As SPACs e sua atuação no Brasil: desafios para implementação e esforços regulatórios (Parte 3)
Nos artigos anteriores desta séria sobre a Special-Purpose Acquisition Company (SPAC), tratamos das noções introdutórias acerca do tema, focando principalmente nos seus atores e procedimentos, bem como analisamos sua operação e funcionamento sob o contexto norte-americano. Neste último artigo, apontaremos os principais desafios e soluções quanto à viabilidade de implementação da estrutura no mercado brasileiro, com especial foco nas recentes inovações normativas e do notável interesse do mercado sobre este veículo de investimento.
A estruturação do modelo das SPACs ainda é embrionária no mercado brasileiro e, em razão da inexistência de casos paradigmas, paira uma incerteza sobre a viabilidade, eficácia e efetiva conveniência de sua implementação. Em abril de 2022, o mercado de capitais realizou um movimento em prol dessa estrutura, quando a B3 S.A. publicou um guia informativo sobre as práticas internacionais dedicadas às SPACs[1], no qual traçou os principais aspectos de governança e provocações sobre a viabilidade de introdução do modelo no Brasil.
O estudo levantou vários pontos de preocupação relacionados à implementação das SPACs no mercado brasileiro, sendo que podemos destacar alguns pontos de maior relevância: i) a destinação dos recursos aplicados em um ativo desconhecido pelo mercado no momento do IPO; ii) a liberdade conferida aos representantes da SPAC para negociarem os termos da combinação de negócios, sem garantia dos critérios de avaliação e tampouco se os termos da combinação de negócios serão, efetivamente, benéficos à SPAC; iii) a estrutura da garantia de ressarcimento aos investidores que optarem por exercer o direito de retirada ou nas hipóteses de liquidação da SPAC; iv) a análise e verificação de eventual situação de conflito de interesse entre o sponsor e os interesses sociais; v) o dever de divulgação dos fatores de risco inerentes à estrutura da SPAC; e vi) a ausência de regulação normativa sobre a estrutura da SPAC.
Com exceção da ausência de regulação, que será tratada mais ao final desse artigo, os demais pontos de preocupação apontados pela B3 não se restringem à realidade brasileira e são inerentes à própria natureza das SPACs. Por essa razão, já existem mecanismos que oferecem soluções consideradas relativamente eficazes para esses riscos, de modo que nos resta verificar a possibilidade de aplicação desses mecanismos dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Com relação à aplicação dos recursos captados via IPO em um ativo desconhecido, deve-se destacar que essa é uma das características fundamentais da estrutura em análise. A captação de recursos no mercado de capitais para aquisição de um ativo indeterminado é essencial à celeridade e simplicidade inerentes ao modelo das SPACs. Por outro lado, o investimento nas SPACs não precisa conferir aos sponsors um “cheque em branco” para investirem conforme sua vontade, de modo que é aconselhável que as SPACs sejam constituídas com algumas limitações relacionadas à aquisição da sociedade-alvo, como por exemplo: o mercado de interesse, a localização geográfica e o porte da sociedade-alvo.
Tal medida, por si só, já restringe a discricionariedade dos sponsors em relação à aquisição da sociedade-alvo. Adicionalmente, a submissão da combinação de negócios à Assembleia Geral da SPAC e a possibilidade de retirada pelos investidores em determinadas situações são medidas complementares que conferem maior segurança à estrutura, na medida em que os investidores poderão opinar sobre uma determinada aquisição e, caso não concordem com seus termos (isto é, sejam “acionistas dissidentes”), poderão exercer o direito de recesso da SPAC e receber de volta o valor investido com as correções previstas no momento do investimento[2].
A previsão de limitações à combinação de negócios e a garantia do direito de retirada aos investidores também servem ao propósito de incentivar que não ocorra um conflito de interesses entre o sponsor e a SPAC, sobretudo relacionado à realização de uma combinação de negócios desfavorável aos interesses dos investidores para impedir a liquidação da SPAC, tendo em vista seu propósito específico e prazo de duração determinado. Neste sentido, é essencial que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regule essas operações caso a caso, sem prejuízo da edição de normas para coibir possíveis práticas abusivas.
Ainda com relação à atuação da CVM, a preocupação com a transparência das “regras do jogo” deve ser uma prioridade, de modo que deve ser exigido das SPACs a divulgação ao mercado de informações essenciais e detalhadas, tais como i) qual a forma de remuneração e os benefícios concedidos ao sponsor; ii) a fonte dos recursos que custearão a estrutura societária entre o IPO e a combinação de negócios; iii) as principais características da conta garantia, sobretudo as condições remuneração do valor investido e a instituição financeira administradora; e iv) se aplicável, as condições de exercício dos bônus de subscrição (warrants). Somente com acesso a essas informações fundamentais é possível garantir que os interessados possam tomar a decisão de investir numa determinada SPAC de forma segura e consciente.
Antes de adentrar na questão da ausência de norma específica para regulamentar as SPACs, é possível constatar que a estrutura da SPAC consolidada internacionalmente se amolda a diversas estruturas comuns ao ordenamento jurídico brasileiro, o que corrobora para defesa de sua aplicabilidade no Brasil. De início, não há dúvidas que o tipo societário a ser utilizado pelas SPACs é o da sociedade anônima, regulado pela Lei nº 6.404/1976, considerando que é o único tipo societário que permite listagem de suas ações para negociação em na bolsa de valores (a conhecida “abertura de capital” ou Initial Public Offering – IPO).
Como toda e qualquer sociedade, um de seus pilares é o objeto social que, em linhas gerais, delimita as atividades que a sociedade poderá se dedicar a exercer e desenvolver permanentemente.
O direito brasileiro prevê uma roupagem para recepcionar a SPAC, através de uma sociedade anônima inicialmente de capital fechado, a qual terá um propósito específico de captar recursos via processo de abertura de capital (oferta pública de valores mobiliários – as ações de sua emissão) e realizar uma combinação de negócios com uma sociedade operacional pré-existente (é interessante notar que a famigerada Instrução CVM nº 400/2003 – que durante muito tempo regulou as ofertas públicas de valores mobiliários – já estabelecia que a “primeira oferta pública registrada de ações emitidas por companhia em fase pré-operacional será distribuída exclusivamente para investidores qualificados” – art. 32, caput).
Por fim, pode-se afirmar que a ausência de norma específica tratando das SPACs não é mais uma realidade, tendo em vista que a CVM editou a Resolução nº 160/2022 (Resolução CVM 160/22), trazendo algumas regras relevantes para incentivar a criação de SPACs no contexto brasileiro e regular a sua implementação. A referida norma, que entrou em vigor em 02 de janeiro de 2023, estabelece de forma expressa o reconhecimento e a conceituação dessa estrutura, dando singelo tratamento jurídico às SPACs no Brasil[3].
Ainda que de forma suscinta, ao classificar a SPAC como uma emissora em fase pré-operacional, a Resolução CVM 160/22 trata da companhia que não apresentou receitas provenientes de suas operações em demonstrações financeiras auditadas no último exercício[4] e define que o objeto social deve ser delimitado, exclusivamente, para participar futuramente no capital social de sociedade operacional pré-existente.
Para além do conceito, o art. 85 da Resolução CVM 160/22 também delimitou o público-alvo da SPAC. Somente poderão investir nessa estrutura os investidores qualificados[5], os quais se presume que possuam a capacidade de avaliar e verificar o risco de produtos financeiros complexos.
Tal abordagem de restringir o público-alvo na subscrição de eventual IPO de uma SPAC aos investidores qualificados reforça o entendimento adotado pela já revogada Instrução CVM 400/2003, referente a ofertas públicas de sociedades não operacionais. Assim, a CVM segue com um posicionamento conservador e evita a necessidade de um aprofundamento na regulamentação específica sobre o tema, transferindo a responsabilidade, em alguma medida, ao mercado, na figura dos aos investidores qualificados que serão os responsáveis, em última instância, por exigirem boas práticas, regras mínimas de governança e afins. A título exemplificativo, observando os requisitos do pedido de registro ordinário de uma oferta pública inicial (art. 29 da Resolução CVM 160/22), a CVM se mantém resguardada na medida em que lhe é conferida discricionariedade para exigir outras informações ou documentos para processar e deferir o pedido de registro do IPO da SPAC, estabelecendo um certo grau de flexibilidade para que as ofertas sejam analisadas caso a caso e a CVM possa aprofundar nas exigências quando entender necessário[6].
Portanto, a pergunta que parece acertada não se resume mais à possibilidade da implantação da SPAC no Brasil[7], mas sim sobre como se dará a estruturação destes veículos e consequente oferta pública de suas ações para o público investidor. O sucesso da operação estará concentrado nas mãos das partes envolvidas e dos seus assessores que serão os responsáveis por modular todas as questões atinentes à estrutura envolvendo a SPAC para melhor se adequar às particularidades do mercado de capitais brasileiro.
[1] Disponível em https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/b3-lanca-guia-das-spacs.htm.
[2] Aqui, vale lembrar que o direito de retirada para o caso possui guarida na própria legislação, tendo em vista que a combinação de negócios acarretará, a rigor, a consequente alteração do objeto social da Companhia (art. 137 da Lei nº 6.404/1976), além de poderem ser livremente estabelecidas diferentes hipóteses no estatuto social (vale notar aqui o trabalho do Prof. Nelson Eizirik que defende que é possível estabelecer via Estatuto Social hipóteses de “direito de recesso”, as quais não seriam previstas taxativamente em lei – Cf. EIZIRIK, Nelson Laks. A Lei das S.A. Comentada, Vol. II, Arts. 121 a 188. São Paulo, Quartier Latin, 2011, p. 227).
[3] “Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, entende-se por: (…) XXII – sociedade com propósito de aquisição de companhia (SPAC): emissora em fase pré-operacional constituída com a finalidade exclusiva de participar futuramente no capital social de sociedade operacional pré-existente;”
[4] O art. 15 da Resolução CVM 162/2022 atribui nova definição para o emissor em fase pré-operacional como: “§ 5º O emissor é considerado pré-operacional enquanto não apresentar receita proveniente de suas operações, em demonstração financeira auditada por auditor independente registrado na CVM.
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6º A demonstração financeira de que trata o § 5º: I – pode ser uma demonstração financeira individual, consolidada ou combinada, anual ou elaborada para fins de registro; e II – não pode ser uma informação financeira pro forma.”
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