O que esperar das próximas concessões portuárias

Após sucesso de leilão da Codesa, expectativas se voltam para Santos, São Sebastião e Itajaí

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Após a bem-sucedida concessão dos portos de Vitória e da Barra do Riacho (ES) e da privatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), as atenções dos investidores estratégicos e financeiros do setor de infraestrutura se voltam agora para os próximos certames. O leilão da Codesa era tido no mercado como uma prévia do interesse pelo Porto de Santos e pela privatização da Santos Port Authority (SPA). 

“Temos ouvido que há interesse de players financeiros pelo Porto de Santos, e o sucesso do leilão da Codesa traz um certo ânimo. Mas daí a estarmos certos de que a licitação ocorrerá e terá concorrentes é um longo passo”, afirma a advogada Maria Virginia Mesquita, sócia do Vieira Rezende Advogados. 

O modelo de privatização da Santos Port Authority é semelhante ao adotado pela Codesa, de “private landlord port”, que estabelece o mecanismo de proposta incentivada. Ele permite a alteração de algumas obrigações contratuais do “landlord” se a proposta for apoiada pelos terminais usuários. A licitação em Santos, no entanto, é mais desafiadora — não só pela movimentação do porto, mas também pelos elevados valores de outorga e investimentos e pela exigência de recursos para financiar um túnel entre Santos e Guarujá (que será viabilizado por uma estrutura complexa). Em março, foi arrendado o terminal STS11 de Santos, e o edital de licitação do terminal STS12 está em audiência pública — opção que Mesquisa considera “curiosa”, já que se espera que em breve a SPA esteja privatizada. 

Na entrevista abaixo, Mesquita avalia a privatização da Codesa e os recentes arrendamentos de terminais em Paranaguá, Santos e Suape e aborda as expectativas com relação às concessões que estão por vir (Santos, São Sebastião e Itajaí). 


Como você avalia o resultado do leilão da Codesa e o arrendamento de três terminais portuários, localizados em Suape (PE), Santos (SP) e Paranaguá (PR)?

Maria Virginia Mesquita: O resultado do leilão da Codesa foi positivo. Foi o primeiro leilão acoplando a privatização de uma companhia docas com a concessão da administração do porto público no modelo “private landlord port”. Nesse modelo, a concessionária atuará como um locador que administra e subloca os terminais portuários para operadores que ficarão encarregados das atividades portuárias. O processo teve uma consulta pública ampla e os estruturadores estavam dispostos a dialogar com o mercado, o que foi importante para gerar interesse e alguma concorrência na desestatização. Além disso, o edital, acertadamente, não trouxe requisitos de qualificação técnica, o que permitiu a participação de players do mercado financeiro. O fato de um agente puramente financeiro ter vencido é muito positivo para o poder concedente. Se tivesse vencido um consórcio integrado por empresa arrendatária de terminais, ou por armadores, poderíamos ter um problema concorrencial logo no nascedouro do projeto, com o risco de que o futuro concessionário acabasse direcionando carga ou outros benefícios a seus acionistas. O edital buscava mitigar esse risco, mas há dúvida sobre a sua suficiência, sobretudo em um momento em que a verticalização das cadeias logísticas do setor marítimo e portuário tem trazido preocupações regulatórias e concorrenciais bem sérias. Nesse sentido, podemos dizer que o poder concedente, o regulador e o setor deram muita sorte. 

Em Paranaguá, tivemos uma licitação bem-sucedida promovida por uma autoridade estadual. Isso é uma boa prova de que não existe um único modelo institucional para todos os ativos portuários do Brasil. Hoje temos um cardápio de possibilidades para organizar os portos brasileiros e cada ativo se amoldará melhor a um certo modelo, a depender de uma série de condições. O edital dava prazo de 48 dias para a entrega da proposta e teve dois concorrentes. 

No caso de Suape e STS11 (terminal do porto de Santos), entretanto, os prazos entre publicação do edital e entrega das propostas foram de menos de um mês. Dar um prazo tão curto para entrega em contratos de concessão é contra as melhores práticas em licitações de projetos de infraestrutura. Nos dois casos, houve apenas um interessado para cada terminal. Ou seja, nenhuma concorrência. A impressão que se tem é que foi sacrificada a concorrência em benefício da celeridade, o que é de se lamentar, após o governo federal ter tocado um programa exitoso de concessões.


A modelagem da concessão da Codesa será semelhante à do porto de Santos? Quais são os principais aspectos de cada uma? E quais os desafios? 

Maria Virginia Mesquita: Sim, as modelagens são similares. Ambas seguem o modelo de “private landlord port”. As duas trazem o mecanismo da proposta incentivada, que permite a alteração de certas obrigações contratuais do “landlord” se essa proposta for apoiada pelos terminais usuários. Em ambas, os serviços sujeitos a tarifas reguladas e não reguladas são os mesmos. Mas a licitação em Santos traz complexidades maiores, por se tratar do porto de maior movimentação de carga da América Latina em valor de carga movimentada (em volume é o Terminal da Ponta da Madeira, no Maranhão). Os montantes de investimento mínimo e outorga são muito elevados. Existe ainda a questão dos recursos para financiar a ligação seca entre Santos e Guarujá, e a estrutura complexa que foi escolhida para viabilizar esse aporte: criar uma empresa e aportar os valores nela, para depois transferir seu controle ao poder concedente. Há um temor de que os valores necessários para pagar a outorga e os recursos vinculados venham, inevitavelmente, do aumento das tarifas que serão cobradas dos terminais. E existe o emaranhado de relações jurídicas que foram se incorporando ao Porto de Santos ao longo de tantos anos, tantos regimes portuários diferentes e alterações na poligonal. É curioso que, tendo no horizonte a privatização da Santos Port Authority, o Ministério da Infraestrutura tenha optado por, mesmo assim, licitar o arrendamento dos terminais STS11 e de STS12. Este último está em consulta pública e tem uma questão bastante sensível relacionada à concentração do poder de mercado de operadores verticalizados (operadores que também prestam serviços de transporte de cargas). Essas licitações darão origem a contratos de arrendamento em regime público que dali a pouco (se a privatização se concretizar) seriam adaptados para o regime privado. 


O leilão da Codesa era tido como uma prévia do leilão do porto de Santos. Qual é a expectativa com relação a este último? 

Maria Virginia Mesquita: Temos ouvido o interesse de players financeiros pelo ativo. Há gente estudando o projeto e o sucesso do leilão da Codesa traz um certo ânimo. Mas daí a estarmos certos de que a licitação ocorrerá e terá concorrentes é um longo passo. A ver.


São esperadas também a concessão dos portos de São Sebastião (SP) e Itajaí (SC). Quais são os principais desafios com relação a esses ativos e ao processo de concessão? 

Maria Virginia Mesquita: Essas concessões já seguem um modelo distinto dos tratados acima e ilustram bem o que destacamos anteriormente: não há um modelo ideal para todos os ativos portuários. O Porto de Itajaí será delegado em regime de concessão que englobará tanto a exploração direta dos terminais quanto a administração do terminal da área do porto organizado. Desde 1997, a administração desse porto esteve delegada a uma autoridade pública municipal. A comunidade e a administração pública local têm forte envolvimento com o porto e isso é positivo — foi o que permitiu a expansão do porto pela incorporação de áreas urbanas. A meu ver, o maior desafio da concessão do Porto de Itajaí é atrair os investimentos privados para o porto sem quebrar essa relação com os distintos atores envolvidos (as partes interessadas, no jargão ESG). Há a expectativa de que, ao conceder a gestão do porto e a exploração das atividades portuárias, esse ativo teria melhor condições de competir com os portos operados em regime privado em Santa Catarina. O modelo tende a funcionar melhor para terminais com vocação restrita e bem definida. A aposta para Itajaí é a movimentação de contêineres. Isso fica muito claro quando vemos que o edital exige experiência na operação de contêineres como requisito de qualificação técnica, sem prever sequer a possibilidade de subcontratação de um agente com essa experiência pelo vencedor após vencido o leilão (mecanismo de subcontratação qualificada). Os projetos recentes têm justamente eliminado as exigências de qualificação técnica, substituindo-a, quando é o caso, por subcontratação qualificada. Essa exigência reserva mercado para operadores de contêineres, impedindo, por exemplo, a participação individual de players financeiros que tivessem interesse em se associar a um operador de contêineres uma vez vencida a licitação.

Aliás, o edital de concessão do Porto de São Sebastião, que segue o mesmo modelo de Itajaí (concessão da exploração direta das atividades portuárias e da administração do porto organizado), não traz essa exigência. Ele permite que o licitante cumpra os requisitos de habilitação técnica (no caso a demonstração de experiência na supervisão de atividades portuárias) por meio de um profissional ou de uma empresa que pode ser até mesmo um prestador de serviços do licitante. No caso do Porto de São Sebastião, o maior desafio está na insegurança quanto ao licenciamento ambiental, que levou o poder concedente a não incluir no projeto obrigações de investimento relevantes. Obviamente, a perspectiva de receber poucos investimentos (enquanto para outros portos são anunciados investimentos bilionários) desagrada a população local, sobretudo aqueles que têm relação direta com o porto.

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