Proteção de dados pessoais alcança novo status

Emenda Constitucional 115/22 insere tema no rol dos direitos fundamentais e deve fortalecer LGPD

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A inclusão da proteção de dados pessoais como um direito fundamental presente na Constituição deve fortalecer a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e aumentar a segurança jurídica em relação ao assunto. A Carta Magna passou a estabelecer esse direito por meio da Emenda Constitucional 115/22, publicada no Diário Oficial da União no dia 10 de fevereiro.

“Uma norma que se enquadra no rol dos direitos fundamentais e se torna cláusula pétrea é hierarquicamente superior às demais, ou seja, em um possível conflito de normas, deverá ser observada qual delas deverá prevalecer”, explica a advogada Aline Pelet Teles de Menezes, associada do Mírian Gontijo Advogados. Outro ponto estabelecido pela emenda é a competência da União para legislar e fiscalizar temas relacionados à proteção de dados, o que reflete uma preocupação com a uniformização das regras no território nacional.

Menezes considera ainda que a emenda deve ter reflexos sobre a aplicação da LGPD, na medida em que demonstra o compromisso do Estado em reforçar a importância prática da lei e seus impactos no mercado internacional. “Com essa novidade, o Brasil passa a fazer parte dos países que possuem um regramento sólido na seara da privacidade e dados pessoais”. 

Na entrevista abaixo, Menezes aborda a importância desse reconhecimento. 


Quais são os principais pontos da Emenda Constitucional 115/22, no que diz respeito aos dados pessoais? 

Aline Pelet Teles de Menezes: A Emenda Constitucional 115/22 estabelece um importante avanço no ordenamento jurídico brasileiro, elencando a proteção de dados como direito fundamental previsto no rol do artigo 5º da Constituição Federal (CFRB/88).

Além disso, ao estabelecer a competência da União para legislar e fiscalizar a proteção de dados, o legislador deixa expresso que haverá um sistema unificado, no qual as instituições criadas para esse fim vão trabalhar para garantir a defesa dos direitos do cidadão.


Por que a inclusão da proteção de dados pessoais no rol de direitos fundamentais previstos pela Constituição é importante, dado que o Brasil já conta com uma lei para tratar do assunto (a LGPD)? 

Aline Pelet Teles de Menezes: A inclusão do direito a proteção dos dados pessoais como direito fundamental demonstra o compromisso do legislador em evitar que o cidadão tenha seus dados e sua privacidade violados. Uma norma que se enquadra no rol dos direitos fundamentais e se torna cláusula pétrea é hierarquicamente superior às demais, ou seja, em um possível conflito de normas, deverá ser observada qual delas deverá prevalecer. E em caso de normas de mesma hierarquia, o operador do direito tem a incumbência de analisar e sopesar qual norma melhor se adequa ao caso concreto.

A emenda constitucional também reflete na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pois demonstra o compromisso do Estado em reforçar a importância prática da lei e seus reflexos no mercado internacional. O Brasil passa a fazer parte dos países que possuem um regramento sólido na seara da privacidade e dados pessoais.

Essa inovação legislativa contribui para que o País atraia um número mais expressivo de investidores na área de tecnologia e segurança da informação. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia reconhecido em 2020, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.393, a proteção de dados e a autodeterminação informativa como direitos fundamentais autônomos. Em decisão inédita, entendeu-se excessiva a conservação de dados pessoais por parte de órgãos públicos, pelo período superior a 30 dias após o atendimento da finalidade declarada. Essa decisão, além de conferir especial proteção individual ao cidadão, ainda delimitou a intervenção estatal, demonstrando que o poder público também deverá se adequar às novas regras.

Em se tratando de relação entre particulares, podemos citar como exemplo a veiculação de uma informação particular de pessoa pública, na qual não houve consentimento. Nessa situação, estamos diante de um conflito entre o direito à proteção de dados pessoais e o direito de informação e liberdade de expressão dos profissionais de comunicação. A análise sobre qual direito fundamental terá maior valoração irá depender das circunstâncias do caso concreto, pois são normas hierarquicamente iguais, portanto, em tese, uma não se sobrepõe à outra.


A previsão de que apenas a União possa legislar sobre a questão pode trazer mais segurança jurídica? 

Aline Pelet Teles de Menezes: A decisão do legislador de que apenas União é competente para legislar sobre a matéria reflete uma preocupação com a uniformização das regras no território nacional, o que certamente trará maior segurança jurídica para a sociedade e fortalecerá a LGPD, editada em 2018. Com a promulgação da emenda, a LGPD se consolida como a principal fonte de regulamentação de proteção de dados, reforçando o trabalho que já vem sendo feito pela Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD).


O que deve acontecer com as leis e propostas legislativas estaduais e municipais que tratavam de dados pessoais? Elas imediatamente perdem a validade, após a promulgação da Emenda Constitucional 115/22?

Aline Pelet Teles de Menezes: Entendo que não há revogação neste caso. A constitucionalidade das leis poderá ser questionada sob o ponto de vista formal e material. Trata-se de tema afeto à distribuição de competências material e legislativa. E pelo status constitucional dado ao tema como direito fundamental, a União assume a competência material e legislativa por ser um assunto de interesse geral. Contudo, o próprio texto constitucional permite que por lei complementar os estados poderão ser autorizados a legislar sobre questões específicas relacionadas à proteção e tratamento de dados, principalmente quando houver interesse local.


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