Diversas discussões jurídicas relevantes sobre variados ramos do Direito surgiram com a pandemia de covid-19. Dentre elas, repercussões nas relações de trabalho, medidas governamentais de modificação de prazo pagamento para tributos, bem como inadimplementos ou revisões contratuais vieram à tona. A situação de isolamento impõe a criação de novas alternativas de comunicação, entretenimento, e, necessariamente, sobre o cumprimento de obrigações jurídicas.
É notório: o mundo não é mais o mesmo e jamais voltará a ser como antes. Vivenciaremos provavelmente uma revolução de diversas relações, as quais trarão, por consequência lógica, a modificação imediata de suas implicações jurídicas. Por conta das mudanças que o novo coronavírus impôs, um ponto positivo em meio a tantas reflexões tratando de problemas urgentes pode ser o seguinte: esse seria o empurrão que, como sociedade, precisávamos para implementar e chancelar a tecnologia nas relações jurídicas?
Em verdade, o Direito empresarial, por origem e essência, sempre esteve à frente do legislador estatal. A criatividade e inventividade do mundo contemporâneo, na mesma vertente, está e estará sempre adiante do legislador. É inegável, seguindo a mesma linha, a amplitude de soluções tecnológicas disponíveis para resolver ou simplificar problemas e situações juridicamente relevantes, ainda feitos de forma “analógica”.
Há tecnologia disponível para a implementação de uma assembleia de credores não presencial na recuperação judicial? Possuímos recursos para realizar assembleias gerais ordinárias e extraordinárias não presenciais de companhias fechadas de médio e pequeno porte? Naturalmente, a resposta é positiva. A oportunidade, apesar dos pesares, cai como uma luva, diante da imposição da utilização de mecanismos virtuais com os quais os negócios em geral tem lidado de modo cada vez mais presente.
De vital importância, por outro lado, é a regulamentação da utilização dos mecanismos tecnológicos utilizados. Nesse aspecto, as atas de assembleia de acionistas, as deliberações de assembleias de credores, entre outras reuniões do mundo empresarial precisam ser juridicamente válidas e irrefutáveis.
Em que pese as assembleias das companhias de grande porte serem marcadas pelo desinteresse de boa parte dos acionistas e haver regulamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o tema, as assentadas podem ser absolutamente cruciais para sociedades de capital fechado. A mesma segurança jurídica se impõe para todas as demais assentadas capazes de reunir aglomerações previstas em nosso ordenamento. Nesse aspecto, o projeto de lei (PL) 1.179/2020 preconiza a possibilidade de realização de assembleias por meio virtual — que, se aprovada, deve ensejar regulamentação pois é de suma importância para atrair segurança às deliberações tomadas.
Por outro lado, a medida provisória (MP) 931, de 30 de março de 2020 alterou o Código Civil e a Lei 6.404/76 (Lei das S.As.) em diversos pontos. Destaca-se a inclusão do artigo 1.080-A no Código Civil, que possibilita o voto à distância em reunião ou assembleia para deliberações dos sócios, e dos parágrafos 1º e 2º no artigo 121 da Lei 6.404/76, permitindo a realização de participação e voto à distância em assembleia geral de companhias abertas ou fechadas.
No caso das companhias abertas, a regulamentação é de responsabilidade da CVM. Nas demais hipóteses, ficou a cargo do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) a regulamentar as deliberações e votações nas assembleias e reuniões à distância. Tal fato se deu pela instrução normativa nº 79, publicada em abril deste ano. O artigo 6º da instrução dispõe que o sistema eletrônico para realizar assembleia ou reunião deverá garantir:
— a segurança, a confiabilidade e a transparência do conclave;
— o registro de presença dos sócios, acionistas ou associados;
— a preservação do direito de participação a distância do acionista, sócio ou associado durante todo o conclave;
— a exercício do direito de voto a distância por parte do acionista, sócio associado, bem como o seu respectivo registro;
— a possibilidade de visualização de documentos apresentados durante o conclave;
— a possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos acionistas, sócios ou associados;
— a gravação integral do conclave, que ficará arquivada na sede da sociedade;
— a participação de administradores, pessoas autorizadas a participar do conclave e pessoas cuja participação seja obrigatória.
Com o desenvolvimento de sistemas capazes de amparar as garantias previstas, é natural que tenhamos, cada vez mais, a utilização de assembleias e reuniões virtuais, as quais ensejarão discussões, votos e deliberações plenamente válidos. Além das medidas paliativas vivenciadas cotidianamente nos últimos dias, há a oportunidade para encurtar o distanciamento entre a tecnologia disponível e a regulação. Temos, diante do cenário posto, um reflexo positivo da pandemia de covid-19.