As SPACs e sua atuação no Brasil: a combinação de negócios (Parte 2)

Parte 2 – A combinação de negócios

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No primeiro artigo desta séria sobre SPAC, apresentamos noções introdutórias sobre a estrutura no contexto norte-americano, focando principalmente nos seus principais atores. Neste segundo artigo, passaremos à análise da operação dessa estrutura, percorrendo as principais etapas que culminam com a conclusão da aquisição da sociedade-alvo — a combinação de negócios.

Rememorando, de forma resumida, a SPAC é uma estrutura de captação de recursos por meio de uma operação de IPO conduzida pelo sponsor com a finalidade de adquirir um negócio operacional. A constituição da SPAC e realização do IPO, portanto, são procedimentos inaugurais para a posterior combinação de negócios (conhecida como de-SPAC).

Uma vez constituída a SPAC e deferido o pedido de abertura de capital por meio do IPO, inicia-se uma nova fase com a divulgação de um prospecto ao mercado com o intuito de fornecer informações relevantes da pretensa combinação de negócios. Esse documento usualmente contém informações como: a equipe envolvida na operação, a finalidade pretendida com o investimento (geralmente indicando o mercado de interesse, a área geográfica e o tamanho da sociedade-alvo a ser procurada para combinação de negócios[1])  e algumas informações financeiras simplificadas.

Após o registro do IPO[2] e consequente na abertura de capital da SPAC, os investidores interessados poderão adquirir units na bolsa de valores que, no caso das SPACs norte-americanas, geralmente, são compostos por ações de emissão da companhia (shares) e um bônus de subscrição (warrants) que poderá ser exercido para subscrever uma quantidade adicional de ações a um preço e num prazo pré-determinados. Via de regra, a integralidade dos recursos captados com os investidores deve ser revertida para aquisição de uma sociedade-alvo. Em relação a tal ponto, um questionamento surge: como é possível garantir que esses recursos sejam integralmente utilizados na combinação de negócios? Quais os mecanismos utilizados para impedir que os recursos sejam desviados?

A experiência norte-americana vem demonstrando que a estrutura da SPAC confere uma solução eficiente para o problema. Todo o valor captado dos investidores é depositado em conta garantia (escrow account) vinculada a uma aplicação financeira de baixo risco, o que possibilita dar segurança ao processo e ainda assegurar uma rentabilidade mínima aos investidores. A conta garantia possibilita ainda que seja convencionado, no momento da sua contratação, os gatilhos para a liberação de recursos, assegurando que os recursos captados não sejam utilizados indevidamente. Por meio desse mecanismo, o valor captado fica protegido e só poderá ser utilizado para os seus fins determinados e de acordo com a verificação dos gatilhos.

O procedimento de combinação de negócios apenas se inicia efetivamente após o atingimento da meta de captação de investimentos pela SPAC. Somente nesse momento é que o sponsor iniciará as tratativas com possíveis targets e, à medida que a negociação avança, conduzirá e custeará o processo de auditoria e das etapas inerentes à operação tradicional de M&A[3]. Concluída a auditoria de forma satisfatória e encerrada a negociação dos documentos definitivos para aquisição da sociedade-alvo, o sponsor e a target celebrarão os documentos definitivos da operação, sempre tendo em mente que uma relevante condição precedente deverá ser superada. A operação só produzirá efeitos após o sponsor convocar uma Assembleia Geral Extraordinária dos acionistas da SPAC para apresentar a target; apontar os fatores de risco relevantes envolvidos aos investidores; e eliberar sobre a aprovação ou rejeição da combinação de negócios nos termos negociados previamente pelo sponsor.

Caso a operação seja reprovada, o negócio não será concluído e consequentemente não produzirá efeitos. Neste caso, caberá ao sponsor buscar outra target ou liquidar a SPAC com a devolução do valor do investimento aos investidores, acrescido dos rendimentos da aplicação financeira vinculada à conta garantia. O mesmo ocorre se houver o transcurso do prazo de duração da SPAC[4] sem a efetiva combinação de negócios[5]. Nessas hipóteses de eventual liquidação da SPAC, o sponsor perde todo o investimento de tempo e capital realizado no negócio, fato que pode gerar graves conflitos de interesse e ainda forçar uma combinação de negócios sem as condições ideais. Por outro lado, em teoria, os investidores não sofrem qualquer prejuízo numa situação em que a SPAC seja liquidada, pois recebem o valor investido acrescido da rentabilidade garantida pela aplicação financeira[6].

Caso a operação seja aprovada, a combinação de negócios efetivamente ocorrerá, de modo que a target alçará o status de companhia aberta com o fechamento da operação de M&A, tendo como acionistas o sponsor e os investidores[7]. Por se tratar de uma companhia aberta, importante destacar que, a partir desse momento, os acionistas, principalmente os investidores, poderão negociar suas ações de emissão da SPAC na bolsa de valores, salvo quando houver alguma restrição de negociação por prazo determinado (lock-up).

Um ponto curioso é que, mesmo votando pela aprovação da operação, os investidores terão o direito de exercer direito de retirada, visando a liquidação de suas ações e o reembolso do valor do investimento acrescido dos rendimentos da aplicação financeira vinculada à conta garantia. Mesmo assim, os warrants podem ser mantidos pelos investidores que, dentro de um prazo pré-determinado no instrumento, poderão exercer o direito de subscrever novas ações de emissão da SPAC futuramente, sendo verdadeiramente atrativas num eventual cenário de valorização da companhia após a combinação de negócios.

Sabendo que a retirada desses acionistas pode prejudicar o caixa da SPAC e consequentemente inviabilizar a combinação de negócios, é comum que o estatuto social da própria SPAC e todos os documentos da operação de combinação de negócios prevejam a possibilidade de captação de investimentos via aumento de capital com o ingresso de fundos de investimentos denominados PIPE (o acrônimo para Private Investiment in Public Equities, que são investimentos feitos de forma privada, porém em companhias de capital aberto). Em um contexto de SPAC, os investidores de PIPEs – geralmente, fundos de private equity – investem valores relevantes às vésperas de uma combinação de negócios, com o intuito de cobrir eventual insuficiência de fundos em decorrência dos investidores que optaram por exercer o direito de retirada. Neste caso, os PIPEs podem ter condições mais atrativas em comparação aos investidores que ingressaram no IPO, com a finalidade de viabilizar a operação e assegurar a aquisição da sociedade-alvo.

Concluídas todas essas etapas, ocorre o fechamento da combinação de negócios (a aquisição da sociedade-alvo) e, consequentemente, a conclusão do de-SPAC, com a SPAC passando a conduzir a atividade empresária exercida pela target (por meio do controle societário dela), assumindo os riscos envolvidos e participando dos seus resultados.

Embora ainda existam questões controversas quanto ao modelo de negócio da SPAC e particularidades que devem ser atentadas no caso concreto, tanto do ponto de vista do investimento como da sua implementação, esse modelo tem se mostrado versátil e potencialmente eficaz para a alavancagem de empreendimentos, oportunidade de investimento e propulsor de desenvolvimento. É preciso acompanhar o avanço regulatório e as problemáticas existentes nos ordenamentos jurídicos estrangeiros, tendo em vista que o histórico de casos influenciará significativamente a aplicação do modelo no Brasil.

Recentemente, a estrutura da SPAC norte-americana voltou aos holofotes devido ao fato da alta demanda, mas também pelos casos de insucesso e fragilidades identificadas na estrutura. Não à toa, a Securities and Exchange Commission (SEC) tem atuado ativamente na fiscalização dessas estruturas e estudado edições às normas aplicáveis que podem, inclusive, desincentivar a utilização desse veículo de investimento[8].

Apesar de atrasado com relação ao mercado estrangeiro, o mercado brasileiro demonstrou certo interesse sobre o assunto. No ano de 2022, a B3 S.A – Brasil, Bolsa e Balcão editou um informativo sobre o tema[9] e, recentemente, a CVM se mobilizou para regulamentá-lo com a edição da Resolução nº 160/2022[10], trazendo, ainda que de modo incipiente, uma previsão normativa sobre o tema, a qual será analisada com maiores detalhes no próximo artigo desta série.

 

[1] Sobre esse ponto, é importante ressaltar que a SPAC não pode ter iniciado qualquer tipo de tratativa com uma possível target antes do IPO, pois haveria obrigatoriedade de divulgação de tais informações (disclosure) e, consequentemente, tornaria o processo de abertura de capital mais complexo, burocrático e custoso – indo de encontro à própria finalidade da SPAC.
[2] O procedimento de registro do IPO é feito junto a Securities and Exchange Commission (SEC) – que corresponde à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – e deve atender à regulamentação e requisitos específicos.
[3] Importante destacar que somente nesta fase a target será definida, sendo vedada a prática de definição prévia de uma companhia alvo.
[4] Normalmente as SPACs têm um prazo de 18 a 24 meses para concluir a combinação de negócios. Confira em: https://www.credit-suisse.com/media/assets/investment-banking/docs/corporate-insights/csci-2020-q4-making-waves-spacs.pdf
[5] Cabe destacar que, nesses casos de liquidação da SPAC, o sponsor perde todo o investimento feito na SPAC. Logo, a escolha da target deve ser um objeto de atenção, uma vez que a pressa para efetivar a combinação de negócios pode resultar num nítido conflito de interesses.
[6] Considerando as baixas taxas de juros nos EUA, esses valores são normalmente investidos em contas remuneradas ou aplicações seguras, sempre alocados conforme regras pré-determinadas. Como é possível verificar em: https://www.sec.gov/oiea/investor-alerts-and-bulletins/what-you-need-know-about-spacs-investor-bulletin
[7] A depender da estrutura da operação de M&A, as pessoas chave da target podem passar a integrar o quadro acionário da SPAC.
[8] Nesse sentido: https://www.institutionalinvestor.com/article/b1z8phz164g3kq/Nearly-Half-of-SPACs-Are-Likely-to-Liquidate-If-SEC-Rules-Are-Adopted, acesso em 13 de março de 2023.
[9] Disponível em: <https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/b3-lanca-guia-das-spacs.htm>.
[10] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol160.html
1 comentário
  1. pedro silva Diz

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