Relator encontra falhas em acusações de layering

CVM suspendeu três de quatro condenações por causa de problemas nos filtros estatísticos

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No dia 2 de junho, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou acusados em quatro casos de layering, prática ilícita de manipulação do mercado por meio da criação de uma falsa liquidez no livro de ofertas com o intuito de atrair outros investidores. A autarquia utilizou filtros estatísticos durante a investigação; entretanto, encontrou falhas em três das acusações, suspendendo as condenações nesses casos.

De acordo com Pedro Mourão, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, o agente do layering inclui intencionalmente múltiplas ofertas em determinado lado do livro de ofertas sem a intenção de executá-las. Elas são colocadas a vários níveis de preço, melhores do que o usual e momentaneamente praticado pelo mercado. “O objetivo é criar expectativas para os demais participantes em relação à tendência de negociação do ativo, induzindo, portanto, a alteração no processo de formação de preço e viabilizando a execução na ponta contrária do livro de ofertas”, explica.

Por ser artificial, o layering prejudica o mercado e os investidores, à medida que informações constantes do livro são essenciais para a tomada de decisões de investimentos. “Como bem destacado nas considerações iniciais do voto do relator nesse julgado, a informação é o principal bem jurídico tutelado pela intervenção estatal no mercado de capitais”, comenta Mourão. Além disso, a manipulação do mercado infringe a transparência necessária às operações e também o princípio do tratamento igualitário para todos os investidores.

Nos casos julgados, a Superintendência de Mercados Intermediários (SMI) da CVM adotou certos critérios para detectar a prática de layering. Os filtros foram os mesmos de precedentes já julgados pela autarquia: a inserção de — no mínimo — quatro ofertas artificiais no intervalo de dez minutos com o propósito de influenciar investidores, a colocação de oferta no lado oposto do livro, a execução do negócio pretendido e o cancelamento de todas as ofertas artificiais após a etapa anterior. 

Filtros estatísticos de detecção de layering e outros ilícitos precisam de aprimoramento

Ocorre que, depois das condenações, o relator Gustavo Machado Gonzalez chegou à conclusão de que houve falhas na detecção dos ilícitos. “Ele concluiu que nem toda oferta está apta a falsear o mercado. Dessa forma, não seria possível afirmar que um conjunto pouco expressivo de ofertas pode distorcer o preço do outro lado do livro de modo a melhorar as condições de execução de uma ordem substancialmente maior”, detalha Mourão. 

O relator também julgou que o tempo de dez minutos seria muito longo para a prática ser apta a produzir os resultados pretendidos, e que o critério da SMI não estabelece um tempo mínimo de permanência da oferta no livro antes de seu cancelamento para que seja considerada como artificial. Por fim, seria difícil concluir que uma oferta colocada em um dos lados do livro é idônea para alterar o comportamento do lado oposto. “Nesse sentido, é possível concluir que os parâmetros utilizados precisam ser aprimorados — até porque apregoar em ambos os lados do livro ou cancelar ofertas após a sua colocação no livro não denota, por si só, qualquer irregularidade”, analisa Mourão.

O advogado afirma que julgamentos anteriores da CVM demonstram a importância dos filtros estatísticos para levantamento e auxílio na investigação de determinados ilícitos. Mas, como destacado pelo relator, os parâmetros devem ser determinados de acordo com cada caso específico, analisando sua peculiaridade. “Isso porque, além de não se tratar de prova absoluta, há de se concordar com o relator no sentido de que deve ser considerada ‘prova indireta’ — ou seja, podendo ser contraditada”, completa.

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