O novo regulamento de arbitragem da International Chamber of Commerce
No início de outubro, a International Chamber of Commerce (ICC) disponibilizou seu novo regulamento de arbitragem (“Regulamento de 2021”) que entrará em vigor em 1º de janeiro de 20211 em substituição às regras anteriores (“Regulamento de 2017”).
A mudança é relevante, pois a ICC é um dos principais — senão o principal — centro de arbitragem do mundo, tendo um dos seus quatro escritórios para a resolução de conflitos em São Paulo, inaugurado em maio de 2017. Mais do que isso: o Brasil ocupa a terceira posição na quantidade de partes litigantes da ICC, sendo que, desde a abertura do escritório em São Paulo, a ICC Brasil já administrou cerca de 80 procedimentos2.
Segundo o presidente da Corte da ICC, Alexis Mourre, a reformulação das regras de 2017 busca maior eficiência, flexibilidade e transparência, de forma a tornar a arbitragem ICC mais atrativa, tanto para casos grandes e complexos quanto para casos de menor envergadura3.
Não se pretende abordar neste artigo todas as alterações empreendidas, de forma que serão apresentadas apenas aquelas que são, no nosso entendimento, mais relevantes para a prática brasileira. Serão abordadas as mudanças referentes à inclusão de partes, à consolidação de procedimentos arbitrais, ao third-party funding, à constituição do tribunal arbitral, à representação das partes e às audiências virtuais e manifestações por via eletrônica.
Em relação à constituição do tribunal arbitral, o artigo 12(9) do Regulamento de 2021 traz importante inovação no que toca à possibilidade de a Corte da ICC indicar os membros do tribunal arbitral, mesmo que a convenção de arbitragem regule o método de indicação de árbitros. A intervenção da Corte tem a função de evitar relevante tratamento desigual e injusto das partes, que pode pôr em risco a validade da sentença arbitral4.
O artigo 12(9) é uma evolução do atual artigo 12(8), que permite à Corte da ICC indicar, em arbitragens multiparte e quando não há consenso na indicação, todos os membros do tribunal arbitral. Agora, com o artigo 12(9), a indicação pela Corte da ICC não é restrita às arbitragens multipartes e por ocorrer, inclusive, em arbitragens com apenas duas partes.
Ponto de alerta sobre o artigo 12(9) é que uma das poucas hipóteses de não reconhecimento de sentença arbitral estrangeira previstas na Convenção de Nova York (1958) é em relação à sentença arbitral proferida por tribunal arbitral ou árbitro único constituído em desacordo com a vontade das partes [artigo V(1)(d)5]. Resta esperar para ver como os dois dispositivos serão compatibilizados.
No que toca ao financiamento por terceiros, os regulamentos de arbitragem ainda estão lentamente se adaptando a essa realidade, de forma que há forte tendência de as instituições preverem a necessidade de revelação em seus regulamentos. Foi o caso da ICC com o Regulamento de 2021, que, doravante, passou a estar em sintonia com as regras da IBA sobre conflitos de interesse em arbitragem internacional sobre a questão.
Nos termos do artigo 11(7) do Regulamento de 2021, a parte deve imediatamente informar à ICC, ao tribunal arbitral e à(s) contraparte(s) a existência e a identidade de terceiro não litigante com o qual tenha acordo de financiamento de litígios, considerando que tal terceiro tem interesse econômico no resultado da arbitragem.
O Regulamento de 2021 também trouxe inovações com vistas a facilitar a inclusão de terceiros (ou partes adicionais, como é tratado no regulamento), bem como a delimitar os procedimentos de consolidação das arbitragens entre partes diferentes ou baseados em relações jurídicas distintas.
No Regulamento de 2017, havia limite temporal para a inclusão de terceiros, no caso, a indicação de qualquer árbitro, salvo nas hipóteses em que todas as partes, incluindo o terceiro, concordassem com a inclusão. No artigo 7(5) do Regulamento de 2021, a inclusão de terceiros pode ocorrer mesmo após a indicação dos árbitros. De todo modo, o terceiro incluído deverá, necessariamente, concordar com a constituição do tribunal arbitral, caso ela já tenha ocorrido, e deve anuir com a ata de missão, instrumento que regula o procedimento arbitral e contém os pedidos de parte a parte. Isso significa que a inclusão de terceiros agora é possível durante o curso da arbitragem, dispensando-se, para tanto, o consentimento de todas as partes do procedimento. A mudança é vista como forma de aumentar a flexibilidade da arbitragem, uma vez que havia críticas à limitação temporal imposta pelo Regulamento de 2017, que não se amolda a procedimentos mais complexos.
Diferentemente do Regulamento de 2017, o Regulamento de 2021 (artigo 10) especifica que a consolidação de procedimentos arbitrais pode ocorrer quando: todas as partes envolvidas concordam com a consolidação; ou as arbitragens envolvem partes distintas e os pedidos são decorrentes de mais de uma convenção de arbitragem que, contudo, devem ser idênticas; ou as arbitragens envolvem partes e convenções de arbitragens distintas mas decorrem de uma mesma relação jurídica e as convenções de arbitragens são compatíveis entre si. Trata-se, notadamente, de flexibilização do artigo 10 do Regulamento de 2017, que gera dúvidas sobre as hipóteses nas quais a consolidação é possível.
O antigo artigo 17 do Regulamento de 2017 foi desmembrado em três subitens, sendo os dois primeiros as inovações do Regulamento de 2021. De acordo com o artigo 17(1), é obrigação das partes informar imediatamente à ICC, ao tribunal arbitral e às outras partes qualquer alteração na sua representação na arbitragem. Por sua vez, o artigo 17(2) autoriza o tribunal arbitral, uma vez constituído e após ouvidas as partes sobre a questão, tomar as medidas necessárias para evitar conflitos de interesses de um ou mais árbitros em virtude da mudança de representação, incluindo a possibilidade de se impedir novos representantes das partes de participarem de todo o procedimento ou parte dele.
Em relação às audiências virtuais, o artigo 26(1) autoriza o tribunal arbitral, após consultar as partes, a decidir, com base nas circunstâncias do caso, que qualquer audiência será conduzida presencial ou remotamente, por videoconferência, teleconferência ou outro meio possível de comunicação.
O artigo 26(1) estabelece, em primeiro lugar, o procedimento de consulta às partes, mas deixa a critério do tribunal arbitral a decisão sobre a condução da audiência, ainda que não obtido o consenso de todas as partes envolvidas. A inovação é extremamente relevante, em especial diante da impossibilidade de realização de audiências físicas em virtude da pandemia de covid-19. Dessa forma, evita-se que litigantes possam se opor à realização de audiências remotas como forma de atrasar o procedimento, ou, ainda, que possam questionar a possibilidade de o tribunal arbitral determinar, sem o consenso de todas as partes envolvidas, a realização de audiências virtuais.
Por fim, a ICC finalmente abandonou a regra de que, até que decidido de forma diversa, todas as manifestações e comunicações devem ser necessariamente apresentadas por via física. Agora, é autorizado o envio das comunicações, petições e documentos por meio digital, o que é positivo não apenas do ponto de vista ambiental, mas também porque facilita o trabalho dos advogados na preparação dos documentos.
As novas regras expandiram, ainda, o escopo de aplicação das arbitragens expeditas (artigo 30 e Apêndice VI), majorando o limite do opt out6 para 3 milhões de dólares caso a convenção de arbitragem seja celebrada após 1º de janeiro de 2021. Caso a convenção de arbitragem tenha sido celebrada entre 1º de março de 2017 e 1º de janeiro de 2021, ainda se aplica o limite de 2 milhões de dólares, previsto no Regulamento de 2017.
Colaborou Leonardo Polastri, advogado do Tolentino Advogados.
¹Disponível em https://iccwbo.org/dispute-resolution-services/arbitration/rules-of-arbitration/rules-of-arbitration-2021/
²Informação Disponível em ICC Dispute Resolution 2019 Statistics
³https://www.iccwbo.be/icc-unveils-revised-rules-of-arbitration/
⁴A esse respeito, aponta-se o caso Ducto, no qual a Corte de Cassação Francesa anulou sentença arbitral ICC em arbitragem multipartes na qual duas partes requeridas desejavam indicar, cada uma, um árbitro, considerando que tinham interesses conflitantes, mas a Corte da ICC determinou que elas indicassem um único árbitro em conjunto, mesmo sob protestos. A Corte de Cassação Francesa entendeu ter havido violação do princípio da igualdade no processo de indicação de árbitros e anulou a sentença. No Brasil, a mesma situação ocorreu no caso entre o Banco Santander e duas litisconsortes requeridas, Paranapanema e BTG, no qual, enquanto a parte requerente (Banco Santander) teve assegurado o direito de escolha ao árbitro, a instituição arbitral — CAM-CCBC — nomeou um árbitro em substituição aos árbitros que as duas partes requeridas (Paranapanema e BTG) haviam indicado. A nulidade da sentença foi confirmada em sede de apelação pelo TJSP (Processo nº 0002163-90.2013.8.26.0100), sendo que o voto vencedor entendeu que, por ser o princípio da igualdade das partes de ordem pública, é desnecessário perquirir a existência de prejuízo quando da sua violação.
⁵“Artigo V, 1 — O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos a prova: (…) d) De que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em conformidade com a convenção das Partes ou, na falta de tal convenção, de que não estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem;”
⁶Pelo sistema opt out a regra é que, caso a arbitragem se enquadre nas hipóteses da arbitragem expedida, assim será salvo sua exclusão (opt out) pelas partes.
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