Presença de Anita: a importância da profissionalização dos membros do conselho de administração
Recentemente, o mercado foi surpreendido com a notícia de que a cantora Anitta integraria o conselho de administração do Nubank. Mas a ideia durou pouco: dias depois do anúncio o banco cedeu à pressão dos seus acionistas e desistiu da indicação.
Essa rejeição talvez se justifique pelo fato de que, em períodos de crise financeira, as companhias tendam a ser mais pressionadas pelos acionistas/sócios em temas relacionados a questões de governança corporativa.
De todo modo, engana-se quem pensa que o Nubank ficou sem Anita. Anita Sands — ou melhor, dr. Anita Sands, como ela é mencionada no site que leva seu nome[1] — é conselheira do Nubank há pelo menos um ano. Embora não seja uma cantora de sucesso, ela é PhD em física atômica e molecular, professora da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e ex-diretora de operações do banco suíço UBS. No site da universidade de Princeton, constatam-se relatos como o seguinte: “Dr. Sands ajuda líderes e organizações e ainda atua nos setores de tecnologia, imobiliário e bancário, sendo sócia do Propel Performance Group, colaboradora da Forbes.com e palestrante internacional”.[2]
Anita Sands compõe o conselho de administração do Nubank juntamente com Jacqueline Reses, conselheira do FED (o banco central dos Estados Unidos); Luis Alberto Moreno, ex-presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento); Daniel Goldberg, ex-presidente no Brasil do banco de investimentos Morgan Stanley; David Vélez, fundador do Nubank; e Doug Leone, sócio-diretor global da Sequoia.
Capital humano
Não obstante o fato de apresentar membros estrangeiros em seu conselho[3], o Nubank conta com conselheiros detentores de ampla vivência no mercado, de modo que todos atendem os requisitos de experiência, diversificação e formação acadêmica relevante.
A bem da verdade, o conselho de administração tem no capital humano um dos principais pilares para o seu sucesso. Embora parte do desempenho positivo do board esteja atrelado à boa qualidade das informações e ao processo de tomadas de decisões, a expertise e o conhecimento dos conselheiros ainda são fatores determinantes para o triunfo do conselho.
Teoria da agência
A ideia de existência do conselho de administração advém de uma lógica que ganhou destaque sobretudo no século passado, quando parte dos estudiosos levantou a hipótese de que a separação entre propriedade e gestão poderia gerar conflitos de interesses entre o acionista (principal) e o gestor (agente). Daí porque a literatura, em especial a de Jensen e Meckling, menciona exaustivamente a “teoria da agência” como um dos expoentes desse problema. Nesse contexto, o agente, a partir de determinado ponto de atuação em favor do principal, passa a assumir riscos inadequados e a tomar decisões visando maximizar ganhos pessoais em detrimento dos interesses da companhia.
É por isso que, diante de conflitos dessa natureza, o conselho de administração surge como um instrumento relevante para redução da natural assimetria existente entre proprietário e gestor, concretizando a governança corporativa da companhia.
Não à toa, inclusive, o art. 142 da Lei das S.As. elenca, dentre as funções do conselho de administração, o encargo de eleger e destituir os diretores da companhia fixando-lhes atribuições, bem como o de fiscalizar a gestão e examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia.
Recentemente, exaltando a importância da profissionalização e independência do conselho de administração, a MP 1.040/21 também determinou modificações na Lei das S.As. no sentido de, por exemplo, vedar a acumulação do cargo de presidente do conselho de administração e de CEO, conforme já ocorria no Novo Mercado da B3.
Outra tarefa do board é direcionar a companhia para melhora de sua performance. O conselho de administração é instrumento determinante, por exemplo, para se decidir as políticas de financiamento e endividamento à luz da busca de captação de recursos.
Diversidade de visões no conselho de administração
Exatamente por essa variedade de temas é que a escolha de profissionais com habilidades validadas e consolidadas em diferentes áreas, inclusive acadêmicas, passa a ser requisito essencial para a composição do colegiado.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), no estudo “Avaliação de Conselhos: Recomendações Práticas”, do final de 2020, elege algumas categorias que compõem a métrica de avaliação dos conselhos de administração. Essa experiência, segundo o trabalho, não necessariamente se relaciona com vivência prévia e bem-sucedida na carreira executiva, considerando que “a atuação prática em colegiados requer um foco diferente: existe uma trajetória própria de aprendizado e desenvolvimento”.[4]
Justamente em razão da relevância do conselho de administração para o aprimoramento da governança o tema vem ganhando mais atenção por parte de legisladores, reguladores e agentes do mercado. Vale mencionar, nesse particular, a Lei 13.303/16 (Lei das Estatais), a Instrução 586 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Resolução nº 4.538 do Banco Central do Brasil, a regulação do Novo Mercado da B3, o Programa Destaque em Governança de Estatais – B3 e o Código de Autorregulação em Governança Corporativa – Abrapp, Sindapp e ICSS.
A tendência, portanto, é de que, com a intensificação recente das operações de fusões e aquisições, o conselho de administração ganhe ainda mais destaque para auxiliar a condução das companhias brasileiras.
[1] https://www.dranitasands.com/ Acesso em 29 de junho de 2021.
[2] https://gradfutures.princeton.edu/UAF/Keller/Sands Acesso em 29 de junho de 2021.
[3] Em 2018, um estudo constatou que a presença de membros estrangeiros em países com baixa proteção legal pode elevar o valor da empresa. Neste sentido, ver IHLENFFELDT, Edson Luiz; COLAUTO, Romualdo Douglas; BARROS, Claudio Marcelo Edwards. “Qualidade do Conselho de Administração na Internacionalização de Companhias Brasileiras”. Revista Universo Contábil, [S.l.], v. 15, n. 4, p. 87-108, dezembro de 2020. ISSN 1809-3337. Disponível em <https://bu.furb.br/ojs/index.php/universocontabil/article/view/8369>. Acesso em 29 de junho de 2021.
[4] https://www.ibgc.org.br/blog/nova-publicacao-avaliacao-em-conselhos
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Muito interessante o ângulo abordado!