Spacs podem ter versão nacional

Empresas que captam recursos exclusivamente para compra de outros negócios atraem atenção crescente no exterior

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Em plena expansão nos Estados Unidos e em outros países, as Spacs (special purpose acquisition companies) parecem ter chances de emplacar também no mercado brasileiro. Existe a expectativa de que entidades ligadas ao mercado de capitais local, reunidas num grupo de trabalho, encontrem maneiras de viabilizar esse tipo de estrutura no País.

Como explica Luis Nankran, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, as Spacs representam um novo modelo de investimento, caracterizado por empresas criadas exclusivamente para aquisição de outros negócios — também são conhecidas como “empresas do cheque em branco”. “Essa dinâmica se caracteriza basicamente por uma captação de recursos em que os investidores não sabem exatamente em qual ativo o dinheiro será investido”, detalha.

“Com os recursos em caixa, as Spacs se voltam aos seus objetivos, destinando-se a adquirir e, finalmente, se fundir com as estruturas adquiridas, permitindo que estas, de forma indireta e ao final, estejam listadas em bolsa, sob a titularidade dos investidores originais”, observa Claudio Miranda, sócio do Chalfin Goldberg Vainboim Advogados. “As Spacs se mostram como instrumentos plenamente capazes de se estruturar no cenário brasileiro. Pode haver quem diga, inclusive, que o mercado nacional já vivenciou situações semelhantes, como foi o caso, por exemplo, das empresas do Grupo X, em que a captação de recursos, em muitas ocasiões, precedeu a efetiva realização das atividades prometidas ou o desenvolvimento dos projetos em tela”, complementa.

Na avaliação de Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados, os investidores hoje no Brasil são plenamente capazes de analisar os riscos e benefícios de maneira suficientemente clara para que exista no País qualquer modalidade de investimento, o que inclui as Spacs. “Não vejo questões de maturidade nesse aspecto. O ponto em questão é a CVM, como órgão de fiscalização do mercado, evitar possíveis fraudes ou mau uso da modalidade de investimento”, destaca.

A seguir, Nankran, Magalhães e Miranda tratam de outros aspectos envolvidos na estruturação de Spacs.


Em linhas gerais, o que são Spacs?

As special purpose acquisition companies — também denominadas empresas do “cheque em branco” — formam um novo modelo de investimento, caracterizado por empresas criadas unicamente para comprar outras companhias. O modelo de negócio, basicamente, envolve uma captação de investimento em que os investidores não sabem em qual ativo o dinheiro será investido.

Assim, o investidor faz o aporte e confia na seleção dos gestores — os sponsors — da Spac para a compra do ativo. Os gestores analisam o mercado, identificam boas companhias, com possibilidades e características específicas de crescimento, e fazem a compra.

Esse modelo de investimento já é bastante utilizado em outros países e tem uma forte presença em situações de IPO (oferta pública inicial de ações). Basicamente, em uma situação tradicional, a empresa que pretende fazer um IPO busca um banco, que faz a intermediação da venda das ações por preço acordado. Todavia, em regra, a Spac inverte essa lógica, já que, por meio de seus gestores, localiza uma empresa-alvo, faz a compra da empresa e assim consegue captar novos recursos para a oferta pública.

São figuras complexas, mas muito interessantes, as Spacs — em tradução literal, companhias com propósito específico de aquisição. Essas companhias são abertas como um “casco”: não operam, não têm produto ou resultado; seu objetivo é a aquisição em específico de uma outra empresa (“empresa-alvo”). O levantamento de capital para aquisição da empresa-alvo ocorre por um IPO.

As tão debatidas Spacs são companhias com propósito específico de aquisição. Em linhas gerais, funcionam como veículos de investimento que se estruturam diretamente na bolsa de valores, possibilitando o levantamento de recursos junto ao público investidor, com o objetivo de adquirir participação societária em outras empresas.

Dos pontos de vista jurídico e prático, a captação de recursos junto ao público investidor parte de um verdadeiro esqueleto jurídico, uma estrutura ainda sem ativos, normalmente organizada por grandes nomes do mercado, com ampla capacidade de atração e captação de recursos. Essas estruturas têm metas e alvos específicos, atraindo os investidores. Na sequência, com os recursos em caixa, as Spacs se voltam aos seus objetivos, destinando-se a adquirir e, finalmente, a se fundir com as estruturas adquiridas, permitindo que estas, de forma indireta e ao final, estejam listadas em bolsa, sob a titularidade dos investidores originais.


Na sua opinião, considerando a atual maturidade do mercado de capitais brasileiro, seria pertinente a criação de Spacs?

O crescimento e a consolidação global das Spacs não deixa alternativa ao mercado brasileiro a não ser estudar o tema e se adaptar a essa nova realidade. Inclusive, a questão vem sendo estudada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que tem discutido o tema com alguns players de mercado.

A direção tomada por algumas Spacs é, ainda que sediadas fora do Brasil, captar dinheiro e adquirir ativos brasileiros. Contudo, é interessante que o País tenha regulamento próprio, de forma que as Spacs possam ser sediadas no Brasil e por aqui possam captar os recursos e comprar os ativos. Mas para que haja segurança nesse tipo de investimento é necessário que existam regulamentação e legislação nacionais.

Para além da maturidade do mercado, as Spacs são um modelo atraente para investimentos e colocam o Brasil em consonância com um movimento mundial de novas formas de captação de recursos e compra de ativos.

No entanto, para que se entenda o nível de maturidade necessário para a operação das Spacs no Brasil, é preciso testar, aprender e se adequar.

Quanto a ser maduro ou não, é um parâmetro subjetivo. Primeiramente, não há no Brasil nem regulamentação nem legislação que permitam a constituição de uma Spac. Entendo que os investidores são livres e capazes de analisar os riscos e benefícios de maneira suficientemente clara para que exista no Brasil qualquer modalidade de investimento — não vejo questões de maturidade nesse aspecto. O ponto em questão é a CVM, como órgão de fiscalização do mercado, evitar possíveis fraudes ou mau uso da modalidade de investimento.

As Spacs se mostram como instrumentos plenamente capazes de se estruturar no cenário brasileiro. Pode haver quem diga, inclusive, que o mercado nacional já vivenciou situações semelhantes, como foi o caso, por exemplo, das empresas do Grupo X, em que a captação de recursos, em muitas ocasiões, precedeu a efetiva realização das atividades prometidas ou o desenvolvimento dos projetos em tela.

Em que pese pairarem dúvidas importantes sobre o sucesso do empreendimento, não há como se questionar a eficiência na captação dos recursos e o desenrolar das atividades e dos ativos envolvidos. Com a transparência necessária dos riscos e informações para o mercado em geral, tal estrutura poderia se instalar de forma eficiente em nosso mercado, funcionando como uma ferramenta adicional para a captação e a aplicação de recursos financeiros.


Quais são os principais riscos, tanto do ponto de vista do mercado quanto sob a perspectiva dos investidores, envolvidos na dinâmica dessas companhias?

Basicamente, os principais riscos dos Spacs são: uma aquisição ruim, em que o gestor elege mal a compra a ser feita; ausência de ativo interessante para a compra.

Evidentemente, em geral existem meios de assegurar a proteção do investidor, pois se ele não concorda com o ativo eleito ou a compra não se realiza no tempo pactuado, deve ter a possibilidade de desinvestir o dinheiro.

Outros pontos delicados são as taxas incidentes sobre cada operação e a forma de aquisição, para que a participação dos investidores não se torne irrisória.

Há dois grandes riscos para o investidor: a não aquisição da empresa-alvo pela Spac — e daí vem a importância dos gestores nessa modalidade de investimento (afinal, eles são o ativo da Spac); e o fato de que, com a aquisição da empresa-alvo, esta substitui a Spac, passa a ter seu capital aberto e os investidores tornam-se seus acionistas; mas como os gestores que capitanearam o projeto têm “insider shares” na nova empresa aberta ocorre a diluição do investidor.

Do ponto de vista regulatório, o mercado brasileiro está maduro e bem estruturado para que essas operações ocorram de forma eficiente, aplicando-se de forma análoga as regras já existentes ou por meio de novas diretrizes, como as que estão sendo estruturadas pela Anbima e outros órgãos e entidades nacionais.

Essas normas devem se voltar a repercutir, para a estrutura das Spacs, as preocupações já conhecidas para o eficiente funcionamento do mercado de capitais, sobretudo no que diz respeito à isonomia dos participantes do mercado e à ampla e irrestrita transparência, seja previamente à captação dos recursos (sobre os riscos envolvidos e metas a serem alcançados) ou com vistas à aplicação e à gestão dos recursos investidos.


Em termos de legislação, seria possível estruturar Spacs no Brasil?

Não há um regramento próprio, tampouco regulamentação da CVM para a criação de Spacs no Brasil. A Anbima vem discutindo o desenvolvimento de legislação específica, que seria um misto de regras dos FIPs com normas para IPOs.

Dessa forma, em razão da ausência de legislação própria, a estruturação de Spacs no Brasil envolve uma interpretação jurídica e regulatória, apresentando, portanto, um cenário ainda um pouco instável para o investidor.

Com a legislação atual é inviável. As exigências para realização de um IPO no Brasil, mesmo com as recentes propostas de modificação da CVM (como, por exemplo, três anos de demonstrações financeiras), além da própria estrutura das companhias desenhada pela Lei das S.As., inviabilizam hoje as Spacs no Brasil. Mas é relativamente comum constituir-se Spacs fora do Brasil tendo como alvo empresas brasileiras.

A meu ver, duas possibilidades se colocam à frente daqueles que têm interesse na estruturação de Spacs no Brasil. A primeira seria relativa à montagem de estrutura semelhante, a partir dos veículos societários e de investimentos aqui já existentes. Alternativa interessante envolveria a amplamente conhecida, e pouquíssimo experimentada, constituição de companhia por subscrição pública — prevista nos artigos 82 e seguintes da Lei 6.404/76, dependendo do prévio registro da emissão na CVM, com subscrição somente autorizada com a intermediação de instituição financeira.

A segunda, e ainda mais promissora, teria por base a participação das entidades privadas no cenário institucional em discussão, promovendo-se o debate e a célere adaptação do ambiente regulatório nacional para que essa importante inovação empresarial se construa em bases específicas para o seu desenvolvimento seguro no País.

A assessoria jurídica e financeira é indispensável para qualquer um dos caminhos mencionados, de forma que a consulta a especialistas e a posição desses advogados pró-negócio podem ser diferenciais importantes para que o mercado se estruture sem riscos desnecessários e de forma segura, como se deseja.

 

 

 

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