Refis da crise em julgamento no STJ

Ministros avaliam forma de cálculo dos descontos oferecidos aos contribuintes

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Está sob julgamento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a forma de cálculo dos descontos oferecidos aos contribuintes no âmbito do programa conhecido como Refis da crise, instituído em 2009. A discussão gira em torno da cobrança de juros de mora sobre multas que haviam sido perdoadas na adesão ao parcelamento previsto no programa.

“O programa foi lançado como modalidade de parcelamento de débitos tributários em razão da crise econômica mundial vivenciada em 2008. Entretanto, o plano foi reaberto em 2013 e teve prazo estendido até 2014”, acrescenta Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados.

Como explica Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz, Capuruço, Braichi Riccio Advogados, o chamado Refis da crise foi o programa de parcelamento de dívidas federais instituído pela Lei 11.941/09. “Se a opção do contribuinte fosse para pagamento à vista, o programa previa o desconto de 100% das multas de mora e de ofício, 100% dos encargos legais, 40% das multas isoladas e de 45% dos juros de mora”, detalha.

Na avaliação de Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, há uma questão relativa à redação da lei. “Ela não distinguiu, com a clareza desejável, se essa redução de 45% relativa aos juros atingiria todo o crédito tributário, incluindo aí os juros moratórios relativos ao não pagamento das multas, ou seria referente apenas à obrigação principal, isto é, o valor do tributo”, destaca.

Por enquanto o placar no STJ é favorável ao fisco, numa maioria de quatro votos a dois. Mantida essa maioria, ficariam mantidas as condições de cobrança no Refis da crise. Em contrapartida, se houver uma virada, os contribuintes podem alcançar a possibilidade de pleitear a restituição de valores pagos indevidamente. Além disso, será possível a extensão do novo entendimento a outros programas de parcelamento, com prejuízos ainda maiores para o fisco. Faltam quatro votos para a conclusão do julgamento.

Importante lembrar, ressalta Coimbra, que há prescrição em curso. “Somente seriam recuperáveis os valores efetivamente pagos, a título de juros sobre as multas anistiadas, nos últimos cinco anos”, afirma.

A seguir Massoli, Braichi e Coimbra discutem outros aspectos desse programa de recuperação fiscal.


Os ministros do STJ estão analisando a forma como devem ser calculados os descontos no âmbito do chamado Refis da crise. O que está sendo julgado na corte?

Em decorrência da crise econômica vivenciada em 2008, foi publicada a Lei 11.941/09, oferecendo a possibilidade de parcelamento de débitos tributários, com considerável redução das penalidades.

Especialmente, no art. 1º, § 3º, inciso I da referida lei, há menção expressa sobre o desconto de 100% da multa em caso de pagamento à vista do débito. Contudo, a redação não é clara com relação aos juros incidentes sobre a multa.

A Fazenda alega que deve haver redução equitativa proporcional da penalidade. Já os contribuintes entendem que os juros, por decorrerem da multa — extinta — não podem ser aplicados.

O Refis da crise foi o programa de parcelamento de dívidas federais instituído pela Lei 11.941/09. Se a opção do contribuinte fosse para pagamento à vista, o programa previa o desconto de 100% das multas de mora e de ofício, 100% dos encargos legais, 40% das multas isoladas e de 45% dos juros de mora. A discussão constante do Eresp 1404931 diz respeito à forma de cálculo dos juros de mora.

Para o fisco, ao aderir ao parcelamento, a dívida era consolidada e eram calculados os juros de mora. A partir dessa base, operam-se descontos de 100% sobre as multas e de 45% de desconto sobre os juros de mora.

Já o contribuinte alega que não podem ser cobrados os juros de mora sobre a multa de mora, uma vez que a multa foi perdoada — e os juros, como acessórios, devem ser tratados da mesma forma que a multa perdoada. Ou seja, a Fazenda dispensa a cobrança da multa (100% de desconto), e, por isso, não poderia determinar cobrança dos juros de mora sobre valor perdoado.

O Refis da crise (Lei 11.941/09), dentre outras disposições, estabelece que o contribuinte optante pelo pagamento à vista de débito fiscal será beneficiado com redução de 100% do valor das multas de ofício e de 45% dos juros de mora. A redação da lei, que poderia ter sido mais clara, enseja a seguinte dúvida: a redução de 100% sobre as multas seria aplicável ao seu consectário, a saber, juros sobre as multas — e, nessa toada, a redução de 45% seria cabível aos juros computados sobre o valor do principal (valor do tributo) — ou os juros incidentes sobre as multas seriam reduzidos em 45%?

Portanto, a lei não distinguiu, com a clareza desejável, se essa redução de 45% relativa aos juros atingiria todo o crédito tributário, incluindo aí os juros moratórios relativos ao não pagamento das multas, ou seria referente apenas à obrigação principal, isto é, o valor do tributo.

Está posta em discussão no STJ a definição do percentual de descontos aplicável aos juros de mora incidentes sobre as multas. Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o montante de descontos aplicáveis aos juros de mora relativos às multas seria de 45%. Para o contribuinte que ingressou no Judiciário, o montante seria de 100%.

Na nossa opinião, é necessário relembrar que, não havendo mais multa de ofício a se pagar, mercê do desconto de 100%, não faria qualquer sentido a cobrança de juros. A bem da verdade, de acordo com as regras rudimentares da matemática, juros sobre nada seriam nada.

Juridicamente, há de se recordar que, na esteira do brocardo jurídico accessonum sequitur suum principale — ou seja, o acessório segue o principal. A manutenção do pagamento dos juros configuraria a criação de uma nova figura de juros exigíveis isoladamente, o que constituiria uma aberração e contrassenso jurídico.

O contribuinte obteve decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias e também na Primeira Turma do STJ. A PGFN interpôs recurso contra essa última decisão, sob o fundamento de haver divergência de entendimento entre a primeira e a segunda turmas do tribunal, e o caso foi levado a julgamento à Primeira Seção do STJ, onde se reúnem os ministros de ambas as turmas. O placar do julgamento está atualmente em 4 a 2, favoravelmente à União, faltando os votos de quatro ministros para conclusão do julgamento.


Em linhas gerais, no que consistia o Refis da crise?

O Refis da crise foi lançado como modalidade de parcelamento de débitos tributários em razão da crise econômica mundial vivenciada em 2008. Contudo, o plano foi reaberto em 2013 e teve prazo estendido até 2014. Esse programa de recuperação fiscal tinha como objetivo justamente promover o pagamento parcelado de tributos, além da redução ou mesmo o decote de multa e juros em caso de ausência de pagamento de tributos.

O parcelamento denominado Refis da crise foi instituído pela Lei 11.941, em 2009. Foi criado com o intuito de reduzir os efeitos da crise mundial de 2008 sobre a economia brasileira. A adesão para o programa foi reaberta duas vezes em 2013, e posteriormente o prazo de adesão foi ampliado para 25 de agosto de 2014.

Como os demais programas, o Refis da crise previu incentivos para atrair os contribuintes a regularizarem sua situação com o fisco. Assim, no caso do Refis da crise, o maior benefício concedido foi a possibilidade de parcelar os débitos em até 180 meses, isto é, 60 parcelas a mais que o parcelamento ordinário da Receita Federal.

O Refis da crise representou uma oportunidade para o acerto de contas entre os contribuintes não adimplentes (inclusive, alcançando o saldo remanescente de débitos consolidados em parcelamentos especiais anteriores). Basicamente, tratou-se de um programa especial de parcelamento e anistia de créditos tributários e seus consectários, publicado em 2009. No contexto da crise de 2008, teve como propósito amortecer os efeitos econômicos negativos do cenário então vivenciado e oferecer uma oportunidade para contribuintes quitarem seus débitos com o fisco e restabelecerem sua regularidade perante o fisco.


Qual tende a ser o impacto da decisão do STJ, considerando os interesses de contribuintes e União?

Havendo decisão favorável aos contribuintes, ou seja, apontando que o desconto da totalidade da multa também acarreta a ausência de incidência de juros, os contribuintes que realizaram o pagamento dos juros certamente irão recorrer ao Poder Judiciário pleiteando a restituição das parcelas pagas.

O impacto dessa decisão será o questionamento de pagamentos realizados no âmbito do programa, com a obrigatoriedade de o fisco federal restituir os valores pagos indevidamente aos contribuintes. Assim, caso o STJ decida a questão em favor dos contribuintes, isto é, impedindo a cobrança dos juros de mora sobre a multa perdoada, estima-se que a arrecadação do Refis da crise seria reduzida em 5%.

Mas o efeito será ainda mais prejudicial para o fisco federal, pois a decisão pode servir de base para discussão da metodologia de cálculo de outros programas de parcelamento. Entre eles, o Pert, de 2017, que teve a mesmo tratamento para o cálculo dos juros de mora. No caso do Pert, a PGFN estima que a perda para a União seria de 3 bilhões de reais caso seja afastada a cobrança dos juros sobre a multa perdoada.

Caso o julgamento conclua não serem devidos os juros de mora sobre as multas de ofício, os contribuintes que aderiram ao Refis da crise poderão obter no Judiciário requerendo-se a repetição do indébito relativo aos juros de mora sobre as multas de ofício. Importante lembrar que há prescrição em curso. Somente seriam recuperáveis os valores efetivamente pagos, a título de juros sobre as multas anistiadas, nos últimos cinco anos.

Sob esse aspecto, quanto antes os contribuintes ajuizarem sua pretensão, melhor.

Ademais, o julgamento servirá de paradigma para se discutir outros parcelamentos e programas de remissão, haja vista que edições posteriores do Refis têm a mesma metodologia de cálculo, também prevendo a cobrança de juros sobre a multa de ofício anistiada. Segundo cálculos da PGFN, alardeando, em tom apocalíptico, seus já desgastados e pouco críveis (sem qualquer perícia!) argumentos consequencialistas, somente para o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), de 2017, poderia haver um impacto de pouco mais de 3 bilhões de reais em débitos repetíveis.

 

 

 

 

 

 

 

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