Lei Complementar 196 moderniza o cooperativismo de crédito

Novas regras contribuem para a alavancagem e o protagonismo das cooperativas na economia brasileira

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As regras do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo foram atualizadas e modernizadas com a sanção da Lei Complementar 196/2002 em agosto deste ano, beneficiando as cooperativas de crédito hoje existentes no território brasileiro e representando um importante marco para o segmento. 

As cooperativas de crédito, equiparadas às instituições financeiras (cujo funcionamento depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil), emergem e se fortalecem pela associação de pessoas e união de esforços, e visam proporcionar uma eficiente prestação de serviços financeiros exclusivamente para os seus cooperados. Constituídas como entidades privadas sem fins lucrativos, sua atuação é pautada na cooperação e não na concorrência, sendo os associados, ao mesmo tempo, detentores de cotas sociais — o que os torna proprietários de uma parte da cooperativa — e usuários, participando da sua gestão e usufruindo de seus produtos e serviços. 

Possuem papel fundamental no crescimento e desenvolvimento econômico da região onde atuam, pois sua atividade traz benefícios não apenas para os cooperados, mas também para a população em geral. Isso porque elas consolidam e fortalecem a economia local, facilitam o acesso ao crédito e viabilizam a captação de recursos, atendendo a um segmento do mercado não abrangido pelas instituições financeiras, bem como contribuem diretamente para o aumento da competividade no Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Diante da sua importância e em decorrência da crescente expansão, o governo enxergou a necessidade de regulamentar a Lei Complementar 130/2009 para aprimorar suas regras e fortalecer e organizar o segmento, de forma que ele continue sendo um importante instrumento de desenvolvimento do país. 

A Lei Complementar 196/2022 vem para aperfeiçoar a legislação vigente, tratando, dentre outras modificações, sobre a inclusão das confederações de serviço, as regras de gestão e governança, a assembleia geral, o conselho de administração, conselho fiscal, a impenhorabilidade da cota-parte de capital, além do quadro social, das novas regras para captação de recursos, da disponibilização de novos produtos aos cooperados, da distribuição de sobras e dos saldos de capital das cooperativas de crédito. 

A primeira modificação pode ser observada logo no artigo 1°, com a inclusão das confederações de serviço. A lei passa a tratar o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo em duas modalidades: cooperativas de crédito e confederações de serviço. As primeiras podem ser: cooperativas singulares de crédito, cooperativas centrais de crédito e confederações de crédito constituídas por cooperativas centrais de crédito. Já as segundas são confederações de serviço constituídas, exclusivamente, por cooperativas centrais de crédito, para prestar serviços específicos complementares, ampliando, assim, a sua abrangência. 

Outro ponto de suma importância diz respeito à gestão e governança, assunto significativo, tanto no sistema brasileiro quanto em âmbito internacional, buscando fortalecer um modelo de negócios inovador. 

Certo é que investimentos em governança e compliance são essenciais para estruturar a gestão e aperfeiçoar a elaboração do plano estratégico, já que as práticas de governança conferem maior segurança, aumento da participação e do controle interno, desenvolvimento da visão cooperativista, redução de custos operacionais, fortalecimento dos conselhos e maior estímulo para o desenvolvimento profissional. 

A Lei Complementar 130/2009, que regulamenta as cooperativas de crédito, não trazia uma regra bem definida de governança, permitindo que as cooperativas fossem administradas por uma diretoria ou conselho de administração, composto exclusivamente de associados. 

Agora, com a redação dada pela Lei Complementar 196/2022, tanto as cooperativas de crédito como as confederações de serviço terão um conselho de administração, que será composto por associados eleitos pela assembleia geral. 

Tal conselho de administração poderá admitir a contratação de conselheiro independente, desde que a maioria seja associada, e de diretoria executiva subordinada ao conselho de administração, podendo o Conselho Monetário Nacional (CMN), considerando os riscos e a complexidade, tornar facultativa a constituição do conselho de administração e permitir acumulação de cargos na diretoria executiva. 

Além disso, veda aos ocupantes dos cargos de gestão, como o presidente do conselho de administração e/ou o diretor executivo, o exercício dos mesmos cargos em entidades similares, simultaneamente. 

O conselho fiscal agora será constituído por três membros efetivos e um suplente, todos associados e eleitos pela assembleia geral. O que se pode ver é o aprimoramento e a uniformização da gestão e governança do modelo já, inclusive, praticada por algumas cooperativas de crédito brasileiras. 

Outro destaque foi a inclusão sobre a impenhorabilidade das quotas-partes do capital de cooperativa de crédito. Tal tema é de suma importância, considerando que a manutenção do capital social é indispensável para a saúde financeira das cooperativas de crédito. 

Apesar de já existir no ordenamento jurídico o entendimento acerca da inviabilidade de penhora das quotas sociais das cooperativas, já que as quotas-partes do capital social são intransferíveis a terceiros estranhos à sociedade, acarretando a exclusão indevida do cooperado e a redução dos recursos para desenvolvimento dos objetivos sociais, certo é que, com frequência, são expedidos mandados determinando a avaliação à penhora das quotas-partes e respectivo depósito do valor representativo das mesmas, caracterizando não só ofensa à lei mas, também, à própria Constituição Federal, que estimula o cooperativismo. 

Pois bem, a referida Lei Complementar, agora trata da matéria expressamente, afastando qualquer margem para interpretação diversa, o que traz, sem dúvidas, maior segurança para o cooperativismo de crédito. 

A Lei Complementar também prevê que, a partir de regulamentação do CMN, o conselho administrativo ou a diretoria executiva das cooperativas poderá definir como ocorrerá a distribuição de bonificações, prêmios e outras vantagens em campanhas promocionais de captação de novos associados ou de aumento de capital por parte dos já participantes, podendo, também, oferecer novos produtos aos seus cooperados. 

Foi tratada também pela Lei Complementar 196/2022 a competência do CMN para dispor sobre a constituição e funcionamento das cooperativas de crédito e confederações de serviço, bem como sobre as condições a serem observadas quando da elaboração do estatuto social e formação de quadro de associados, na realização de assembleias e reuniões deliberativas. 

Nos termos da Lei Complementar sancionada, as cooperativas de crédito e as confederações de serviço serão obrigadas a constituir o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, composto por um mínimo de 5% das sobras líquidas apuradas no exercício, devendo destinar os recursos para a prestação de assistência aos associados e aos familiares. 

Mediante previsão expressa no estatuto, a assistência poderá ser oferecida aos empregados da cooperativa ou confederação e à comunidade situada em sua área de atuação. Já os saldos de capital, da remuneração de capital ou das sobras a pagar não procurados pelos associados demitidos, eliminados ou excluídos deverão ser destinados para o fundo de reserva da cooperativa de crédito, após cinco anos desse desligamento. 

Todas essas atualizações da lei concederam maior segurança e protagonismo ao segmento. Ela representa um aprimoramento do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo no que diz respeito às suas atividades e negócios, à organização sistêmica e à gestão e governança do modelo. A Lei Complementar 196/2022 abre importante caminho para o cooperativismo financeiro, contribuindo para sua alavancagem e protagonismo no setor econômico brasileiro, fomentando o empreendedorismo local, reduzindo desigualdades econômicas e aumentando a competitividade e a eficiência no SFN.


Artigo de coautoria de Clarice Doyle Maia Abuzaid, advogada do escritório Miriam Gontijo Advogados

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