Projeto quer revogar norma de exceção para o voto de qualidade no Carf

Ministério da Economia edita portaria contrariando o que estabelece a legislação sobre o tema

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O voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) permanece como ponto central de controvérsias, embora a Lei 13.988/20 tenha passado a prever que, em caso de empate no conselho, a decisão deve ser pró-contribuinte. Recentemente, o Ministério da Economia regulamentou esse ponto por meio de uma portaria, prevendo exceções que suscitaram uma reação da Câmara dos Deputados no sentido de sua revogação, por meio do Projeto de Decreto Legislativo 316/20.

A Portaria 260/20, em seu art. 2º, restabelece o voto de qualidade do Carf para caso de empate nas votações, o que gerou controvérsia em relação aos limites de atuação do Ministério da Economia, que teria ultrapassado suas prerrogativas. Segundo as críticas, a portaria claramente contraria a Lei 13.988/20, que em seu art. 19-E estabelece a extinção do voto de qualidade, de modo que julgamentos terminados em empate passariam a ter resultado mais favorável ao contribuinte. 

Não é a primeira vez que se tenta alterar o que ficou determinado pela Lei 13.988/20 quanto aos casos de empate nos julgamentos do Carf. Recentemente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicou sua avaliação de inconstitucionalidade da regra. 

O PDL 316/20, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), pretende revogar a Portaria 260/20 do Ministério da Economia, sob a justificativa de que a norma “exorbita em seu poder de regulamentar e contraria legislação aprovada pelo Congresso Nacional que extinguiu o voto de qualidade nos casos de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário”. O PDL 316/20 destaca, ainda, que “em nenhum momento houve delegação legislativa quanto à regulamentação desta matéria ao Poder Executivo”. No momento, o PDL 316/20 está nas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania, para análise de mérito.

A seguir, Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, e Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, tratam dos conteúdos da portaria e do PDL e também das implicações da situação para os contribuintes.


Foi apresentado na Câmara dos Deputados um projeto de decreto legislativo (PDL 316/20) que revoga a norma do Ministério da Economia que estabeleceu exceções para o voto de desempate no Carf. O que diz a Portaria 260/20 do Ministério?

Poucos meses depois da publicação da Lei 13.988/20 (que extinguiu o voto de qualidade no Carf), o Ministério da Economia aprovou a Portaria 260/2020 para disciplinar os julgamentos do conselho que terminem em empate — situação em que o voto de qualidade era utilizado. A norma tem certas limitações à aplicação de desempate em favor do contribuinte, como por exemplo a inaplicabilidade dessa disposição em favor do responsável tributário. Também há vedação da aplicação do critério de desempate em julgamento de embargos de declaração. Ou seja, a portaria acabou por diminuir o alcance da lei.

A Portaria 260/20, em seu artigo 2º, restabelece o voto de qualidade do Carf para caso de empate nas votações. O voto de qualidade era tema bastante polêmico quando se tratava da análise administrativa dos julgamentos tributários, justamente porque proporcionava ao representante fisco realizar o voto de minerva no caso de empate, em um órgão teoricamente paritário. Com o advento da Lei 13.988/20, foi colocado fim no voto de qualidade, de modo que casos com julgamento empatado teriam o resultado mais favorável ao contribuinte. Assim, por mera portaria, há tentativa do Ministério da Economia em retornar a aplicabilidade do voto de qualidade, até então existente.


Qual o objetivo do projeto de decreto legislativo?

O projeto de decreto legislativo tem como objetivo sustar a Portaria 260/20, para impossibilitar a restrição do fim do voto de qualidade a somente uma parcela dos julgamentos. A proposta parte da premissa de que a Lei 13.988/20 não restringiu o desempate favorável ao contribuinte e, portanto, o Ministério da Economia extrapolou sua função ao criar limitações não previstas na legislação.

O decreto busca justamente reviver o voto de qualidade para julgamentos com resultado de empate no Carf. O voto de qualidade era figura que afastava o caráter paritário do órgão, justamente por atrair maior peso ao voto representante do estatal com relação ao voto do representante dos contribuintes.


Na sua opinião, a Portaria 260 contraria o que dispõe a Lei 13.988/20 sobre o voto de qualidade? Em que sentido?

A Lei 13.988/20 dispõe que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/72, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte. Diferentemente disso, a portaria editada pelo Ministério da Economia limita a aplicação da lei — editada em sentido amplo — para as situações específicas escolhidas pelo Poder Executivo. Trata-se, claramente, de violação ao alcance da portaria, que está vinculada aos dizeres da lei, não podendo incluir limitações não propostas pelo legislador.

A portaria contraria claramente a Lei 13.988/20, pois o art. 19-E estabeleceu justamente a extinção do voto de qualidade, de modo que julgamentos terminados em empate teriam resultado mais favorável ao contribuinte. Com o retorno do voto de qualidade, a modificação legislativa é restringida. Naturalmente, por se tratar de mero decreto restritivo de lei, sua aplicabilidade é ilegal.


Por que, na sua avaliação, apesar de uma lei recente tratar do voto de qualidade o assunto continua causando controvérsia?

Acredito que existem dois aspectos controversos principais. Em primeiro lugar, ainda não há definição sobre a constitucionalidade da estratégia adotada pela Lei 13.988/20 para extinguir o voto de qualidade. Isso porque o art. 28 é resultante de emenda aglutinativa que não teria pertinência temática com as matérias previstas na Medida Provisória 899/19, cuja conversão deu origem à Lei 13.988/20.

Além disso, a aplicação do voto de qualidade foi uma realidade constante por muitos anos no Carf. Esse cenário permitiu que a Fazenda Nacional fosse vitoriosa em uma série de julgamentos polêmicos (que comumente terminavam em empate) e com alto valor envolvido. Não em vão, o fisco alega o risco de prejuízo à arrecadação em casos em que a controvérsia de mérito não for totalmente solucionada, considerando o empate entre os conselheiros. Pela visão da Fazenda, o contribuinte será beneficiado pela ausência de consenso entre os conselheiros, uma vez que o débito será extinto apesar de não haver consenso quanto ao direito pleiteado.

As questões referentes ao fim do voto de qualidade serão decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI nº 6415, que busca a declaração de incompatibilidade da Constituição Federal com o artigo 28 da Lei 13.988/20. Possivelmente, o resultado trará mais chances de pacificação da matéria.

O assunto continua causando controvérsia porque a nova sistemática estabelecida pela Lei 13.988/20 inverteu a situação até então vigente. Se, de um lado, o voto de qualidade deixou de existir, por outro, o voto do representante dos contribuintes no Carf passou a ter um peso desproporcional, justamente porque no empate a interpretação do resultado será a mais favorável ao contribuinte.


Na prática, quais os prejuízos dessa insegurança jurídica para os contribuintes?

Efetivamente, como o tema ainda é nebuloso, não se pode afirmar com segurança as diretrizes futuras de julgamentos do Carf. Sendo assim, o contribuinte não tem previsão acerca do procedimento ao qual será submetido, o que mina seus mecanismos de defesa e qualquer previsibilidade sobre o desfecho do julgamento. No entanto, há de se destacar que o avanço da legislação já tornou possível vislumbrar um desfecho para a controvérsia, o qual, possivelmente, será favorável ao contribuinte.

O prejuízo é significativo, já que afasta a própria credibilidade e segurança jurídica das decisões do Carf, de maneira que diversas decisões tomadas com ou sem a aplicação do voto de qualidade deverão ser discutidas novamente com o acréscimo do elemento legislativo. Enfim, qual regra aplicar? A Lei 13.988/20 ou a Portaria 260/20? Em nossa opinião a portaria é ilegal; todavia, havendo a regra emanada pelo ente governamental, há sempre mais um elemento para acalorar a discussão, o que seria dispensável.

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