Particularidades da nova onda de IPOs

Juros baixos, inovação tecnológica e indústria de gestão de recursos favorecem pujança do mercado de capitais

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Os sete primeiros meses deste ano foram animadores para a bolsa de valores brasileira — no período, ocorreram 40 ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês). Juntas, essas emissões movimentaram 51,6 bilhões de reais. A maior parte dos recursos foi captada em ofertas primárias (R$ 35,1 bilhões) e o restante (R$ 16,5 bilhões) em ofertas secundárias, de acordo com dados da B3. Se forem consideradas também as ofertas subsequentes (follow-ons), a quantia movimentada no período sobe para R$ 110 bilhões. 

O atual boom de IPOs é diferente daquele que agitou a bolsa em 2007, período anterior de maior atividade do mercado. Naquele ano, o Brasil crescia cerca de 6% e o desemprego estava em mínimas históricas. Já em 2021, o contexto é de crise econômica, social e política, com queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) e alto desemprego, comparam Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite, respectivamente sócio e associado do Vieira Rezende Advogados.

Outra peculiaridade observada pelos advogados é a mudança no perfil e apetite de risco dos investidores, especialmente as pessoas físicas, que vêm acessando mais a bolsa, motivadas pelos juros baixos e o fortalecimento da indústria de gestão de recursos. “Por fim, houve a ampliação do acesso à internet e novas tecnologias, tornando mais fácil e simples investir, o que impulsionou a dispersão de conhecimento e a maior educação oferecida por especialistas no assunto”, afirmam os advogados. A seguir, os dois tecem comentários sobre a atual fase de expansão das ofertas iniciais.


Quais são as principais características da onda de IPOs na bolsa brasileira em 2021?

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Essa nova onda de IPOs está ligada intimamente ao aumento de liquidez global, resultante em parte dos esforços dos governos nacionais de fortalecer suas respectivas economias por conta do combate ao covid-19. Naturalmente, houve um interesse especial em ações do setor de tecnologia e saúde, que abriram caminho para outras indústrias beneficiadas pela transformação digital, como educação e comércio. 

Dentre os principais fatores internos que favoreceram o boom de ofertas públicas iniciais em 2021, destacam-se: (i) aumento do público investidor interessado, tendo em vista a redução dos juros e a baixa histórica da taxa Selic, tornando menos atrativo o investimento em renda fixa e outras modalidades derivadas; (ii) fortalecimento da indústria de inovação tecnológica, impulsionando captações públicas; e (iii) fortalecimento das estruturas de gestão de recurso no País, aumentando o protagonismo de fundos nacionais no mercado.


Na sua opinião, quais foram os destaques da atual temporada?

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Difícil destacar alguns. Inicialmente, é importante pontuar que diversos fatores podem impactar esse tipo de análise, como o valor captado em relação ao valor alvo, a área de atuação etc. Na minha visão, destacaria: (i) Locaweb (LWSA3), atuante no setor de hospedagem de sites. Os seus papéis valorizaram 330% desde o IPO, em fevereiro de 2020, até o final daquele ano; (ii) Rede D’Or (RDOR3), cujo IPO movimentou mais de 11 bilhões de reais, tornando-se uma das ofertas iniciais mais notáveis da história da bolsa; e (iii) o Grupo Mateus (GMAT3), por ter realizado o IPO mais bem-sucedido de uma empresa de origem nordestina até o momento. A companhia captou cerca de 4 bilhões de reais.


Há diferenças e semelhanças entre o movimento de 2020/2021 e o boom de IPOs registrado entre 2006 e 2007? Quais seriam?

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Sem dúvidas. O primeiro desses fatores é o contexto socioeconômico. Entre 2006 e 2007, o Brasil passava por um momento de projeção econômica mundial, crescendo cerca de 6% em 2007 de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o desemprego alcançava um dos menores níveis históricos. Já em 2019/2020/2021, o cenário é totalmente diferente — o contexto é de crise econômica, social e política, com projeções de queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) e altos níveis de desemprego. 

Apesar disso, o perfil e apetite de risco dos investidores pessoa física mudou, considerando o aumento de liquidez e redução das taxas de juros (e consequentemente do apelo da renda fixa). Assim, diferentemente do período de 2006/2007, presenciamos um aumento do número de investidores pessoas físicas. 

Por fim, houve a ampliação do acesso à internet e novas tecnologias, tornando mais fácil e simples investir, o que impulsionou a dispersão de conhecimento e a maior educação oferecida por especialistas no assunto.


Por que algumas ofertas têm sido concluídas com preços ou no piso ou abaixo da faixa indicativa pretendida pelas companhias estreantes? Essa dinâmica reflete um maior poder dos investidores ante as empresas?

Felipe Hanszmann e Caio Brandão Teixeira Leite: Um dos fatores que explicam esses eventos é a incerteza política e econômica que o País está enfrentando, o que gera receio por parte dos investidores. Diante de um grande número de IPOs e, principalmente, com a ascensão de diversos setores que ainda enfrentam instabilidade econômica e alguma desconfiança do mercado, pode ocorrer um descasamento entre o valor projetado para os investimentos e o real apetite dos investidores. Por outro lado, o fato de a oferta ser mantida demonstra que a realização da operação continua sendo atrativa para o emissor, o que pode ser traduzido como um processo de formação de preço mais maduro.


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