Seguradoras devem indenizar lucros cessantes durante a pandemia?

A exemplo do que já acontece no exterior, discussão no Brasil pode chegar ao Judiciário

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As seguradoras deveriam indenizar clientes empresariais que foram obrigados a interromper suas operações por causa das medidas de distanciamento social impostas pelas autoridades durante a pandemia do novo coronavírus? A discussão envolve a chamada cobertura para lucros cessantes (incluída em algumas apólices de seguros para riscos operacionais) e já ganha vulto no exterior. Na Europa e nos Estados Unidos, seguradoras e segurados tentam chegar a um denominador comum que garanta o ressarcimento supostamente previsto na apólice com a manutenção da saúde financeira do setor de seguros.

A questão gira em torno da interpretação sobre o evento causador da interrupção obrigatória, ou seja, se uma pandemia inesperada ensejaria o acionamento das coberturas previstas em contratos assinados antes da configuração dessa situação. No exterior já há casos chegando às vias judiciais, mas no Brasil o debate ainda está em fase anterior, com empresas e seguradoras tentando entender quais são os seus direitos e deveres nesse contexto. Isso não significa, no entanto, que esses casos não chegarão à Justiça em algum momento.

“Conforme estabelece a Superintendência de Seguros Privados (Susep), no seguro de lucros cessantes o segurado contrata pelo menos uma das seguintes coberturas: perda de lucro bruto, perda de lucro líquido, perda de receita bruta ou despesas fixas. Além disso, o órgão determina que, na estruturação de seus planos de seguro, as sociedades seguradoras poderão prever coberturas adicionais, desde que os riscos cobertos estejam diretamente relacionados com o ramo de lucros cessantes”, afirma Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados. “A discussão sobre pagamento de lucros cessantes se tornou muito importante atualmente, em decorrência da pandemia. No Brasil, essa cobertura securitária é encontrada em seguros empresariais, de riscos operacionais e de riscos nomeados”, acrescenta Luis Nankran, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados.

A situação é bastante complexa, a ponto de, no limite, ameaçar a saúde financeira das seguradoras. Essas empresas, afinal, provavelmente não compuseram reservas ou provisões em montante suficiente para comportar uma enxurrada de indenizações por um evento absolutamente improvável.

A seguir, Chaves e Nankran tratam desses e de outros aspectos da questão de indenização por lucros cessantes no contexto da pandemia no Brasil.


Num movimento que já se iniciou no exterior, empresas e seguradoras discutem as regras e os limites para o pagamento de lucros cessantes, situação, nos últimos meses, decorrente das restrições impostas pela pandemia. Como funciona esse mecanismo no Brasil?

No Brasil, as regras e os critérios para operação das coberturas do seguro de lucros cessantes são estabelecidos pela Circular nº 560 da Superintendência de Seguros Privados (Susep), de 7 de novembro de 2017. Nos termos dessa circular, entende-se por seguro de lucros cessantes aquele em que o segurado contrata pelo menos uma das seguintes coberturas: perda de lucro bruto, perda de lucro líquido, perda de receita bruta ou despesas fixas. Além disso, determina que, na estruturação de seus planos de seguro, as sociedades seguradoras poderão prever coberturas adicionais, desde que os riscos cobertos estejam diretamente relacionados com o ramo de lucros cessantes.

Nas apólices de seguros de lucros cessantes oferecidas no País não é incomum a exclusão de riscos relacionados a atos emanados de autoridades públicas e até para danos decorrentes de eventos como epidemias e pandemias.

A discussão sobre pagamento de indenização por lucros cessantes se tornou extremamente importante em decorrência da pandemia. No Brasil, essa cobertura securitária é encontrada em seguros empresariais, de riscos operacionais e de riscos nomeados. O seguro empresarial geralmente é contratado por empresas de menor porte, enquanto os seguros de riscos operacionais e nomeados são mais buscados por empresas de maior porte, que visam riscos específicos, de acordo com sua área de atuação. Ainda que se trate de contratos de seguros operacionais, denominados all risks, é comum se verificar cláusula específica tratando de riscos excluídos.

Para lucros cessantes, todavia, o raciocínio — e a regulação — é de que os eventos cobertos devem constar especificamente na apólice, conforme o art. 2º do anexo à Circular nº 560/17 da Susep. Assim, quando se trata de seguro de lucros cessantes, a conclusão óbvia é de que os danos não estão cobertos. Isso porque há exigência de cobertura para danos especificados nas apólices, que geralmente não preveem a atual situação — uma vez que não existia a probabilidade de ocorrência de uma pandemia e, invariavelmente, não havia previsão para tal cobertura. Ou seja, a pandemia não era esperada pela contratante e tampouco foi calculada pela seguradora.

Dessa forma, considerando a imprevisibilidade e a necessidade de, no que tange a lucros cessantes, haver menção expressa no contrato, a atual situação no Brasil é de que os lucros cessantes decorrentes da pandemia não estão cobertos pelos seguros — salvo disposição expressa, o que é raro.


Existe a possibilidade de as disputas sobre indenização de lucros cessantes, no Brasil, chegarem à Justiça?

Nas situações em que as apólices não têm regras claras com relação ao enquadramento ou à exclusão da cobertura de situações decorrentes de uma pandemia e de prejuízos resultantes de atos emanados de autoridades públicas, e caso as seguradoras se recusem a efetuar o pagamento de indenizações pleiteadas por segurados, o Poder Judiciário deverá ser necessariamente acionado para interpretar e solucionar as desavenças.

Discussões sobre cobertura securitária dos lucros cessantes chegarão à Justiça e os argumentos são cabíveis para ambas as partes. Toda situação demandará uma análise contratual, das questões negociadas quando da formação do contrato. Como em todo contrato, no entanto, antes da assinatura as partes analisam as condições, preveem riscos e situações. No seguro essa análise de risco é extremamente importante.

Na relação entre seguradora e segurado, essa avaliação é importante justamente para que as partes se preparem e calculem a probabilidade de certos eventos acontecerem — e uma pandemia dificilmente foi calculada pelas partes antes da situação da covid-19. Assim, caso demandas dessa natureza cheguem ao Judiciário, será necessário analisar se havia previsibilidade, se as partes pactuaram algo nesse sentido, se era possível prever a situação, entre outros pontos.


O que indica a jurisprudência brasileira a respeito?

A situação é recente, de modo que a jurisprudência pátria ainda não se debruçou sobre o tema específico da pandemia de covid-19 e seus impactos nos contratos de seguro de lucros cessantes. No entanto, em demandas relacionadas a seguros, o Poder Judiciário tem privilegiado os termos e condições previstos nas apólices, em especial as exclusões de cobertura expressamente ressalvadas.

As apólices de cobertura de lucros cessantes têm definição de escopo prevista no art. 2º do anexo à Circular nº 560/17. Ou seja, lucros cessantes deverão ser pagos nos casos em que havia previsão expressa na apólice. Evidentemente, raros são os contratos que previam cobertura para pandemias.

Assim, o que se vê é um entendimento, entre doutrinadores e juristas, no sentido de que os lucros cessantes não estão cobertos, salvo nas situações em que há expressa previsão contratual.

Existe uma discussão sobre as cláusulas de exclusão de riscos em contratos de seguro com aplicação do Código de Defesa do Consumidor, tomando-se por base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de relativização da cláusula de exclusão. Logo, em que pese não haver muitos casos concretos sobre o tema, espera-se que a discussão venha à tona, e maciçamente.


Uma eventual necessidade de pagamento em massa desse tipo de indenização representaria uma ameaça à saúde financeira das seguradoras?

Certamente. Considerando o amplo número de empresas prejudicadas pelas medidas restritivas impostas para se evitar o avanço da pandemia, o acionamento em massa de seguros de lucros cessantes — em situações e contratações que o permita — resultará na necessidade de grandes desembolsos por parte das seguradoras. E, por se tratar de um evento imprevisível, é possível presumir que as seguradoras não tenham recursos provisionados e disponíveis para o pagamento de indenizações decorrentes da pandemia, o que poderá impactar no adimplemento de suas obrigações e até mesmo na continuidade de suas atividades.

O entendimento de que as seguradoras seriam responsáveis pelo pagamento de lucros cessantes pode acarretar um prejuízo insuperável para essas empresas — afinal, em contratos desse jaez, a seguradora faz um cálculo da probabilidade da ocorrência de certos eventos, a fim de que fixar os valores envolvidos no contrato. Contudo, antes de 2020 uma pandemia era impensável, inimaginável. Logo, salvo em hipóteses específicas, as partes não fizeram a previsão de cobertura para a atual situação. Assim, torna-se necessário analisar o caso concreto, as negociações, o tipo de seguro pretendido e a eventual previsibilidade do evento, quando da contratação.

A aparição de lei estendendo a responsabilidade do pagamento dos lucros cessantes, no atual cenário, pode representar grande risco para as seguradoras.

 

 

1 comentário
  1. joão batista de Assis Pereira Diz

    Nesse sentido, devemos ter cautela e observar a atual situação da Resseguradora IRBR pos pandemia. A cotação da IRBR3 despencou em seguidos gap dos 45 reais para os atuais 7,xx reais.

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