São Paulo prepara facilidades para bons contribuintes

Processo simplificado deve viabilizar o uso de créditos do ICMS pelas empresas do estado

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Quando se trata dos créditos do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), frequentemente o que parecia uma solução para as empresas acaba se tornando um problema: elas acumulam créditos e não conseguem utilizá-los de forma fácil e ágil. Essa situação pode estar prestes a ser resolvida ou amenizada, ao menos para os contribuintes do Estado de São Paulo considerados bons pagadores. O Decreto 66.921 prevê a criação de um processo simplificado para que esses contribuintes obtenham autorização para apropriação do crédito do imposto acumulado. A regulamentação que trará as condições para isso está em elaboração. 

A utilização dos créditos contribuirá para a manutenção da saúde financeira de grande parte das empresas de São Paulo, considera Paloma Amorim da Cruz Rosa, advogada associada do Vieira Rezende Advogados: “Se este saldo não é utilizado, acaba por gerar grave impacto de caixa e prejuízo financeiro substancial às empresas, além de contaminar a contabilidade empresarial por representar verdadeiro lucro fictício em algumas situações, inflando, portanto, a base de cálculo dos tributos corporativos (IRPJ e CSLL) que consideram um lucro ainda não realizado”.

Para que o contribuinte possa usar o crédito acumulado de ICMS, precisa da autorização da Secretaria de Fazenda do Estado. No entanto, esse processo pode demorar até três anos – fenômeno que também ocorre na maioria dos Estados, apesar da baixa complexidade envolvida. 

A novidade é que os contribuintes classificados nas categorias A+, A ou B do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes” do Estado de São Paulo poderão requerer autorização para usar o crédito por procedimentos simplificados (ainda a serem normatizados). Rosa considera que a iniciativa é correta não apenas porque viabiliza a utilização do saldo acumulado do imposto, mas também pela forma como foi estabelecida: “Cria-se uma “norma positiva” que incentiva, por meio da concessão do tratamento simplificado, uma conduta correta por parte dos contribuintes, ao invés de impor uma “norma negativa”, destinada apenas a punir ou penalizar o comportamento fiscal desconforme”. 

Na entrevista abaixo, Rosa explica como funciona o sistema de créditos do ICMS e aborda a importância da recente iniciativa para facilitar o uso desses créditos. 


O que são os créditos do ICMS e quando eles são gerados? 

Paloma Amorim da Cruz Rosa: O ICMS é um imposto não-cumulativo de competência dos Estados e do Distrito Federal. A não cumulatividade faz com que o ônus econômico do tributo recaia apenas sobre o valor adicionado do produto/mercadoria envolvido em determinada operação de mercancia. A não cumulatividade do ICMS, portanto, é representada pelo direito do contribuinte de realizar a compensação do imposto devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas operações anteriores.

Nesse sentido, para viabilizar a compensação do ICMS, é assegurado ao contribuinte, como regra, o direito de creditar-se do ICMS anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a “entrada” de mercadoria no estabelecimento, dentro das normas aplicáveis e regulamentares.

Ocorre que, em algumas situações – que podem ser frequentes a depender da natureza da atividade ou, até mesmo, da estrutura das operações desempenhadas por alguns contribuintes – o montante correspondente ao crédito de ICMS gerado na entrada das mercadorias no estabelecimento do contribuinte pode superar o valor do ICMS a ser efetivamente recolhido no momento da saída do respectivo bem, gerando, por consequência, o acúmulo de créditos de ICMS.

Como exemplo, destacamos as seguintes situações que podem ocasionar o respectivo acúmulo de créditos de ICMS: a aplicação de alíquotas diversificadas em operações de entrada e de saída de mercadoria; operação efetuada com redução de base de cálculo nas hipóteses em que seja admitida a manutenção integral do crédito; e operação realizada sem o pagamento do ICMS nas hipóteses em que seja admitida a manutenção do crédito, tais como isenção ou não incidência, ou, ainda, abrangida pelo regime jurídico da substituição tributária com retenção antecipada do imposto ou do diferimento.

Veja-se que, considerando a frequência com que os exemplos citados acima podem ser verificados na prática, tornou-se comum que grande parte dos contribuintes de ICMS tenham um valor substancial reservado e classificado como saldo credor acumulado de ICMS. Se este saldo não é utilizado, acaba por gerar grave impacto de caixa e prejuízo financeiro substancial às empresas, além de contaminar a contabilidade empresarial por representar verdadeiro lucro fictício em algumas situações, inflando, portanto, a base de cálculo dos tributos corporativos (IRPJ e CSLL) que consideram um lucro ainda não realizado. Por conta disso, a demanda pela criação de alternativas que viabilizem a adequada e efetiva utilização do saldo credor acumulado de ICMS, apesar de ser antiga, vem cada vez mais se tornando uma prioridade para os contribuintes e um dever impositivo às secretarias de fazenda dos Estados.


Quais pontos são analisados pela Secretaria da Fazenda de São Paulo para avaliar se o contribuinte tem direito ao crédito de ICMS? Esse processo costuma ser muito complexo e demorado? 

Paloma Amorim da Cruz Rosa: Para que o crédito acumulado de ICMS possa ser apropriado pelo contribuinte, é necessária a prévia autorização pela Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo.  

Dentre os pontos analisados pelo Estado para avaliar a possibilidade de concessão da referida autorização, encontram-se os seguintes: 

  • a disponibilização, pelo contribuinte, da totalidade das informações exigidas por meio da Portaria CAT 83/09; 
  • a consistência dos saldos iniciais dos registros com os saldos finais declarados em arquivo digital de referência imediatamente anterior; 
  • a integridade das informações e dos lançamentos nos registros; 
  • a consistência dos valores declarados a título de imposto devido com as informações existentes; e 
  • a consistência dos dados contidos no arquivo digital com os demais registros eletrônicos disponíveis do contribuinte.

Apesar de, em grande parte dos casos, o processo de conferência das informações prestadas não comportar alta complexidade, é inquestionável o fato de que o processo de análise e liberação desses créditos se mostra, como regra, deveras demorado – podendo perdurar por dois ou três anos –, não só no que se refere ao Estado de São Paulo, mas em relação também à maioria dos demais Estados da federação.


Quais são os possíveis usos dos créditos de ICMS? Essa utilização pode ser relevante para as empresas?

Paloma Amorim da Cruz Rosa: No âmbito do Estado de São Paulo, o rol das possíveis destinações a serem adotadas pelos contribuintes para a utilização do saldo credor acumulado de ICMS é bastante amplo, se comparado ao rol reservado pelos demais Estados.

Isto porque, no Estado de são Paulo, os créditos acumulados de ICMS podem ser transferidos para outro estabelecimento da mesma empresa, para estabelecimento de empresa interdependente, para estabelecimento fornecedor nas operações de compra de matéria-prima, material secundário ou de embalagem ou, até mesmo, para uso pelo adquirente na fabricação, neste Estado, de seus produtos, bem como para transferência/venda para estabelecimento de empresa não interdependente, em situações específicas previstas pela legislação em vigor.

Portanto, considerando a amplitude das hipóteses em que o saldo credor acumulado de ICMS pode ser utilizado pelas empresas, bem como assumindo que o desempenho de tais operações encontra-se compreendido no dia a dia das empresas, não há dúvidas de que a viabilização da utilização desses créditos acumulados de ICMS pelo Estado de São Paulo representa ferramenta relevante para a manutenção da saúde financeira e da fonte produtiva de grande parte das empresas estabelecidas no Estado.


Como você avalia a decisão do estado de São Paulo de tornar mais ágil o processo de análise e liberação dos créditos de ICMS para os contribuintes considerados bons pagadores?

Paloma Amorim da Cruz Rosa: Sem dúvidas, a decisão do Estado de São Paulo de simplificar e tornar mais ágil o processo de análise e liberação dos créditos acumulados de ICMS para os contribuintes, além de ser extremamente acertada por viabilizar a utilização do saldo credor acumulado de ICMS pelas empresas – em observância ao princípio da não cumulatividade desse imposto –, também merece ser igualmente prestigiada pela forma como foi estabelecida.

A possibilidade de o contribuinte requerer autorização para apropriação de crédito acumulado mediante procedimentos simplificados nas hipóteses em que o contribuinte for classificado nas categorias A+, A ou B do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes”, representa um estímulo para que o contribuinte esteja atento às regras de conformidade tributária. Cria-se uma “norma positiva” que incentiva, por meio da concessão do tratamento simplificado, uma conduta adequada e correta por parte dos contribuintes, ao invés de se impor uma “norma negativa”, destinada apenas a punir ou penalizar o comportamento fiscal desconforme. Afinal, me parece ser consenso que, ao alcançarem por vezes o mesmo objetivo, a “norma positiva de conduta” se mostra inteiramente mais palatável ou passível de ser bem recepcionada do que a “norma negativa de conduta”.

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