STJ autoriza cobrança de IRRF na importação de serviços

Decisão é referente a pagamentos remetidos ao exterior e pode ter grande impacto sobre os contribuintes

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No fim de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a União pode cobrar IRRF de remessas feitas por empresas brasileiras para pagamento de despesas relacionadas a serviços no exterior. Trata-se de importação de serviços, correspondente aos pagamentos remetidos ao exterior por serviços prestados cujo resultado se verifica no Brasil. Em geral, sobre essa importação podem incidir IRRF, ISS, Cide, PIS/Cofins e IOF.

Na decisão, como explica Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, o STJ acatou o argumento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) segundo o qual a maioria dos acordos internacionais teria anexos disciplinando que, para “serviços técnicos” ou “serviços de assistência técnica”, deveria ser aplicado o mesmo tratamento jurídico dos royalties, que são tributados no país de origem. “A nova tese emplacada pela PGFN tem grande impacto para os contribuintes, tendo em vista que o Brasil é um grande importador de serviços”, afirma.

De acordo com Tiago Severini, sócio do Vieira Rezende Advogados, quando se fala em importação de serviços, algumas peculiaridades são aplicáveis a cada um dos tributos. “Por isso, cabe uma avaliação sobre a existência ou não de tratado internacional contra a dupla tributação entre as jurisdições envolvidas, de serviço técnico ou transferência de tecnologia e a aferição do resultado do serviço no Brasil, ou execução de parte dele no País”, destaca.

“A bitributação pode ser contornada com base nos acordos internacionais, que podem mitigar a carga tributária por meio de cláusulas concessivas de créditos tributários”, acrescenta Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. Ele ressalta que o caso julgado pelo STJ envolve apenas o IRRF e o pagamento de serviços técnicos para a Espanha, país que tem acordo para evitar a dupla tributação com o Brasil.

A seguir, Chiaradia, Severini e Braichi detalham outros aspectos da decisão do STJ.


Como funciona a tributação do pagamento de serviços no exterior? Quais são os tributos envolvidos?

Em linhas gerais, os seguintes tributos são devidos por ocasião da remessa de recursos ao exterior a título de pagamento pela prestação de serviços: IRRF, ISS, Cide (a depender da natureza do serviço), PIS/Cofins e IOF.

Como regra geral, as importações de serviços (pagamento de serviços remetido ao exterior, cujo resultado se verifica no Brasil), estão sujeitas a IRRF, Cide, PIS, Cofins e ISS. Contudo, algumas peculiaridades são aplicáveis a cada um dos tributos, cabendo uma avaliação sobre a existência ou não de tratado internacional contra a dupla tributação entre as jurisdições envolvidas, a existência ou não de serviço técnico ou transferência de tecnologia (sob a perspectiva desses conceitos, conferida pela jurisprudência) e a aferição do resultado do serviço no Brasil (ou execução de parte dele no País). Cada uma dessas variáveis pode confirmar ou afastar a incidência de algum dos tributos listados como incidentes sob a regra geral.

Regra geral, o pagamento de serviços técnicos e assistência técnica para o exterior está sujeito a IRRF (15% ou 25%), PIS e Cofins-Importação (9,25%), Cide (10%), ISS (2% a 5%) e IOF (0,38%). O caso julgado pelo STJ envolve apenas o IRRF e o pagamento de serviços técnicos para a Espanha, país que tem acordo para evitar a dupla tributação com o Brasil. Em síntese, o caso diz respeito ao enquadramento da remessa a título de serviços nos termos do acordo (com a Espanha) e, consequentemente, à possibilidade de o Brasil tributar ou não tributar a remessa decorrente da importação de serviços.


Qual o impacto, para as empresas que contratam serviços externos, da cobrança de imposto de renda sobre as remessas? Elas ainda têm instrumentos para contornar o pagamento do tributo nesses casos?

O impacto financeiro é expressivo, uma vez que a alíquota do IRRF pode chegar ao patamar de 25%. Em alguns casos, é possível argumentar que a renda relacionada à prestação de serviços técnicos deveria ser considerada como lucro da empresa sediada no exterior, o que ensejaria a aplicação do artigo 7º dos tratados internacionais celebrados pelo Brasil, que dispõe que a tributação de tais lucros só poderia se dar no exterior.

O impacto para as empresas brasileiras contratantes dos serviços no exterior depende, essencialmente, do tratamento conferido, na jurisdição do prestador de serviços, quanto ao imposto retido na fonte no Brasil — como por exemplo, se há possibilidade de compensação com o imposto de renda (ou equivalente) devido localmente, se existe crédito presumido concedido por aquela jurisdição sobre os serviços em questão. Sem que haja tratamento específico, na jurisdição do prestador de serviços, para compensar o imposto retido no Brasil, o prestador de serviços, via de regra, exigirá o recebimento do preço líquido de impostos. Isso implica que o pagador no Brasil faça o “gross-up” — ou seja, aumente o valor-base do montante remetido para que, após ser retido o imposto e pagá-lo aqui no Brasil, o valor líquido corresponda ao preço acordado com o prestador de serviços no exterior.

É importante ter em mente que o IRRF na importação de serviços será devido para a grande maioria dos pagamentos realizados para o exterior. A possibilidade de evitá-lo está ligado ao fato de o Brasil possuir (ou não) acordo para evitar a dupla tributação com determinado país.

Em regra geral, o IRRF apenas é afastado quando o rendimento configurar lucro das empresas não residentes (artigo 7° dos acordos) — com exceção de poucos acordos. Uma vez enquadrado (no artigo 7°), o rendimento deve ser tributado apenas no exterior (país de residência). Portanto, caso a empresa brasileira consiga demonstrar que o serviço contratado não é equiparado a royalties pelo acordo firmado com o país de origem, e que se trata de lucro de não residente, poderá conseguir o afastamento do IRRF.


Existem mecanismos, como tratados internacionais, que contornem a ocorrência de bitributação?

Sim. A depender da natureza do serviço, é possível argumentar que a renda relacionada à prestação de serviços técnicos deveria ser considerada como lucro da empresa sediada no exterior, o que enseja a aplicação do artigo 7º dos tratados internacionais celebrados pelo Brasil, afastando, assim, sua tributação no País.

Além disso, é usual que se permita, nos tratados para evitar a bitributação, que o imposto pago em determinado país pode ser utilizado para compensar o imposto devido no outro país.

Sim. Os tratados contra a dupla tributação assinados pelo Brasil, de modo geral, afastam a tributação na fonte, no País, dos lucros auferidos por empresas localizadas na outra jurisdição signatária do tratado com o Brasil. Entretanto, existem exceções a essa regra geral, dentre as quais as que tratam de pagamentos de royalties e de serviços relativos ao exercício de profissão liberal ou outras atividades independentes. Foi justamente dessas exceções que a recente decisão do STJ tratou.

O Brasil é signatário de acordos para evitar a dupla tributação com alguns países, pouco mais de 30. As diretrizes desses acordos podem variar a depender do país envolvido.

Conforme o país de destino do pagamento, pode haver cláusula que desonera o contribuinte do pagamento de tributos em ambas as jurisdições envolvidas, concedendo, no destino, créditos equiparados ao valor dos tributos incidentes na fonte (tax sparing). Ou melhor, pode ainda haver cláusula que conceda créditos de tributos superiores à tributação incidente no país da fonte (matching credit).

Assim, a bitributação pode ser contornada com base nos acordos internacionais, que podem mitigar a carga tributária por meio de cláusulas concessivas de créditos tributários.


A corte mudou seu entendimento sobre o tema, que predominava desde 2012. Em que medida esse tipo de mudança de interpretação afeta os contribuintes?

O STJ, que vinha aplicando a intepretação pela utilização do artigo 7º dos tratados internacionais (lucro das empresas), acatou o argumento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no sentido de que a maioria dos acordos internacionais teria anexos disciplinando que, para “serviços técnicos” ou “serviços de assistência técnica”, aplicar-se-ia o mesmo tratamento jurídico dos royalties, que são tributados no país de origem. A nova tese emplacada pela PGFN tem grande impacto para os contribuintes, tendo em vista que o Brasil é um grande importador de serviços, sendo imperiosa a análise do caso concreto e do respectivo tratado aplicável para avaliar as chances de êxito nas futuras e pendentes discussões dessa matéria com o fisco.

Parece ter ocorrido um mal-entendido nas primeiras análises e em notícias publicadas na imprensa sobre a decisão do STJ. A meu ver, a Corte não mudou seu entendimento. O que o STJ decidiu no caso, foi que o tribunal regional de origem, que havia analisado a questão anteriormente, não havia deixado claro se, no caso concreto, os serviços se enquadravam na cláusula de lucros do tratado (no caso, o Brasil-Espanha), ou se eventualmente se tratava de royalties ou de serviços relativos ao exercício de profissão liberal. Para simplificar, o STJ pediu que o tribunal de origem esclarecesse se tinha sido analisada a questão da efetiva natureza dos serviços, a fim de que fossem corretamente enquadrados para fins de aplicação do tratado.

Como as exceções à regra geral do tratamento desses serviços no âmbito da cláusula de lucros já haviam sido analisadas pela Corte, entendo que não se trata de mudança de entendimento.

Na prática, o que não pode ocorrer é uma extensão arbitrária, como muitas vezes a Fazenda pretende realizar, dos conceitos de royalties ou de profissões independentes (no âmbito dos tratados), para tentar enquadrar quaisquer serviços como sujeitos a essas cláusulas, que autorizam a retenção, em detrimento da cláusula geral, que afasta a incidência do IRRF no Brasil. A cautela do STJ, contudo, em ver a questão fática mais bem abordada, não caracteriza uma ruptura quanto ao seu entendimento anterior — é, inclusive, salutar para afastar outro efeito de eventual aplicação incorreta do tratado, que seria a dupla não tributação.

Anteriormente, a Corte entendia pela tributação de lucros exclusiva no Estado de residência das empresas, como regra geral. Esse entendimento afastava o IRRF da maior parte de remessas a título de contraprestação de serviços oriundas do Brasil para empresas estrangeiras. Isso porque a renda proveniente de serviços técnicos era considerada lucro, e sua tributação apenas se daria no Estado de residência (exterior).

No entanto, 27 dos 32 tratados firmados pelo Brasil equiparam o tratamento jurídico dos serviços técnicos ou de assistência técnica ao tratamento de royalties, que são tributados no país da fonte. Assim, no caso desses acordos, as remessas ao exterior para pagamento de serviços técnicos não poderiam ser consideradas lucros das empresas, e sim royalties, sujeitas à tributação na fonte (Brasil) — esse foi o entendimento acatado pela Corte recentemente.

Portanto, com o novo entendimento da Corte, vez que a grande maioria dos acordos possui protocolos equiparando serviços técnicos a royalties, para fins de tratamento jurídico, a maior parte das remessas feitas por empresas brasileiras será equiparada a royalties. Essa classificação atrairá a incidência de IRRF, à alíquota de 15%, o que certamente afeta os contribuintes, impactando diretamente no preço/custo dos serviços contratados.

 

 

 

 

 

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