Receita aumenta segurança jurídica relativa à “tese do século”

Solução de Consulta Cosit nº 206/24 esclarece que mesmo contribuintes que perderam na Justiça fazem jus à exclusão de ICMS da base do Pis e da Cofins

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Contribuintes que perderam ações na Justiça para excluir o ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins – no que ficou conhecido como “a tese do século” – recentemente ganharam segurança jurídica para pagar as duas contribuições sem o imposto estadual e, ainda, para pedir a compensação ou restituição dos valores pagos a mais. A segurança aumentou após a publicação da Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 206/24, que orienta a atuação de todos os fiscais da Receita Federal.

A “tese do século” questionava o pagamento do Pis e da Cofins com o ICMS incluso na base de cálculo das duas contribuições. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a questão em 2017 (Tema nº 69), e decidiu que o ICMS não deveria compor a base de cálculo das contribuições porque ele se destinava aos cofres estaduais e apenas transitava pela contabilidade das empresas, ou seja, não se configurava como receita bruta e, portanto, deveria ser excluído da base do Pis e da Cofins porque estas incidem sobre a receita/faturamento.

A tese foi julgada em repercussão geral, mas ainda havia uma dúvida sobre o que aconteceria com os contribuintes que haviam perdido na Justiça (“coisa julgada individual”) contrária à “tese do século”. O receio era que a Fazenda Nacional alegasse que coisa julgada individual prevaleceria – e que os contribuintes não teriam direito à  restituição e que teriam de recolher o Pis e a Cofins com o ICMS incluso na base, mesmo tendo a corte julgado de forma oposta. Agora, a Solução de Consulta Cosit nº 206/24 estipula que mesmo os contribuintes que perderam podem excluir o imposto estadual da base do Pis e da Cofins e, ainda, têm direito à restituição dos valores que pagaram a mais (com o ICMS incluído).

A importância da Solução de Consulta Cosit nº 206/24

“O entendimento (vinculante) é extremamente importante por garantir que o contribuinte deixe de recolher tributo a maior, evitando-se cobrança tributária baseada em coisa julgada que se tornou inconstitucional a partir do julgamento do Tema nº 69 pelo STF”, avaliam Júlia Swerts e Nathan Amaral, associados do Freitas Ferraz Advogados.

Frederico Bakkum e Matheus Valente, associados do Vieira Rezende Advogados, explicam que o entendimento se aplica a todos os contribuintes que recolhem ICMS, incluindo os que não obtiveram o trânsito em julgado favorável, que agora poderão pleitear a exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins. “Vale destacar que a Solução de Consulta Cosit nº 206 reflete o entendimento do STF sobre os limites da coisa julgada em matéria tributária (Temas nº 881 e 885 da Repercussão Geral), o qual define que as decisões em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado nas referidas relações.”

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende abordam a Solução de Consulta Cosit nº 206/24.


– Do que trata a Solução de Consulta Cosit nº 206 e quais são os seus principais pontos?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: No julgamento da “tese do século” (Tema 69), o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o ICMS não compõe as bases de cálculo do Pis e da Cofins, contribuições que incidem sobre a receita bruta das empresas.

Essa decisão foi proferida em repercussão geral, o que significa, resumidamente, que vincula a administração fazendária como um todo, afetando, por consequência, qualquer contribuinte. Contudo, persistia uma dúvida em relação ao tratamento a ser conferido àqueles contribuintes contra os quais havia sido proferida decisão judicial final (“coisa julgada individual”) contrária à “tese do século”. Nesses casos, a Fazenda poderia alegar que coisa julgada individual prevaleceria e que, portanto, os contribuintes não teriam direito a qualquer restituição, bem como não poderiam deixar de recolher o tributo, embora sua cobrança fosse declaradamente inconstitucional.

Essa dúvida foi sanada pela Solução de Consulta nº 206/2024. Nela, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil (Cosit) determinou que é possível reaver créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, relativos a período posterior a 16/03/2017 (data do julgamento da “tese do século”), inclusive nas situações de coisa jugada individual anterior desfavorável ao contribuinte.

O entendimento (vinculante) é extremamente importante por garantir que o contribuinte deixe de recolher tributo a maior, evitando-se cobrança tributária baseada em coisa julgada que se tornou inconstitucional a partir do julgamento do Tema nº 69 pelo STF.

Frederico Bakkum e Matheus Valente: A Solução de Consulta Cosit nº 206/2024 trata da possibilidade de o contribuinte com decisão desfavorável transitada em julgado, que manteve o ICMS nas bases de cálculo do Pis e da Cofins, possa pleitear sua exclusão, considerando o Tema nº 69 da repercussão geral do STF. Como ponto principal, destaca-se o entendimento da Receita Federal do Brasil de que, em linha com o Parecer PGFN/CRJ/Nº 492/2011, a nova circunstância jurídica de eficácia vinculante é apta a cessar os efeitos da coisa julgada pretérita em relações jurídico-tributárias de tratos continuados.


– De que forma a Solução de Consulta Cosit nº 206 se relaciona com a reversão das decisões judiciais definitivas?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: No julgamento dos Temas 881 e 885, o STF decidiu que decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas relações tributárias de trato sucessivo.

Seguindo essa lógica, como a relação entre União e Contribuinte concernente à obrigação de pagar Pis/Cofins é uma relação tributária de trato continuado, a decisão do STF no Tema 69 (proferida em sede de repercussão geral) “quebra” automaticamente a coisa julgada individual contrária à tese. Como a “tese do século” é (em síntese) medida de desoneração tributária, não deve respeitar qualquer princípio de irretroatividade em favor da Fazenda.

Portanto, a lógica do entendimento da Cosit está de acordo com as teses firmadas nos Temas 881 e 885 da Repercussão Geral.

Frederico Bakkum e Matheus Valente: Importante deixar claro que a Solução de Consulta Cosit nº 206/24 não trata da reversão de decisões judiciais definitivas, mas sim dos efeitos da coisa julgada em relações de trato continuado no tempo, no sentido de que as decisões judiciais definitivas perdem sua eficácia perante a guinada de novo entendimento em sede de repercussão geral nas relações que ocorrem sucessivamente no decorrer do tempo. No caso da Solução de Consulta Cosit nº 206, temos que a inclusão do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins era a regra de incidência da exação, de modo que, após a formação da repercussão geral pelo STF, operou-se novos efeitos vinculantes que fizeram cessar a eficácia de eventual coisa julgada que mantinha o ICMS na base do Pis e da Cofins, passando a aplicar o entendimento da repercussão geral.


– Na prática, o que a Solução de Consulta significa? Quais contribuintes que não obtiveram a autorização para excluir o ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins poderão pedir, na esfera administrativa, a exclusão?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: As soluções de consulta proferidas pela Cosit, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da Receita Federal do Brasil e respaldam o sujeito passivo que as aplicar, ainda que não seja o respectivo consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo da verificação de seu efetivo enquadramento pela autoridade fiscal em procedimento de fiscalização.

Portanto, na prática, qualquer contribuinte, ainda que possua decisão judicial desfavorável transitada em julgado, poderá reaver os créditos de Pis e Cofins recolhidos indevidamente sobre o ICMS e poderá deixar de recolher os tributos a esse título, com total segurança.

Frederico Bakkum e Matheus Valente: Não há qualquer procedimento administrativo para se pleitear a exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins, a exclusão do ICMS destacado no documento fiscal deverá ser observada na apuração das contribuições, em linha com o artigo 25, XII, da IN RFB nº 2.121/22, de modo que eventual devolução de imposto pago a maior deverá correr em rito administrativo apartado. No caso dos pedidos de restituição/compensação, deverá ser retificada a DCTF, para excluir os débitos a maior e apresentada a respectiva PER/DCOMP, correspondente ao valor pago indevidamente a partir de 16/03/2017 – data da modulação dos efeitos definida pelo STF – e observando o prazo prescricional de cinco anos, em linha com o artigo 168, do Código Tributário Nacional (CTN).


– Para os casos abarcados pela Solução de Consulta Cosit nº 206, quais são os trâmites para pedir, na esfera administrativa, a exclusão do ICMS da base do Pis e da Cofins? Ainda, a exclusão implica na devolução de eventual imposto pago a mais ou para isso será necessário outro procedimento?

Júlia Swerts e Nathan Amaral: Embora possam deixar de pagar o Pis e a Cofins sobre o ICMS de maneira imediata, para reaver os créditos a que fazem jus, decorrentes de pagamentos anteriores a maior, os contribuintes deverão seguir os procedimentos administrativos para restituição e compensação previstos em Instrução Normativa da Receita Federal (IN RFB 2.055/2021).

Resumidamente, caso opte pela restituição, o contribuinte deverá formular Pedido de Restituição (PER) com informações do crédito a ser solicitado e comprovante de recolhimento do valor pago a maior. Caso opte pela compensação, de maneira semelhante, o contribuinte deve, primeiro, habilitar seu crédito perante a Receita Federal. Habilitado o crédito, o contribuinte deve apresentar a respectiva Declaração de Compensação (DCOMP).

Frederico Bakkum e Matheus Valente: Na prática, Solução de Consulta Cosit nº 206 formaliza o entendimento de que decisão superveniente em sede repercussão geral nas relações de trato continuado possibilita a superação da coisa julgada distinta do entendimento firmado pelo STF. No caso, todos os contribuintes que recolhem ICMS, incluindo os que não obtiveram o trânsito em julgado favorável, poderão pleitear a exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins. Vale destacar que a Solução de Consulta Cosit nº 206 reflete o entendimento do STF sobre os limites da coisa julgada em matéria tributária (Temas nº 881 e 885 da Repercussão Geral), o qual define que as decisões em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos das decisões transitadas em julgado nas referidas relações.


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