“Retrofit” tem direito a benefício fiscal?

Decisão da Justiça permitiu inclusão de requalificação de imóvel em Regime Especial de Tributação

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Uma decisão recente da Justiça jogou os holofotes sobre um tema ainda pouco discutido: a possibilidade de as incorporadoras obterem benefício fiscal por meio da adesão ao Regime Especial de Tributação (RET) nos “retrofits” de imóveis. O “retrofit” abarca situações bem distintas: desde uma reforma, na qual as características arquitetônicas originais são mantidas, até uma requalificação do imóvel (com destinação a usos diferentes e modificação significativa da planta, por exemplo). 

A decisão em questão se refere à Cyrela, que obteve na Justiça o direito de enquadrar o “retrofit” do Edifício Hilton Santos, no Rio de Janeiro, no RET — benefício que havia sido negado pela Receita Federal, que entende que ele é válido apenas para novas construções. Conforme noticiado pelo Valor Econômico, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) irá recorrer da decisão. 

É possível que mais casos do tipo surjam, à medida que aumenta o interesse por esse tipo de requalificação e restauração de imóveis antigos. “Certamente as empresas com projetos de “retrofit” que se adequem aos aspectos da incorporação imobiliária têm chances de obter, via decisão judicial, o direito à fruição do RET”, considera Fernanda Rizzo Paes de Almeida, associada do Vieira Rezende Advogados. 

Como o “retrofit” é novo no Brasil, ainda há questões que precisam ser esclarecidas. Rizzo explica que a incorporação imobiliária pressupõe uma construção que agregará elementos ao terreno, mas a legislação não é clara sobre a extensão dessa construção. Para a advogada, o projeto de “retrofit” pode abranger aspectos da incorporação imobiliária quando há, por exemplo, remodelação de edifício para construção de unidades condominiais autônomas, com finalidade de venda antes ou durante a reforma. “Estando presentes elementos da incorporação no projeto do “retrofit”, seria aplicável o RET a estes casos”, avalia. 

Na entrevista abaixo, Rizzo explica como o RET funciona e como a lei define as incorporações imobiliárias. 


Como as normas definem a incorporação imobiliária?

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: Segundo o artigo 28 da Lei 4.195/64, que rege a matéria, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Nesta atividade, figuram como partes o dono do terreno onde ocorrerá a obra, a construtora, que a realiza, e a incorporadora, que promove a venda das unidades, na planta ou após o término da obra.


No que consiste o Regime Especial de Tributação voltado para incorporações imobiliárias? 

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  O Regime Especial de Tributação (RET), instituído por meio da Lei 10.931/04, é aplicável às incorporações imobiliárias objeto de patrimônio de afetação, em caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de créditos ou obrigações do incorporador junto aos compradores dos imóveis.

Em linhas gerais, o RET Incorporação permite o pagamento unificado de IRPJ, CSLL, Pis e Cofins incidentes sobre o valor total das receitas decorrentes de um determinado empreendimento, recolhidos mensalmente a 4%.

Na definição de receita mensal, incluem-se o total das receitas recebidas pela incorporadora com a venda de unidades imobiliárias, assim como as receitas financeiras e as variações monetárias decorrentes dessa operação. Poderá ser deduzido do total dessas receitas as vendas canceladas, devoluções de vendas e descontos incondicionais concedidos.

Esse regime é opcional, porém, irretratável, uma vez que para ser adotado é preciso realizar uma afetação de patrimônio referente ao empreendimento. Portanto, caso a construtora possua outras obras, ela não estará obrigada ao regime para todas.

A afetação é a segregação patrimonial de bens do incorporador, com o objetivo de assegurar a continuidade da incorporação e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador. 

Depois de concluído o procedimento de afetação, a incorporadora fica sujeita ao pagamento unificado de tributos federais no percentual de 4% da receita mensal recebida, correspondente a 1,26% para o IRPJ; 0,66% para a CSLL; 0,37% para o Pis; e 1,71% para a Cofins.

O incorporador fica obrigado a manter escrituração contábil segregada para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação.


Quais construções podem ser incluídas nesse regime? Ele vale apenas para as novas ou poderia ser aplicado para o “retrofit” de imóveis? 

Fernanda Rizzo Paes de Almeida:  Incorporar significa reunir ou juntar duas ou mais coisas para a formação de um todo. Assim, a incorporação imobiliária pressupõe uma construção que agregará elementos ao terreno. A legislação não é clara sobre a extensão desta construção, mas exige, para que se caracterize a incorporação, que esta seja realizada no intuito de se alienar total ou parcialmente edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, produtos da construção efetuada. Portanto, não há uma exigência clara da legislação sobre a necessidade de se estabelecer uma construção nova para que seja caracterizada uma incorporação imobiliária.

Por sua vez, no ramo da construção civil, segundo o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, considera-se “retrofit” a intervenção realizada em um edifício para se incorporar melhorias e alterar o seu estado de utilidade, recuperando um patrimônio subutilizado ou inutilizado.

Nesse sentido, o “retrofit” poderia englobar desde reformas pontuais até obras de edificação, envolvendo até mesmo demolições e construções no sentido de recuperar a edificação e dar-lhe efetiva utilidade.

Dessa forma, o projeto de “retrofit” poderá abranger aspectos da incorporação imobiliária, quando verificamos, por exemplo, remodelação de edifício, por meio de obra de construção civil, para construção de unidades condominiais autônomas com finalidade de venda antes ou durante a reforma.

Estando presentes elementos da incorporação no projeto do “retrofit”, seria aplicável o RET a estes casos. Portanto, se a incorporadora (cujo projeto de “retrofit” abranger características de incorporação imobiliária nos termos do artigo 2º da Lei 10.931/04) entregar o termo de opção ao RET, registrar memorial de incorporação e afetar o terreno e acessões objetos da incorporação conforme Lei 4.591/64, terá cumprido os requisitos para fruição da tributação mais vantajosa.


Empresas com projetos de “retrofit” têm chances de obter, via Justiça, acesso ao Regime Especial de Tributação?  

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: Certamente as empresas com projetos de “retrofit” que se adequem aos aspectos da incorporação imobiliária têm chances de obter, via decisão judicial, o direito à fruição do RET. Conferir a tais projetos os benefícios do regime é privilegiar a revitalização das cidades e suas construções, de modo a otimizar o uso do solo dentro das práticas mais atuais de desenvolvimento, aproveitamento e sustentabilidade, que devem ser fomentadas, e não limitadas.

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