PL pretende ligar Tribunal de Impostos e Taxas a decisões do Judiciário

Ideia é que o TIT observe, em seus julgamentos, precedentes já proferidos pelo Poder Judiciário

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Está em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) um projeto de lei que prevê a vinculação do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) — órgão estadual análogo ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — a decisões já proferidas pelo Poder Judiciário. O PL 367/20 determina que o TIT, em seus julgamentos, deve observar precedentes judiciais estabelecidos, por exemplo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O PL está em fase inicial de tramitação na Alesp.

“Dentre outras alterações, o PL prevê a ampliação das hipóteses em que o TIT poderá afastar a aplicação da lei declarada inconstitucional, nos casos de enunciado de súmula do STF/STJ; orientação do Plenário do Órgão Especial do TJ/SP; acórdão do TJ/SP em assunção de competência e resolução repetitiva; e acórdão do STF/STJ em julgamento de recursos repetitivos”, explica Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.

“Atualmente, o afastamento da aplicação de uma lei pelos membros do TIT só pode ser justificado em duas hipóteses, previstas no artigo 28 da Lei estadual 13.457/09: em decisão proclamada em sede de ação direta de inconstitucionalidade e por decisão definitiva do STF, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo”, detalha Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

Embora o PL tenha o condão de melhorar as condições para os recursos tributários administrativos, à medida que amplia a segurança jurídica e diminui a possibilidade de judicialização de casos que poderiam ser resolvidos na esfera administrativa, a Fazenda Paulista vê inconstitucionalidade no PL pelo fato de o texto prever que a administração pública possa deixar de aplicar normas vigentes.

“Esse entendimento vai de encontro à própria jurisprudência do STF, que entende que não há empecilho para que a administração pública deixe de aplicar solução normativa inconstitucional (Mandado de Segurança 31.667-AGR)”, analisa Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. “A possibilidade de apresentação de recursos contra as decisões em primeira instância, sem a restrição de valores, é muito relevante, uma vez que, por ser um órgão paritário, o TIT permite uma discussão mais equânime dos argumentos dos contribuintes”, completa.

A seguir, Chiaradia, Coimbra e Braichi detalham aspectos importantes do PL 367/20 e do funcionamento do TIT.


Está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei para vinculação do que determina o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) a decisões já proferidas no Judiciário. De maneira sucinta, o que é e como funciona o TIT?

O TIT é o tribunal estadual administrativo, responsável pela validação da autuação fiscal estadual frente à impugnação dos contribuintes. Ele é responsável pelo julgamento dos recursos nos processos administrativos tributários em segunda instância. De acordo com o artigo 28 da Lei 13.457/09, nos julgamentos os juízes deverão aplicar o disposto na legislação, não podendo questioná-la nem afastá-la mesmo em caso de alegação de inconstitucionalidade — reservadas as hipóteses em que a lei seja declarada inconstitucional em ADIn, em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF) cuja execução seja suspensa pelo Senado Federal ou em súmula vinculante.

É o órgão análogo, em âmbito estadual paulista, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em âmbito federal. Está vinculado à estrutura da administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e desempenha relevante papel no processo administrativo tributário estadual, sendo o órgão julgador em segunda instância administrativa dos litígios fiscais envolvendo o fisco e os contribuintes. É responsável pelo controle interno de legalidade dos atos administrativos de cobrança de tributos (dito lançamento), devendo validar ou cancelar as autuações fiscais, sempre que provocado pelos contribuintes.

O TIT é o órgão responsável pelo julgamento em segunda instância de processos administrativos tributários do Estado de São Paulo, ou seja, é o tribunal no qual são julgados recursos referentes a tributos de competência do Estado de São Paulo. As demandas tributárias são analisadas pelas Câmaras Julgadoras. Essas câmaras têm composição mista, com juízes representantes da Fazenda Pública (servidores públicos) e juízes representantes dos contribuintes, que são escolhidos dentre os indicados por entidades de classe.

Além da função principal do julgamento dos recursos administrativos, o TIT consolida entendimentos, de forma a garantir a qualidade dos lançamentos tributários promovidos pelos agentes fiscais do estado.


Em linhas gerais, o que estabelece esse PL?

Dentre outras alterações, o PL prevê a ampliação das hipóteses em que o TIT poderá afastar a aplicação da lei declarada inconstitucional, nos casos de: enunciado de súmula do STF/STJ; orientação do Plenário do Órgão Especial do TJ/SP; acórdão do TJ/SP em assunção de competência e resolução repetitiva; e acórdão do STF/STJ em julgamento de recursos repetitivos.

O PL altera a Lei estadual 13.457, de 18 de março de 2009. Essa lei dispõe sobre o processo administrativo tributário, e, dentre outras prescrições, acrescenta novas hipóteses em que os membros do TIT deverão, obrigatoriamente, seguir a jurisprudência consolidada no Judiciário, adequando o processo administrativo tributário estadual à realidade implementada pelo Código de Processo Civil, promulgado em 2015, o qual fortaleceu o sistema de precedentes e a necessidade de coerência entre decisões.

Atualmente, o afastamento da aplicação de uma lei pelos membros do TIT só pode ser justificado em duas hipóteses, previstas no artigo 28 da Lei estadual 13.457/09: em decisão proclamada em sede de ação direta de inconstitucionalidade; por decisão definitiva do STF, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.

Extrai-se da íntegra do PL e de sua justificativa que a essas hipóteses se somarão outras quatro que os membros do TIT não poderão contrariar, quais sejam: enunciado de súmula do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria infraconstitucional; orientação do plenário ou do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP); acórdão do TJ-SP em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas; e acórdão proferido pelo STF e pelo STJ em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Há, no entanto, um grave problema de redação no PL: o legislador paulista está acrescentando novas hipóteses sem alterar a cabeça (no jargão jurídico, “caput”) do artigo, o que poderá gerar margens a interpretações dúbias e contraditórias, ou mesmo restringir a aplicação das novas hipóteses. Isso porque o caput desse citado artigo 28 da Lei estadual 13.457/09 trata de hipóteses de afastamento da aplicação da lei por proclamação de inconstitucionalidade, quando as novas hipóteses também disciplinam, de forma expressa, sobre decisões judiciais em matérias infraconstitucionais. Ora, se no caput se estabelece que: “no julgamento, é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: (…)”, o acréscimo de um inciso que trata de “enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional” traria uma nítida contradição entre o caput e esse inciso. Sem falar que restringiria sobremaneira a obediência às orientações do órgão especial do TJ-SP àquelas que dispusessem sobre matérias infraconstitucionais. Espera-se que os técnicos legislativos e legisladores paulistas se atentem para esse grave defeito de redação legislativa e façam sua correção, afastando o evidente risco de interpretações mesquinhas, restritivas e equivocadas.

O Projeto de Lei 367/20 pretende alterar procedimentos em relação ao processo administrativo no âmbito do TIT. Dentre as mudanças propostas, a alteração sobre o valor mínimo de entrada dos processos no TIT, que atualmente é de 552 mil reais. Essa mudança pretende permitir que os contribuintes cujas causas não superem o piso mínimo também tenham acesso à segunda instância administrativa, ou seja, dá oportunidade ao duplo grau de jurisdição administrativa.

A proposta também amplia a vinculação do TIT às decisões do Poder Judiciário. A justificativa para essa proposta se baseia na tônica do Novo Código de Processo Civil de uniformizar as decisões, de forma a garantir maior segurança jurídica, previsibilidade e evitar a necessidade de judicialização de questões cuja matéria já tenha sido pacificada pelos tribunais.

Até então, o TIT só era vinculado às súmulas vinculantes dos tribunais, às decisões em ação direta de inconstitucionalidade ou na hipótese de decisão do STF seguida de resolução do Senado suspendendo norma tributária. Para estar em conformidade com o Novo Código de Processo Civil está sendo proposto que o TIT se vincule aos entendimentos proferidos em: julgamento repetitivo e de repercussão geral; súmulas do STF e STJ; orientações do plenário do TJSP; e acordão do TJ-SP em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas.


Quais os potenciais efeitos desse projeto sobre os contribuintes paulistas?

Caso o PL seja aprovado, essas alterações farão com que as decisões sobre matérias já decididas pelos tribunais superiores devam ser observadas pelas autoridades fiscais, de modo a promover a observação dos princípios da economia processual, da moralidade e da eficiência da administração pública, evitando a manutenção de lançamentos fiscais que serão cancelados judicialmente e o ajuizamento de mais medidas judiciais que tumultuam o Poder Judiciário paulista.

Os contribuintes poderão encerrar longos e morosos litígios já em sede administrativa tributária com julgamentos favoráveis a seus pleitos alicerçados em teses já consolidadas no âmbito do Judiciário. Isso fortalecerá a segurança jurídica, a confiança e a calculabilidade das relações jurídicas, diminuirá os custos dispendidos com as disputas judiciais, favorecerá o fisco, que não se verá diante do risco de ver revertido sua vitória parcial em sede administrativa, com pagamento de honorários sucumbenciais. Isso sem falar do desafogamento do Judiciário, em vista da diminuição de execuções fiscais infrutíferas.

A possibilidade de apresentação de recursos contra as decisões em primeira instância, sem a restrição de valores, é muito relevante, uma vez que, por ser um órgão paritário, o TIT permite uma discussão mais equânime dos argumentos dos contribuintes.

A vinculação expressa aos precedentes do Poder Judiciário também é extremamente benéfica, pois, ao se alinhar aos entendimentos sedimentados da jurisprudência — de acordo com as hipóteses previstas —, o TIT irá garantir a uniformização da jurisprudência tributária nacional, assegurando economia ao evitar que a Procuradoria do Estado seja obrigada a ajuizar execuções fiscais desnecessárias.

Dessa forma, ao alinhar os julgados administrativos aos precedentes judiciais, o estado deixa de empregar dinheiro público em teses já pacificadas, além de desafogar o Poder Judiciário.

 


Em que ponto está a tramitação do PL na Alesp? O projeto tem chances de aprovação?

Atualmente o PL está em tramitação na Alesp com vistas às deputadas Janaina Paschoal (PSL) e Marina Helou (Rede Sustentabilidade), após ter passado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com voto favorável do deputado Heni Ozi Cukier (Novo). As chances de aprovação dependem de discussões políticas frente aos interesses da administração paulista e dos contribuintes.

O PL foi distribuído para sete das comissões da Alesp e receberá sua análise por cada uma delas. Na Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJR), o PL teve voto favorável do relator, pela sua aprovação. Mas resta ainda a ser analisado e votado pelo pleno desta comissão, como também pelas demais comissões.

Ademais, já se entrevê uma grande resistência do Poder Executivo na aprovação do PL, haja vista que, em nota, a Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo, órgão ao qual o TIT está vinculado, aduziu que o PL seria inconstitucional.

Feitas as devidas adequações e sob o espírito republicano dos mandatários dos Poderes Legislativo e Executivo, espera-se que o projeto seja aprovado, o que configuraria uma grande vitória para todos, fisco e contribuintes.

O PL está ainda no início de sua tramitação. Atualmente, está localizado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, que é a primeira comissão a analisar qualquer Projeto de Lei. Nela, será analisada se a proposta é permitida pelas Constituições do estado e do Brasil. Até o momento, apenas o relator proferiu seu voto, que foi favorável.

Caso essa comissão aprove o PL, ele ainda irá tramitar perante uma comissão permanente especializada, a qual analisará seu mérito. A partir da avaliação das comissões, o projeto estará pronto para ser votado pelo plenário da Assembleia Legislativa, que é composto por todos os deputados estaduais. Por fim, caso aprovado, o projeto será submetido à aprovação ou rejeição do governador do estado.

Dessa forma, como ainda está no início do trâmite, não é possível afirmar quais as chances de aprovação.


Existe alguma questão envolvendo a constitucionalidade do que prevê o PL?

Na minha opinião, não vejo qualquer inconstitucionalidade no PL, em que pese a administração pública se posicionar de forma contrária, defendendo a necessidade de aplicação da legislação vigente. Eu entendo que, se determinada norma já foi declarada inconstitucional pelo STF, guardião da Constituição Federal, órgão competente para tanto, não faz nenhum sentido continuar aplicando tal norma, motivando não somente o TIT, mas também aos demais integrantes da administração pública, afastar sua aplicação. Ademais, essa postura justifica uma atividade do Poder Legislativo, em revogar a norma inconstitucional, devidamente legislando e observando as regras constitucionais.

 A aprovação do PL, ao contrário do que a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo alega, reafirmaria a constitucionalidade do processo administrativo tributário paulista ao reforçar os direitos fundamentais dos contribuintes, a segurança jurídica, a coerência das decisões e a razoável duração dos processos. Além disso, o tornaria referência para os órgãos congêneres de outros estados, que seguem a mesma sistemática do TIT.

Nesse sentido, não se vê nenhum vício de inconstitucionalidade, ao revés, uma admirável virtude de reverência à Constituição, um impulso à eficiência administrativa e um reforço à segurança jurídica. Numa visão menos obtusa, todos saem ganhando.

O Projeto de Lei, ao prever a vinculação do TIT aos precedentes judiciais, prioriza o princípio da segurança jurídica, da eficiência do processo administrativo e do interesse público. A vinculação também tem o efeito de forçar o Executivo e o Legislativo a ajustarem normas tributárias julgadas pelos tribunais, dando maior coerência ao sistema tributário como um todo.

Não adianta nada que, após a declaração de inconstitucionalidade das normas tributárias a legislação do estado continue em vigor, causando transtornos e gastos ao próprio poder público.

Contudo, existe discussão e resistência da própria Secretaria de Fazenda de São Paulo, que considera que o projeto de lei é inconstitucional ao prever que a administração pública possa deixar de aplicar normas vigentes. Esse entendimento vai de encontro à própria jurisprudência do STF, que entende que não há empecilho para que a administração pública deixe de aplicar solução normativa inconstitucional (Mandado de Segurança 31.667-AGR).

 

 

 

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