Redução de capital em venda de ativos: planejamento tributário abusivo?
Quando se fala sobre práticas que podem reduzir a tributação em operações societárias, ainda há uma linha tênue entre o que é considerado planejamento tributário que resulta em evasão fiscal, considerado abusivo, e o planejamento que se utiliza das previsões da lei tributária para garantir uma menor tributação ao caso concreto.
Uma dessas situações — em que o contribuinte pode utilizar da prerrogativa legal — é a possibilidade de redução do capital de sociedades com entrega de ativos aos sócios.
A redução de capital é uma operação em que os sócios da empresa recebem, seja por meio de bens ou dinheiro, parte do capital que foi investido na sociedade em contrapartida à diminuição do capital que é afetado para a empresa. De acordo com a legislação societária — Código Civil e Lei das S.As. — a redução de capital só poderá ocorrer quando houver perdas ou se o capital estiver excessivo em relação ao objeto da sociedade.
Considerando que o capital excessivo é algo subjetivo ao negócio desenvolvido pela sociedade, não há maiores impedimentos à redução de capital.
A controvérsia tributária está em torno do objetivo pelo qual o bem é entregue ao sócio a título de redução de capital. A Receita Federal recorrentemente assume que o motivo pelo qual a operação de redução de capital foi feita é meramente para aproveitamento de carga tributária mais benéfica.
Como se sabe, a tributação para pessoas físicas e jurídicas é distinta. Pela regra geral, as sociedades adotam uma carga tributária inferior para receitas operacionais em contrapartida aos rendimentos por trabalho. Todavia, as pessoas físicas suportam carga tributária inferior em relação ao ganho de capital — alíquotas de Imposto de Renda de 15% a 22,5% — se comparadas às pessoas jurídicas que podem chegar a tributação combinada de 34%, contando Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A diferença principal no caso em questão está relacionada ao ganho de capital. A regra geral é que esse ganho é auferido pela diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição de um bem. O resultado dessa diferença é a base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL. Por consequência, quanto maior a alíquota, maior o saldo a recolher de tributos.
Logo, a venda de bens na pessoa física tende a ser mais vantajosa tributariamente.
“A sociedade que realiza redução de capital para posterior venda de bem pela pessoa física (sócio) está apenas utilizando a legislação a seu favor, não abusando da legalidade. Contudo, não se pode concluir que todas as operações nesse sentido estão amparadas pela lei.”
Controvérsia da redução de capital
Ante a carga tributária inferior para a venda de ativos na pessoa física, a redução de capital com a consequente entrega de bens da sociedade para os sócios permite que a venda desses bens ocorra pela pessoa física e, portanto, seja utilizada a tributação mais benéfica.
Em síntese, a controvérsia se baseia no fato de que a Receita Federal questiona se a redução ocorreu apenas para aproveitamento dessa vantagem tributária. Ou seja, se, na realidade, a venda ocorreu pela pessoa jurídica, mas para aproveitamento da carga tributária inferior, foi feita a redução de capital e formalmente o sócio assumiu a venda e a carga tributária.
A legislação societária e tributária permite que a redução de capital ocorra, determinando inclusive o valor pelo qual os bens serão remetidos aos sócios e, consequentemente, o custo de aquisição utilizado para o cálculo do ganho de capital.
Diferentemente do que a fiscalização da Receita Federal alega em diversas autuações recebidas pelos contribuintes, a legislação em vigor não determina a necessidade de um motivo — salvo a ocorrência de perdas ou identificação de capital social excessivo — para que redução ocorra. Ou seja, caso o bem seja entregue ao sócio e este, em sua liberalidade, decida vender o bem e recolha o eventual Imposto de Renda devido sobre o ganho de capital, não há que se falar em planejamento tributário abusivo. O que se identifica é que a sociedade que realize a redução de capital para posterior venda de bem pela pessoa física (sócio) está apenas utilizando a legislação a seu favor e não abusando da legalidade.
Contudo, não se pode concluir que todas as operações nesse sentido estão amparadas pela legislação. Ainda existem situações em que os contribuintes se aproveitam da determinação legal para estruturar uma operação que só existe formalmente, de forma que a venda, a disposição de recursos e a negociação são feitas todas pela pessoa jurídica, enquanto a pessoa física só é a nova proprietária do bem.
Posicionamento do Carf sobre a redução de capital com posterior venda de ativos
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não possui entendimento consolidado sobre o assunto, de forma que existem tanto decisões favoráveis quanto desfavoráveis aos contribuintes.
Isso ocorre porque o Conselho analisa o caso concreto, identificando situações em que a permissão da Lei nº 9.249/95 foi utilizada dentro de uma linha racional, como nos recentes acórdãos nº 1401-002.307 e nº 1201-002.082, neste em que se lê “(…) o real alienante de participação societária eram as acionistas pessoas físicas/jurídicas (acionistas controladores), incorreta a sua descaracterização, para fins fiscais, sendo, assim, indevida a atribuição de sujeição passiva da obrigação tributária à pessoa jurídica (holding)”.
Percebe-se que no trecho em questão o Carf não só identifica, mas também valida o interesse do contribuinte em reduzir o capital da sociedade para viabilizar a venda do ativo pela pessoa física. Também identifica o propósito negocial na operação, uma vez que se entende que o bem já era – na realidade – de propriedade da pessoa física.
O propósito negocial, em linhas gerais, é pautado em verificar se houve um objetivo negocial, econômico ou financeiro em realizar a operação na forma em que foi apresentada. Consequentemente, a ausência de propósito negocial se manifesta em situações em que a operação só existiu apenas pró forma para utilizar de alguma prerrogativa (como a tributação) que resulte em melhor proveito para as partes.
A análise do propósito negocial está diretamente vinculada à (in)existência de simulação nas estruturas. Isso porque dolo, fraude e simulação são consideradas condutas contrárias à legislação tributária e, portanto, qualquer operação em que se identifique uma ou mais dessas condutas será desconsiderada pela administração pública.
Em outros julgados, em sentido contrário, o Conselho não reconheceu o direito do contribuinte de realizar a operação de redução de capital com posterior venda, descaracterizando a estrutura montada pelo contribuinte. Destaca-se a ementa do acórdão nº 1302-003.286, em que se lê “o artigo 22 da Lei nº 9.249/95 não é um dispositivo legal que autoriza o contribuinte alterar a realidade fática do negócio, por meio de redução de capital e transferência de ativos e bens, tão somente para permitir a tributação do ganho de capital na pessoa física do sócio, e não na pessoa jurídica”.
O que se extrai de ambos os trechos em destaque é que o objetivo do Carf é analisar a realidade da operação. Confira-se que tanto no primeiro julgamento (favorável) quanto no segundo (desfavorável), foi trazida para a análise a real situação que motivou a operação. Logo, entende-se que — ao menos nos casos em tela — o objetivo do Conselho é evitar a simulação e tributar o contribuinte com base na operação que resultou na venda.
Como mensurar o risco da redução de capital
A ausência de entendimento único do Conselho traz, inegavelmente, ausência de segurança ao contribuinte que pretende fazer uso da prerrogativa legal da redução de capital.
De qualquer forma, o que se pode recomendar a qualquer sociedade ou sócio que planeje realizar a redução de capital é que adote essa estrutura — redução de capital com posterior venda de ativos pela pessoa física — quando houver propósito na estrutura e quando for possível demonstrar que a venda realmente está acontecendo na pessoa física, evitando qualquer imputação de simulação à operação.
Em resumo, a redução de capital com venda de ativos na pessoa física não é um planejamento tributário abusivo, desde que ocorra de acordo com a realidade da operação e que se possa demonstrar o propósito negocial. Ainda assim, o que se espera é que o Carf consiga exprimir seu entendimento de forma mais uniforme, garantindo aos contribuintes maior segurança jurídica.
*Colaborou Júlia Barreto, advogada do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.
Excelente e pouco explorado assunto.
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