Projeto pioneiro de concessão atrai interesse de investidores

Primeiro leilão de serviços de coleta e tratamento de resíduos sólidos é realizado com sucesso

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Em abril, oito municípios do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Regional do Vale do Rio Grande (Convale), no Triângulo Mineiro, uniram-se numa iniciativa inédita. Eles lançaram um edital para conceder à iniciativa privada os serviços de coleta e tratamento de resíduos sólidos domiciliares e destinação adequada (aterro sanitário) de resíduos da limpeza urbana. A concessão tem prazo de 30 anos, deve atender a 400 mil habitantes e movimentar 1 bilhão de reais. 

O vencedor do leilão foi o Consórcio S (Soma Ambiental e Seleta), que ofereceu um desconto de 30% sobre a tarifa de coleta dos resíduos. Embora houvesse mais interessados, apenas outro consórcio apresentou proposta, a ViaSolo (Solví e construtora Barbosa Mello).

“O resultado é positivo. Seria melhor se mais empresas tivessem participado, especialmente as que têm sido ativas nos editais de saneamento, como Iguá, Aegea e Águas do Brasil. Mas em parte esse foi o custo do pioneirismo do Convale”, afirma o advogado Luciano Costa, sócio do Fleichman Advogados. Ele explica que a união de municípios em consórcios é complexa e desafiadora, mas que esse modelo é o mais adequado para serviços envolvendo resíduos sólidos, que requerem elevados níveis de investimento e volume para serem financeiramente viáveis. 

Um dos pontos que merecem atenção, considera Costa, diz respeito à capacidade de o Convale (no caso, o poder concedente) de exigir o cumprimento das obrigações pelos municípios participantes. “É importante que esse arranjo institucional tenha resistência para funcionar bem pelos 30 anos de concessão. Para futuros editais, pode ser interessante estabelecer regras mais fortes de governança, por meio da previsão de grupos conjuntos de trabalho e arbitragem de eventuais disputas”, avalia.

Na entrevista abaixo, Costa detalha aspectos importantes do edital do Convale e possíveis aprimoramentos nas próximas concessões do tipo. 


Em linhas gerais, o que previu o edital de concessão dos serviços de manejo de resíduos sólidos do Convale?

Luciano Costa: O Convale é um consórcio com 13 municípios do interior de Minas Gerais, sendo Uberaba o maior deles. Um grupo de oito desses municípios lançou um edital para conceder a uma empresa os serviços de coleta e tratamento de resíduos sólidos domiciliares e de destinação adequada (aterro sanitário) dos resíduos da limpeza urbana.

O prazo da concessão é de 30 anos, e a expectativa é que mais de 1 bilhão de reais de investimentos ajudem a atender 400 mil habitantes. A concessionária também terá que implementar programas socioambientais de educação e capacitação da comunidade.

O tipo de concessão utilizado foi a comum, o que significa que a prestação dos serviços será inteiramente custeada pelas tarifas pagas pelos usuários, e o critério para a escolha dos vencedores foi o maior desconto sobre a tarifa base estabelecida no edital.

O projeto foi apoiado pelo Fundo de Apoio à Estruturação de Concessões e Parcerias Público Privada (FEP) do Ministério da Economia, que é administrado pela Caixa Econômica Federal.

Embora o edital contivesse um plano de negócio referencial, o modelo de atuação é de livre escolha da concessionária, que deve, no entanto, atender às metas previstas no contrato, de acordo com os indicadores de desempenho. A operação da concessionária será regulada pela Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico de Minas Gerais (Arisb).


O edital da concessão foi questionado por concorrentes. Quais foram os pontos que levantaram insatisfação e o que pode ser aprimorado nos próximos editais do tipo?

Luciano Costa: Houve três questionamentos e quatro impugnações. Os questionamentos levantaram pontos técnicos e operacionais do edital, com destaque para as questões apresentadas pela Viasolo, focadas em vários aspectos técnicos do caderno de encargos e na matriz de risco, e que foram todas esclarecidas pelo Convale. No caso das impugnações, foram levantadas algumas questões de menor relevância, como o pouco tempo para análise do projeto e alguns detalhes de redação e interpretação dos termos do edital. Os pontos impugnados que mereceram análise mais cuidadosa da comissão tratavam de exigências técnicas, consideradas pouco claras por alguns interessados, das metas de desempenho, consideradas agressivas, bem como dos valores estimados de receita e custos. 

Embora a comissão tenha respondido de forma adequada às impugnações, parece que as questões técnicas não ficaram claras para a maioria dos interessados — sendo certo que esse é um ponto que merece atenção em futuros editais. Os aspectos financeiros e de custos operacionais, que estão relacionados à adequação e implementação das soluções técnicas, também podem ser aprimorados, fazendo uso, inclusive, do aprendizado que virá da operação dessa concessão. 

Um ponto abordado em uma das impugnações e que merece avaliação é a capacidade de o Convale — que é o poder concedente — de exigir o cumprimento das obrigações pelos municípios participantes. Em outras palavras, o quão forte é o contrato de programa celebrado entre os municípios e o Convale para garantir o cumprimento das regras pelos municípios. É importante que esse arranjo institucional tenha resistência para funcionar bem pelos 30 anos de concessão. Para futuros editais, pode ser interessante o estabelecimento de regras mais fortes de governança, por meio da previsão de grupos conjuntos de trabalho e arbitragem de eventuais disputas. Também seria interessante a constituição de fundos garantidores ou, no limite, que as receitas municipais fossem atreladas ao cumprimento das obrigações para com a concessionária.

O modelo de cobrança, atrelado ao consumo de água das residências, também foi questionado, mas o fato é que tal modelo já é usado e, no momento, não parece haver nada melhor.


Qual é a sua avaliação sobre o resultado do leilão?

Luciano Costa: O resultado é positivo. Seria melhor se mais empresas tivessem participado, especialmente as que têm sido ativas nos editais de saneamento, como Iguá, Aegea e Águas do Brasil. Mas em parte esse foi o custo do pioneirismo do Convale. O modelo de consórcio entre municípios é complexo e desafiador, e ainda apresenta algumas incertezas do ponto de vista da governança, mas é o mais adequado considerando a natureza dos serviços envolvendo resíduos sólidos, que precisam de alto investimento e volume para serem financeiramente viáveis. Há muitas soluções interessantes nesse projeto, que serão testadas nos próximos 30 anos de operação da concessionária. É essencial que todos trabalhem para que tais soluções funcionem, pois assim teremos um enorme ganho para a população desses municípios, trazendo benefícios sociais, econômicos e políticos. E o modelo poderá ser replicado em vários outros projetos pelo País.


O manejo de resíduos sólidos é um negócio com potencial no País? Ele atrai o interesse de empresas privadas?

Luciano Costa: Sim, não há dúvidas disso. A necessidade é clara, basta ver os lixões e problemas sanitários das cidades. O Estado brasileiro, em qualquer de seus níveis, tem dificuldades financeiras e gerenciais em lidar eficientemente com a questão. As estruturas legais e regulatórias já existem para permitir a parceria com empresas privadas. O caminho é desenvolver e aprimorar modelos de negócio e governança, de modo que sejam capazes de atrair investidores, ao mesmo tempo que respeitem a capacidade de pagamento da população e os interesses legítimos dos municípios envolvidos.

1 comentário
  1. […] Municípios terão que substituir estatais de saneamento Aneel muda regras do mercado livre Projeto pioneiro de concessão atrai interesse de… Arbitragem e Mediação Procura por arbitragem deve crescer no Brasil Decisão do STJ […]

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