Notas comerciais ganham apelo entre empresas

Sob novo arcabouço jurídico, aumenta emissão de título voltado ao financiamento de capital de giro

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As notas comerciais, títulos de crédito já antigos, ganharam um novo status em 2021, após a edição da Lei do Ambiente de Negócios (de número 14.195). A primeira emissão desses papéis sob o novo arcabouço ocorreu em novembro passado e, já em fevereiro deste ano, as ofertas respondiam por 18,5% das captações de renda fixa. Elas ficaram atrás apenas das tradicionais debêntures, que representaram 60,4% das emissões no mês, segundo informações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Ao todo, foram emitidos 5,16 bilhões de reais em notas comerciais em fevereiro, sendo que a Csixers Holding e a Diagnósticos da América levantaram 2 bilhões de reais cada. As ofertas foram feitas com esforços restritos de distribuição (via Instrução 476/09). Cabe destacar que o montante emitido em fevereiro é 1.000% superior ao de janeiro, quando seis operações captaram 445 milhões de reais. 

Celso Contin e Vinicius Mattos, respectivamente sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, afirmam que o título vem sendo procurado quase que exclusivamente por investidores profissionais, mas que, no caso dos emissores, a diversidade é maior: “A emissão eletrônica dos títulos e algumas possibilidades abertas pela nova lei, tais como o pagamento periódico do saldo de principal e juros, ofereceram maior facilidade nas negociações e circulação do crédito, viabilizando maior diversificação dos emissores”.

Voltadas ao financiamento de capital de giro, com prazos geralmente inferiores aos das debêntures, as notas comerciais podem ser emitidas por sociedades anônimas, sociedades limitadas e cooperativas. Estas duas últimas possibilidades foram reconhecidas na nova lei. Além disso, o diploma estabeleceu mudanças importantes para o título, como a previsão de emissão escritural (até então, ela era física, cartular) e a possibilidade de estipulação de juros compostos como taxa remuneratória. Sob um arcabouço jurídico mais moderno, a expectativa é que as notas comerciais avancem sobre o espaço ocupado hoje pelo crédito bancário tradicional. 

No entanto, a alta dos juros, o ano eleitoral e a expectativa de baixo crescimento econômico podem refrear o interesse das empresas pela emissão dos papeis, consideram Contin e Mattos. 

Na entrevista abaixo, os advogados abordam os principais pontos relativos às notas comerciais.


Como é o processo de emissão de uma nota comercial? A oferta desse título se assemelha a de outros do mercado de capitais?

Celso Contin e Vinicius Mattos: A nota comercial é um título de crédito representativo de uma promessa de pagamento em dinheiro pelo seu emissor, que pode ser uma cooperativa, sociedades anônima e/ou limitada. Ela pode ser emitida com ou sem garantias (reais ou fidejussórias), e deve conter o prazo, local de pagamento, taxa de juros e a realização de amortizações periódicas ou a indicação do pagamento total no vencimento do título.

Tradicionalmente, a emissão de notas comerciais sempre se deu pela elaboração de uma cártula impressa contendo todas as informações referentes ao título. A existência física era, inclusive, um dos princípios balizadores dos títulos de crédito na legislação brasileira, uma vez que estes deveriam existir fisicamente para serem capazes de “circular”. Até a edição da Lei 14.195/21, que passou a admitir a emissão puramente escritural, ela era formalizada e materializada no papel e então depositada no cofre de uma instituição financeira, que posteriormente à sua negociação eletrônica, endossava o papel ao último credor.

Relativamente à oferta deste título no mercado de capitais, esta é bem semelhante a oferta de outros valores mobiliários. A Instrução CVM 566 regula a distribuição de notas comerciais, e estipula que as regras gerais para a distribuição dos papéis são as mesmas aplicáveis às ofertas públicas de valores mobiliários (ou seja, a Instrução CVM 400 e a Instrução CVM 476). Dessa forma, com exceção de algumas regras específicas, os regimes são semelhantes.

Das regras específicas aplicáveis ao título, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estipula o prazo máximo de vencimento em 360 dias da emissão do título, exceto quando distribuído por meio de uma oferta pública de distribuição com esforços restritos (feita através da Instrução CVM 476) e se houver sido contratado um agente de notas. Ainda, dispensa a contratação de um coordenador para a oferta para os emissores com grande exposição ao mercado (empresas em bolsa há pelo menos três anos com valor de mercado superior a 5 bilhões de reais) que emitam notas comerciais com prazo igual ou inferior a 90 dias e destinadas exclusivamente para investidores profissionais.


As notas comerciais vêm atraindo que tipos de investidores? E o que se pode dizer com relação às características dos emissores que têm vindo a mercado?

Celso Contin e Vinicius Mattos: Em relação ao investidor, ainda são quase que exclusivamente concentrados nos profissionais, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas que tenham mais de 10 milhões de reais em aplicações financeiras, clubes e fundos de investimento, agentes autônomos, administradores de carteira, analistas ou consultores de valores mobiliários, instituições financeiras, seguradoras e investidores não residentes. Trata-se ainda de um público investidor bastante restrito.

Do ponto de vista de emissores, as notas comerciais já encontram uma diversificação bastante razoável. A título de exemplo, em 2021 foram realizadas 302 ofertas públicas com esforços restritos de notas comerciais registradas na CVM. Os emissores das notas comerciais encontram-se nos mais variados setores, tais como imobiliário, energia, agroindustrial, serviços, varejo, diagnósticos médicos e saneamento.

A emissão eletrônica dos títulos e algumas possibilidades abertas pela nova lei, tais como o pagamento periódico do saldo de principal e juros, ofereceram maior facilidade nas negociações e circulação do crédito, viabilizando maior diversificação dos emissores.


Com relação às operações deste ano, quais foram as suas principais características, em termos de volumes, taxas e prazos?

Celso Contin e Vinicius Mattos: Até o momento foram registradas 26 ofertas de notas comerciais junto à CVM. Tais operações se concentraram nos setores imobiliário, de energia e telecomunicações.

Do ponto de vista de prazos e taxas, as emissões encontram-se bastante concentradas no prazo de até 360 dias e com aumento expressivo dos juros remuneratórios, refletindo o aumento da taxa Selic. Em termos de volume, encontramos emissões variando de 25 milhões de reais, o que é um valor bastante razoável para uma emissão em mercado de capitais, até 600 milhões de reais, o que identifica a grande versatilidade do título.


De acordo com a Anbima, as emissões de notas comerciais neste ano (janeiro e fevereiro) já são duas vezes superiores às de 2021. Esse crescimento acelerado deve se manter?

Celso Contin e Vinicius Mattos: É difícil fazer uma estimativa precisa a respeito. O aumento da taxa Selic para 11,75% desencoraja a tomada de novas dívidas por parte das empresas e, portanto, a emissão de novas notas comerciais. Além disso, o crescimento esperado da economia para 2022 é expressivamente menor do que o registrado em 2021. Ambos os fatores diminuem a demanda dos emissores para novos recursos no mercado de capitais. Soma-se a isso que 2022 será um ano eleitoral, e tal fator sempre adiciona mais instabilidade ao mercado de capitais.

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