Não raras vezes, em situações de difícil acesso ao patrimônio de pessoas jurídicas inadimplentes perante suas obrigações tributárias, é prática comum nos depararmos com a responsabilidade tributária direcionada a terceiros. É o que ocorre no redirecionamento de execuções fiscais aos sócios, administradores, terceiros e, até mesmo, aos sucessores da pessoa jurídica.
Essa situação, no entanto, é ainda mais complexa no caso de extensão da responsabilidade tributária aos chamados grupos econômicos. Esses grupos são caracterizados pela existência de múltiplas sociedades com personalidade jurídica próprias, porém sob a mesma direção, controle ou administração.
No caso de grupos econômicos, o redirecionamento de débitos tributários pode ocorrer apenas em casos específicos — como, por exemplo, quando houver confusão patrimonial entre as sociedades do grupo. Nesse caso, contudo, a legislação exige a comprovação de fraude e a obtenção de prévia autorização judicial para o redirecionamento.
Até 2016, o redirecionamento de execuções fiscais a terceiros não enfrentava grandes dificuldades, já que o instituto se operava mediante simples apresentação de requerimento (pelo Fisco) comprovando a ocorrência das situações legais autorizadoras da responsabilização tributária do terceiro. Tal cenário, contudo, se alterou com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (CPC), que proporcionou a criação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).
A partir do novo CPC, a pessoa jurídica ou seus sócios, em exercício de seu direito constitucional de ampla defesa, passaram a ter o direito de se manifestar previamente sobre a desconsideração da personalidade jurídica, com ampla capacidade probatória, sem a necessidade de apresentação de garantias. Diante desse cenário, a doutrina tributária passou a indagar se a instauração prévia do IDPJ seria necessária para viabilizar o redirecionamento de execuções fiscais aos sócios ou às sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico.
Finalmente, em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou a questão, proferindo duas importantes decisões sobre o tema nos julgamentos dos Recursos Especiais nº 1.775.269/PR e nº 1.786.311/PR. No primeiro caso, julgado no dia 21 de fevereiro de 2019 pela 1ª Turma do Tribunal, foi decidido que é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para o redirecionamento de execuções fiscais a outra sociedade integrante do mesmo grupo econômico, que não tenha seu nome mencionado na Certidão de Dívida Ativa (CDA) objeto da execução.
De acordo com a decisão, o simples fato de integrar o mesmo grupo econômico não tornaria uma sociedade responsável pela inadimplência tributária das demais sociedades. Desse modo, seria preciso comprovar, por meio do IDPJ, o abuso de personalidade jurídica e a consequente irregularidade do grupo, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme determinado pelo art. 50 do Código Civil. A 1ª Turma, contudo, fez a ressalva de que o incidente não é necessário caso o nome da outra sociedade tenha sido incluído na CDA como corresponsável pelo débito tributário após regular processo administrativo.
Outro caso diz respeito ao entendimento manifestado pelo STJ no REsp 1.786.311/PR, julgado em no dia 9 de maio de 2019. Na oportunidade, a 2ª Turma do STJ concluiu serem completamente incompatíveis os regimes jurídicos do Código de Processo Civil e da Lei de Execuções Fiscais, na medida em que essa não permite a manifestação de defesa do executado sem prévia apresentação de garantia. Assim, a aplicação do regime jurídico geral definido pelo CPC seria apenas subsidiária. Por conta disso, a decisão do REsp 1.786.311/PR determinou ser inaplicável a aplicação do IDPJ em qualquer hipótese de redirecionamento de execuções fiscais contra sociedades de um mesmo grupo econômico.
Assim como a 1ª e a 2ª Turmas do STJ proferiram decisões em sentidos distintos, a 1ª Seção do Tribunal — responsável pela unificação dos entendimentos dessas duas turmas —– deverá analisar a questão em breve, dando nova (e mais definitiva) interpretação à discussão.
Qualquer tentativa de prever o resultado de um futuro julgamento pela 1ª Seção não passa de um palpite, uma vez que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é instituto relativamente novo no ordenamento jurídico e ainda muito controverso no âmbito das execuções fiscais. Não há, até o momento, orientação clara dos Tribunais Superiores acerca do tema, sobretudo no que diz respeito à sua aplicação no redirecionamento de execuções fiscais para grupos econômicos.
Resta, portanto, aguardar um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, com a expectativa de que a questão tenha, finalmente, um desfecho.
*Colaborou Pedro Cunha, advogado do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.