Receita detalha funcionamento de preços de transferência

Instrução Normativa 2.161/23 prevê multas que podem chegar a 5 milhões de reais em caso de descumprimento de obrigações acessórias

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Empresas que pagam royalties elevados e multinacionais norte-americanas devem ser as primeiras a se beneficiar do novo regime de preços de transferência adotado pelo Brasil, que é considerado um avanço em relação ao antigo. Para elas, pode ser interessante antecipar a adoção ao novo regime, que começa a valer no ano que vem. A Instrução Normativa 2.161/23 (IN 2.161/23) da Receita Federal, publicada em setembro, postergou o prazo para a adoção antecipada, que terminava no dia 30 do mesmo mês, para 31 de dezembro de 2023. A IN 2.161/23 regulamenta a Lei 14.596/23, que alterou o regime de preços de transferência.

Preços de transferência são as regras aplicáveis a importações e exportações e transações com partes relacionadas. A legislação é aplicada para determinar a base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) das empresas domiciliadas no Brasil que realizem transações com partes relacionadas no exterior.

“Entendemos que a antecipação faz sentido para empresas brasileiras que pagam altos valores a título de royalties. Diante da possibilidade de se deduzir integralmente as despesas, desde que não resulte em dupla não tributação, empresas que atuam no setor de tecnologia ou extração de recursos naturais, por exemplo, perceberão uma redução significativa da base de cálculo do IRPJ/CSLL”, avaliam Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi, associada e sócio do Freitas Ferraz Advogados.

Uma das mudanças trazidas pela Lei 14.596/23 foi a queda do limite de 5% para abater as despesas de royalties da base de cálculo dos impostos. Agora, a possibilidade de dedução é integral – por isso a adoção antecipada é interessante para as empresas que pagam royalties. As operações envolvendo ativos intangíveis e operações financeiras ainda serão objeto de regulamentação futura.

Obrigações acessórias e multas previstas pela IN 2.161/23 

“A nosso ver, multinacionais norte-americanas podem ser interessadas na antecipação das regras de preços de transferência, já que, com a regulamentação, pode haver a possibilidade de as sociedades voltarem a se creditar, nos Estados Unidos, pelo imposto pago no Brasil”, avaliam Rafael Amorim e Priscila Generoso, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados. Eles explicam que, desde 2022, por conta de uma alteração do governo americano (pela falta de semelhança entre o Imposto de Renda brasileiro e o norte-americano), as empresas foram impossibilitadas de realizar o creditamento, nos Estados Unidos, do tributo pago no Brasil. Agora que o Brasil adota o princípio do Arm’s lenght (introduzido pela Lei 14.596/23), essas empresas vão poder voltar a se creditar do imposto pago.

A norma também detalhou as obrigações acessórias que os contribuintes precisam cumprir, e estipulou multas que chegar a R$ 5 milhões, caso não apresentem as informações necessárias.

Na entrevista abaixo, Lacerda, Braichi, Amorim e Generoso abordam os principais pontos da IN 2.161/23.


– Quais são os principais pontos da Instrução Normativa 2.161/23?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: A Instrução Normativa 2.161 de 2023 (IN 2.161/23) foi elaborada para disciplinar o novo sistema brasileiro de preços de transferência, introduzido pela Lei 14.596/2023, que tem como base o princípio Arm’s Length (ALP) e os padrões da OCDE.

Dentre os principais pontos da IN 2.161/23, podemos citar o maior detalhamento quanto aos tipos de operações controladas, incluindo operações de devolução e subscrição de capital não tratadas na Lei, e ao conceito de partes relacionadas, esclarecendo que também são relacionadas as entidades situadas no mesmo país, ainda que as transações entre elas não estejam sujeitas ao controle de preços de transferência.

Ainda, a IN reafirmou que as diretrizes da OCDE sobre Preços de Transferência para Grupos Multinacionais e Administração Tributária de 2022 (OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administration 2022) serão aplicadas subsidiariamente às normas internas e podem ser utilizadas como referência pelos contribuintes para aplicação do ALP, quando aprovadas pela Receita Federal. 

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Em geral, a Instrução Normativa 2.161/23 (IN 2.161/23), publicada em 29/09/2023, apresentou alterações relevantes em relação ao texto submetido à Consulta Pública promovida pela Receita Federal, que visava obter sugestões e debater a minuta de ato normativo destinado a regulamentar a nova lei de preços de transferência (Lei 14.596, de 14/6/2023) com empresas privadas, advogados, associações, entre outros.

No entanto, a IN 2.161/23 regulamentou principalmente a parte geral relacionada ao controle de preços de transferência, sendo que questões relacionadas a operações envolvendo ativos intangíveis e operações financeiras, por exemplo, ainda serão objeto de regulamentação futura.

Nesse sentido, em comparação com o texto anterior da minuta do ato normativo submetido a Consulta Pública pela Receita Federal, elencamos abaixo os principais pontos identificados:

 

Temas Alterações Dispositivos legais (referentes à IN 2.161/23)
Aplicação subsidiária das diretrizes da OCDE Mantida a possibilidade de utilização dos guidelines da OCDE como fonte subsidiária, com a ressalva de que eventuais alterações deverão ser previamente aprovadas pela Receita Federal artigo 1º, parágrafo 4º
Definição de transações controladas Foi criado um anexo (Anexo I) exemplificando os arranjos envolvendo transações indiretas e série de transações artigo 3º, parágrafo 3º
Ajustes de comparabilidade Indicação da necessidade de análise casuística (fatos e circunstâncias do caso concreto) para realização de ajustes de comparabilidade artigo 7º, parágrafo 4º
Delineamento da transação controlada Inclusão da análise do setor econômico e da existência de prejuízos recorrentes, como itens relevantes para o delineamento da transação controlada (como indício de que o padrão arm’s

length não foi observado).

artigo 9º, parágrafo 2º
Não reconhecimento de transações e Racionalidade comercial Maior detalhamento das hipóteses do não reconhecimento da transação controlada, dispondo que o termo ou condição substituta deve refletir a opção realisticamente disponível (aquela que “claramente” poderia ter gerado condições mais vantajosas para as partes) que atenda ao chamado teste da racionalidade comercial, sendo vedada a desconsideração apenas em função de a opção ser mais vantajosa sob o ponto de vista fiscal artigos 10 e 19
Análise funcional Aumento do rol de exemplos de funções consideradas para fins de análise funcional fazendo referência expressa às atividades de intermediação, representação, armazenamento, estocagem, crédito, cobrança, recursos humanos e treinamento, entre outros. artigo 13, parágrafo 2º
Análise de comparabilidade A IN 2.161/23 autoriza utilização de comparáveis externos com base em percentual de participação de 25% para definição de um grau de independência confiável. Trata-se de alteração relevante, pois a Lei 14.596/23 considera como grau de influência significativa a participação de 20% no capital social, adotando, assim, um critério mais rígido do que aquele normalmente encontrado na prática internacional, além de restrição da análise de comparabilidade a um único período-base (a minuta da IN fazia referência genérica a “períodos”). artigos 20 e 21
Questões temporais Inseriu uma subseção para regulamentar questões temporais, enfatizando a prevalência de informações contemporâneas e esclarecendo que dados de múltiplos anos poderão ser admitidos quando aumentarem a confiabilidade da análise de comparabilidade (artigo 30, parágrafo 2º, IN 2.161/23) artigo 30, parágrafo 2º
Sinergias de grupo Inclusão de regras expressas autorizando o delineamento de transações não documentadas para serem levadas em consideração na análise de comparabilidade (por exemplo, criação de sinergias decorrentes de ação deliberada); artigo 31
Seleção do método mais apropriado Contemplou a possibilidade de combinação de métodos

quando “os aspectos indicados no caput deste artigo revelarem ser

inconclusiva a utilização de um único método”

artigo 34, parágrafo 3º
Método PIC Para fins do método PIC, a IN 2.161/23 previu que os preços decotação apenas deve ser utilizados caso estes sejam aplicados de forma ampla e rotineira por partes não relacionadas em transações comparáveis, especialmente em operações envolvendo, por exemplo, commodities. artigo 36, parágrafo único
Ajustes compensatórios Definição mais detalhada sobre as formas e condições para realização do ajuste compensatório (vetou a realização de ajustes compensatórios na hipótese de transação envolvendo parte residente em jurisdição favorecida ou regime fiscal privilegiado, o que não estava contemplado anteriormente na minuta do ato normativo, salvo hipóteses de exceção. Além disso, de exclusão das regras dos §§ 1º e 2º do artigo 51 da IN, que sugeriam que os ajustes compensatórios poderiam servir de base para ajustes na base de cálculo de outros tributos. artigo 50, inciso IV e parágrafo 3º
Serviços intragrupo de baixo valor agregado Manutenção do safe harbour de custo no máximo 5% para os serviços intragrupo de baixo valor agregado artigo 53
Opção pela aplicação antecipada da lei n. 14596 para 2023 A aplicação das novas regras é obrigatória a partir de 2024, sendo a aplicação facultativa para 2023. Nesse ponto, a IN  2.161/23 altera o prazo anteriormente indicado na IN RFB 2.132/23, de modo que os contribuintes podem formalizar a opção antecipada, que será irretratável, até 31/12/2023. artigo 69
Royalties Reiterou a não dedutibilidade de royalties e assistências técnica, científica, administrativa e assemelhadas, se pagas, creditadas ou entregues a pessoas jurídicas residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime tributário privilegiado, quando o pagamento de royalties resultar em dupla não-tributação. artigo 78

 


– O prazo para adesão antecipada das empresas à Lei nº 14.596/2023 foi postergado para dezembro. Agora que a regulamentação foi publicada, é possível avaliar com mais assertividade para quais empresas a antecipação faz sentido? 

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: Outra importante previsão da IN 2.161/23 é a postergação da data limite de adesão antecipada ao novo sistema de preços de transferência de 30 de setembro para 31 de dezembro.

Entendemos que a antecipação faz sentido para empresas brasileiras que pagam altos valores a título de royalties. Diante da possibilidade de se deduzir integralmente as despesas, desde que não resulte em dupla não tributação, empresas que atuam no setor de tecnologia ou extração de recursos naturais, por exemplo, perceberão uma redução significativa da base de cálculo do IRPJ/CSLL.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A nosso ver, multinacionais norte-americanas podem ser interessadas na antecipação das regras de preços de transferência, já que, com a regulamentação, pode haver a possibilidade de as sociedades voltarem a se creditar, nos Estados Unidos, pelo imposto pago no Brasil. Isso porque, desde 2022, por conta de uma alteração do governo americano (pela falta de semelhança entre o Imposto de Renda brasileiro e o norte-americano), as empresas foram impossibilitadas de realizar o creditamento, no país, do tributo pago no Brasil. Assim, a utilização do princípio do Arm’s lenght é uma possibilidade de volta ao creditamento.

Outro grupo de empresas que poderiam ter interesse em antecipar as novas regras seria o de sociedades que pagam royalties, já que a regulamentação reiterou o texto da Lei 14.596/2023 e do ato normativo disponibilizado para consulta ao público no sentido de alterar o tratamento relativo à dedutibilidade, que era mais restritivo. No entanto, vale lembrar que questões relacionadas a operações envolvendo ativos intangíveis e operações financeiras, por exemplo, ainda serão objeto de regulamentação futura.


– Quais obrigações acessórias os contribuintes deverão cumprir, de acordo com a Instrução? A quais penalidades ficam sujeitos em caso de descumprimento?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: O contribuinte deve apresentar o Arquivo Local, contendo informações relativas às transações controladas e às partes envolvidas, o Arquivo Global, que deve relatar a estrutura societária do grupo multinacional e as atividades exercidas pelas sociedades, e a Declaração País-a-País, que indica a alocação global das receitas e dos ativos e o imposto sobre a renda pago, assim como informações quanto à atividade econômica exercida pelo grupo multinacional.

Na omissão dos documentos, restou reservada à autoridade fiscal as possibilidades de alocar o risco, funções e ativos à entidade brasileira quando não demonstradas confiáveis as indicações de alocação à outra parte da transação, e de adotar “estimativas e premissas razoáveis para realizar o delineamento da transação e a análise de compatibilidade”.

Quanto às penalidades, do contribuinte que não apresentar as informações exigidas pela IN pode ser cobrado uma multa que pode chegar a R$ 5 milhões. Em casos de falta de apresentação tempestiva ou sem atendimento aos requisitos, a multa será calculada sobre a receita bruta do contribuinte do período a que se referem os documentos. Se forem apresentadas informações incompletas ou inexatas, ou forem omitidas, a multa será calculada sobre a receita bruta do ano anterior do grupo multinacional.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A IN 2.161/23 (artigos 56 e 59) esclareceu que o arquivo global e o arquivo local devem ser apresentados em processo digital, via E-CAC, em até três meses após o prazo para transmissão da ECF. No caso de contribuintes que anteciparem a aplicação da Lei 14.596 para 2023, assim como, a partir 2024, a entrega será feita até o último dia útil de 2024 e 2025. Ainda, estabeleceu a necessidade de apresentação dos seguintes documentos e informações: (i) telas de consulta que tenham sido utilizadas para a seleção dos comparáveis; (ii) acordos prévios de preços de transferência;  e (iii) informações que demonstrem a necessidade de ajustes de comparabilidade.

Além disso, dispensou os arquivos global e local caso o valor total das transações controladas do contribuinte (antes dos ajustes de preços de transferência, no ano-calendário anterior) seja inferior a R$ 15 milhões, nos termos do artigo 57 da IN 2.161/23. Esta dispensa representou uma simplificação no custo de conformidade para os contribuintes.

Especificamente em relação ao arquivo local envolvendo commodities (artigo 60, inciso III), sempre que o PIC for aplicado com base no preço de cotação, será necessário apresentar o critério de precificação das transações e detalhamento das variáveis relevantes emitidos pelo sistema disponível no e-CAC da RFB.

Nesse sentido, as penalidades aplicáveis pelo descumprimento das obrigações acessórias relativas à nova legislação, são:

  1. a) pela não apresentação tempestiva do arquivo local correspondente a 0,2%, por mês-calendário ou fração, sobre o valor da receita bruta do contribuinte do período analisado;
  2. b) pela apresentação sem atendimento aos requisitos para sua apresentação, correspondente a 3% sobre o valor da receita bruta do contribuinte do período analisado;
  3. c) pela não apresentação do arquivo global correspondente a 0,2% sobre o valor da receita consolidada do grupo multinacional do ano anterior ao que se referem as informações, na hipótese de apresentação com informações inexatas, incompletas ou omitidas;
  4. d) pela falta de apresentação tempestiva de informação ou de documentação requerida pela autoridade fiscal durante procedimento fiscal ou outra medida prévia fiscalizatória, ou por outra conduta que implique embaraço à fiscalização durante o procedimento fiscal, multa equivalente a 5% sobre o valor da transação correspondente, conforme precificada pela autoridade fiscal.

Note-se que as referidas multas terão um valor mínimo de R$ 20 mil e máximo de R$ 5 milhões.


– Em linhas gerais, qual é a sua avaliação sobre a regulamentação dos preços de transferência (IN 2.161/23)?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: A IN 2.161/23 trouxe detalhes e aspectos práticos que faltavam no texto da Lei 14.596 de 2023, o que já era de se esperar de uma norma reguladora por natureza.

No entanto, ao avaliar uma norma temos que considerar seus efeitos práticos, como afeta o contribuinte, os procedimentos necessários para implementação das novas regras e o aumento na judicialização. Por isso, ainda é difícil avaliar a IN 2.161/23, pois é muito recente e a grande maioria dos contribuintes ainda não aderiu ao novo sistema de preços de transferência.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A nosso ver, a IN 2.161/23 apresentou diversas alterações em relação ao texto submetido à Consulta Pública, o que nos sugere que os debates promovidos pelo público foram avaliados pela autoridade fiscal, apesar de outros aspectos sensíveis aos contribuintes permanecem em aberto (ativos intangíveis e operações financeiras).

Nesse sentido, ainda existem diversos pontos que precisam ser discutidos e endereçados na regulamentação da Lei 14.596/23, e que deverão ser objeto de considerações futuras.

Para essas situações, deverá ser analisado o caso a caso e os contribuintes poderão buscar fontes nas Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE (guidelines) as quais influenciaram diretamente a elaboração da Lei 14.596/23 e poderão ser aplicadas subsidiariamente, desde que trazidas a aprovação da Receita Federal, conforme previsto pela IN 2.161/23.

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