Nesse momento, todas as atenções se voltam à prevenção do contágio. Contudo, tal como em um tsunami, os efeitos secundários dessa pandemia serão catastróficos. As consequências para a economia serão enormes e o Brasil, cambaleante, pode ficar de joelhos. Na crise, os ateus rezam para Deus; em tragédias, os neoliberais tendem a compreender os keynesianos.
É uma pena que tenhamos um sistema tributário tão regressivo. Em momentos de tranquilidade, personalizam-se os ganhos e, na crise, socializam-se os prejuízos. Algumas empresas já clamam por auxílio e mesmo os “grandes demais para quebrar” podem ir à bancarrota sem auxílio do Estado — e sem ajuda, haverá desemprego e espiral recessiva; no final, todos perdem e o país vai à ruína.
O governo decretou estado de calamidade, pois é necessário adotar pacotes robustos de estímulo fiscal e monetário, bem como diversas medidas de reforço à rede de proteção social, com vistas a atenuar as várias dimensões da crise. A arrecadação estatal deve cair, mas as empresas paralisadas em sua capacidade produtiva não podem contribuir com tributos. A situação é delicada, mas o país não pode fazer parar seus motores.
Em Portugal, foi editada uma Portaria contemplando medidas para auxiliar empresas que tiveram seu faturamento reduzido em pelo menos 40%. A lei brasileira 13.979/2020, porém, é por demais singela e disciplina apenas de forma confusa os períodos de ausência ao trabalho decorrentes do isolamento e da quarentena. Diversos empregados estarão afastados em razão da contaminação. Como poderão as empresas pagar os salários por dois ou três meses com a redução significativa da atividade econômica?
Na lei, isolamento é a separação de pessoas contaminadas de maneira a evitar a propagação do novo coronavírus e quarentena é a separação de pessoas suspeitas de contaminação. Incidem tributos previdenciários sobre esses afastamentos?
Não se está questionando uma eventual ajuda financeira — como a que fez Obama, nos Estados Unidos, na crise de 2008, quando direcionou recursos para salvar o sistema financeiro. O que está em questionamento é a cobrança de tributos na ausência comprovada de capacidade econômica.
Como determinam a CLT e a lei 8.213/90, os primeiros 15 dias de afastamento são pagos pela empresa; a partir do 16º dia, é a Previdência Social que responde pelo pagamento do auxílio-doença.
Existem pelo menos três situações: o empregado está contaminado por haver sido contagiado pelo vírus (isolamento); está em quarentena por suspeita de contaminação; e o estabelecimento está paralisado. Nesse último caso, o governo estuda a solução mais segura para que a empresa possa levar a cabo a suspensão temporária do contrato de trabalho e possa evitar demissão em massa.
Contudo, acredita-se estar diante de uma situação de força maior, inevitável, que afeta substancialmente a situação econômica e financeira da empresa. Torna-se, assim, possível a suspensão por acordo coletivo ou mesmo individual. Nesse período de suspensão, não se presta serviço e não se paga salário; por isso, não cabe falar em recolhimento de contribuições previdenciárias. Ainda que o empregador opte por fazer algum pagamento eventual em favor do empregado, o valor pago não será remuneração e, portanto, não deve atrair a incidência de tributos.
Os trabalhadores em isolamento estão doentes e precisam ficar recolhidos, não podendo trabalhar em razão da doença. Os primeiros 15 dias correm por conta da empresa, mas os dias seguintes são custeados pelo auxílio-doença. A questão de saúde é consabida e, portanto, dispensáveis se tornam os exames. Em uma pandemia, não seria minimamente razoável o deslocamento de médicos para atender aos requisitos formais da lei.
Quanto à quarentena, existe apenas suspeita de contaminação. Quem está contaminado está doente: as manifestações da doença é que são variadas. Entretanto, para fins de afastamento do trabalho, nada disso interessa, uma vez que o trabalhador deve ficar se tratando ou em casa, ou no hospital. Acontece que, em muitos casos, a quarentena não comprova estar o trabalhador doente, mas nessas situações não se pode dizer que o empregado esteja apto ao trabalho. Se ele comparecesse ao trabalho, deveria o empregador mandá-lo para casa — e por isso, a quarentena deve ser tratada como doença. Afinal, são os próprios órgãos governamentais que determinam que o empregado fique confinado e não vá ao trabalho. Comprovada a doença, o tempo de quarentena se soma ao de isolamento para fins de se computar os 15 dias a cargo da empresa e, a partir de então, as despesas correm por conta do INSS. Tributos previdenciários que não incidem.
Em um momento em que se deve garantir a saúde das pessoas e das empresas para que os efeitos da crise não sejam majorados, entendimento contrário provocaria confisco e, quando pouco, seria absolutamente desarrazoado.
*O artigo é de co-autoria de Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados e afiliado ao Legislação & Mercados.