O direito de voto dos titulares de ações preferenciais de companhias listadas como nível 2 na B3
A B3 divulgou no início do mês de maio seu posicionamento quanto ao direito de acionistas preferenciais a voto em assembleias para discutir operações de fusão e incorporação de empresas listadas no nível 2 de governança.
Como é sabido, as ações de uma companhia poderão ser divididas entre as espécies ordinárias e preferenciais. Nesse aspecto, os titulares de ações ordinárias terão direito de voto, enquanto os preferencialistas poderão ter seu direito de voto restrito de acordo com os ditames previstos na Lei 6.404/76.
Dito isto, tem-se que, em regra, os acionistas detentores das ações ordinárias possuem direito a voto. Já aqueles que possuem ações preferenciais podem não ter essa prerrogativa. Ocorre que, em determinados segmentos da B3, há regras expressas tratando sobre a obrigatoriedade das companhias ali listadas contemplarem determinados direitos aos titulares de ações preferenciais. É o caso, por exemplo, do nível 2 da B3, que dispõe em seu regulamento:
SEÇÃO IV
NÍVEL 2 DE GOVERNANÇA CORPORATIVA
4.1 As Companhias listadas no Nível 2 de Governança Corporativa devem observar as seguintes exigências:
- (vi) que as ações preferenciais emitidas deverão conferir direito de voto, no mínimo, nas seguintes matérias: (a) transformação, incorporação, fusão ou cisão da Companhia.
Neste contexto, repercutiu recentemente o caso envolvendo o interesse da Eneva (ENEV3) realizar fusão com a AES Tietê, cuja controladora é a estadunidense AES. Por sem controladora da AES Tietê, a empresa norte-americana poderia, em tese, tomar a decisão quanto ao ato de fusão ou incorporação sem a participação dos demais acionistas. Isso se dá pois, em uma sociedade anônima, é o controlador — ou seja, aquele que detém a maioria das ações — quem tem o poder de aprovar as deliberações relevantes da companhia.
A B3, no entanto, impôs que todos os acionistas poderiam votar em assembleia durante a negociação envolvendo fusão ou incorporação, entendendo que precisou “exercer seu dever de orientar o mercado a respeito de suas próprias regras, assegurando o regular e hígido funcionamento dos mercados organizados que lhe incumbe administrar”. Observou-se que conselho de administração da AES Tietê defendeu inicialmente que a empresa foi subavaliada no negócio e a operação não faria sentido estratégico para a empresa.
No caso em debate, houve manifestação de um acionista preferencial relevante quanto à operação, o qual solicitou uma assembleia sobre a transação. Mas quais os impactos dessa intervenção da B3? Sabe-se que um dos motivos do investidor decidir por adquirir ações preferenciais pode estar relacionado exatamente à ausência de importância em votar em assembleia.
Diante disso, questiona-se se a obrigatoriedade do voto para todos os acionistas nos casos de transformação, incorporação, fusão ou cisão desvirtua a lógica da divisão das ações em ordinárias e preferenciais, pois aqueles que adquirem ações ordinárias pretendem controlar a companhia com seu voto. Nesse caso, entende-se que o posicionamento da B3 se mostra razoável, uma vez que não pretendeu interferir na disputa societária em si, mas sim resguardar os acionistas e a própria higidez e credibilidade do mercado.
Pormenorizando e tendo em vista a existência de um segmento com regras pré-determinadas, como o Nível 2 da B3, devem ser respeitadas as regras previstas no regulamento que o conduz. Ora, não há obrigatoriedade de inscrição em determinado segmento e se a sociedade assim procedeu, deve estar atenta às consequências de suas escolhas. Assim, não é o caso de enxergar a intervenção da B3 como algo negativo, pois nada mais é do que o esclarecimento quanto à aplicabilidade do regulamento.
Considerando que as ações preferenciais — em regra, com direito de voto restringido — deverão ter direito a voto nas negociações envolvendo incorporação ou fusão em sociedades listadas no nível 2 da B3, a melhor saída para a companhia seria estimular o envolvimento dos demais acionistas relevantes, considerando o capital global da sociedade. Afinal, a operação pretendida não faz diferenciação entre espécies de ações para deliberação e aprovação.
*Colaborou Carolina Coimbra Cataldo, advogada do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados.