, como consequência de corrupção do árbitro e com violação do contraditório e da ampla defesa. “O controle do Poder Judiciário, portanto, é de ordem formal, não podendo interferir no conteúdo propriamente dito da decisão arbitral”, ressalta o advogado, destacando que os questionamentos podem servir para colocar temas em discussão, talvez resultando em aprimoramentos que fortalecerão o instituto da arbitragem.

A seguir, Pieruccetti trata de outros aspectos desses questionamentos e suas implicações para a dinâmica da arbitragem.


Em quais casos decisões arbitrais podem ser questionadas nos tribunais?

Claudio Pieruccetti: A crise que já há algum tempo assola o Poder Judiciário, como decorrência da litigiosidade excessiva, deu origem a um movimento de desjudicialização, que, por sua vez, resultou na criação de métodos alternativos de solução de controvérsias — quais sejam, a mediação, a conciliação e a arbitragem.

A arbitragem, então, foi pensada para efetivamente substituir a atuação do Estado-juiz na solução das controvérsias, de modo que, como regra, as decisões arbitrais não podem ser objeto de impugnação perante o Poder Judiciário.

As exceções estão previstas no artigo 32 da Lei 9.307/96, a lei brasileira de arbitragem, dentre elas: a sentença proferida por quem não podia ser árbitro regularmente constituído; a sentença proferida fora dos limites previstos na convenção de arbitragem; a sentença proferida como consequência de ato de corrupção do árbitro; a sentença proferida com violação do contraditório e da ampla defesa. Além disso, a nulidade pode ser pleiteada por meio da apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, que obrigatoriamente precisa ser promovida perante o Poder Judiciário.

O controle do Poder Judiciário, portanto, é de ordem formal, não podendo interferir no conteúdo propriamente dito da decisão arbitral.


Apesar do percentual relativamente reduzido, quase um quinto das decisões questionadas é derrubado. Na sua avaliação, trata-se de uma ameaça ao método arbitral de resolução de conflitos?

Claudio Pieruccetti: Muito embora a lei brasileira de arbitragem tenha sido editada em 1996, o fato é que ela só ganhou maior força nos últimos anos, inclusive com a alteração introduzida no ano de 2015 para expressamente prever a possibilidade de procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública (o que já acontecia antes).

Como ocorre em qualquer novo procedimento, é natural o surgimento de questionamentos. Mas isso não significa necessariamente uma ameaça a esse importante método alternativo de solução de controvérsia. Exemplo disso foi o questionamento que se fez durante muito tempo no que diz respeito à participação da Administração Pública em arbitragens, e que resultou na edição da Lei 13.129/15, que expressamente autorizou a utilização da arbitragem nesses casos.

Na verdade, então, os questionamentos podem servir para colocar determinados temas em discussão e, eventualmente, resultar em aprimoramentos que, ao fim e ao cabo, irão fortalecer o instituto.

Contudo, nada disso será de maior valia se os todos os envolvidos, principalmente partes e advogados, não atuarem de boa-fé, “criando” situações e/ou argumentos que possam num futuro imediato servir de base para o ajuizamento de ação anulatória de sentença arbitral.


Depois de derrubada uma decisão arbitral, quais procedimentos devem ser seguidos pelos litigantes? Há reinício da arbitragem ou disputa judicial?

Claudio Pieruccetti: Na linha de que a intervenção do Poder Judiciário no controle das decisões arbitrais não abrange o conteúdo, mas tão somente a questão formal, a Lei de Arbitragem prevê em seu artigo 33, §2º, que a sentença que julgar procedente o pedido de anulação de sentença arbitral deve determinar que o árbitro ou tribunal profira nova sentença.

Desse modo, encerrada a ação anulatória de sentença arbitral, devem as partes retornar ao ambiente arbitral, a fim de que o árbitro ou o tribunal possa proferir nova decisão que corrija o defeito verificado.

A fase em que o procedimento será retomado vai depender basicamente do defeito que for apontado pelo Poder Judiciário quando do reconhecimento da nulidade. Se, por exemplo, o vício identificado for na escolha do árbitro ou na escolha dos membros do tribunal arbitral que não apenas proferiram a decisão, mas dirigiram a fase probatória, parece de todo razoável que todos os atos que possam ter sido impactados pela irregularidade da escolha sejam refeitos. Se, por outro lado, o vício estiver restrito à sentença, que decidiu além dos limites traçados na convenção de arbitragem, parece muito mais adequado que a retomada do procedimento tenha por objetivo unicamente corrigir esse defeito.


Quais cuidados partes e árbitros devem tomar para evitar que a arbitragem acabe na Justiça?

Claudio Pieruccetti: Difícil precisar todos os cuidados que partes e árbitros precisam tomar para evitar a declaração de nulidade de sentenças arbitrais, pois, como se viu, vários são os fundamentos que podem embasar um pleito anulatório.

De todo modo, pelo que se tem notícia, o fundamento que tem mais servido para embasar esse tipo de pedido é a imparcialidade dos árbitros descoberta no curso ou mesmo em momento posterior ao encerramento do procedimento. Nesse sentido, partes e árbitros precisam antes e durante o procedimento noticiar todos os fatos que eventualmente possam levantar suspeitas sobre a sua imparcialidade de atuação em um determinado procedimento.

Além disso, os árbitros devem ter especial cuidado na direção da fase probatória dos procedimentos arbitrais, sempre zelando pela garantia do exercício do direito de defesa, mas sem permitir que o procedimento passe pela produção de provas desnecessárias que podem retardar o seu desfecho.


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