Alteração de destino de imóvel pode se tornar mais fácil

Expectativa é de aumento do “retrofit” e das mudanças de uso de imóveis comerciais para residenciais

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Alterar o destino de um imóvel — de comercial para residencial, por exemplo — era uma possibilidade prevista na legislação, mas raramente usada. A necessidade de aprovação por unanimidade dos condôminos, em assembleia, tornava a mudança praticamente impossível. Agora, essa realidade pode começar a se transformar: o quórum necessário para aprovar a destinação de edifícios caiu para dois terços dos condôminos. 

A redução no quórum veio com a Lei 14.405/22, publicada em julho. “Acredita-se que as alterações trazidas pela Lei 14.405/22 terão impacto direcionado àqueles edifícios de natureza comercial ou hoteleira, cuja aquisição pelos proprietários das unidades imobiliárias se deu, em sua maioria, com o objetivo de investimento”, considera a advogada Paula Cambraia, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. Ela também espera que se tornem mais comuns as práticas de “retrofit”. 

A mudança veio na esteira da pandemia de Covid-19, que provocou a queda na procura por imóveis comerciais e chamou a atenção para a necessidade de os proprietários contarem com alternativas para lidar com a situação. “A redução do quórum de aprovação não tem como objetivo alterar, por exemplo, a destinação de edifícios residenciais cujos condôminos residem em suas unidades há vários anos”, afirma Cambraia. Para ela, a mudança de um edifício residencial para comercial permanecerá bastante incomum e difícil de ser alcançada.

Isso porque todas as mudanças na destinação dos imóveis poderão ser contestadas. Uma das questões que podem surgir é se o interesse da maioria pode prevalecer sobre o direito de propriedade de um condômino. A discussão sobre se as convenções de condomínio prevalecem em relação aos direitos dos proprietários é antiga, mas ainda inconclusa

Na entrevista abaixo, Cambraia aborda a mudança trazida pela Lei 14.405/22 e o que se pode esperar das alterações. 


Antes da Lei 14.405/22, o que era necessário para alterar a destinação de um edifício? Essas alterações eram comuns?

Paula Cambraia: Antes da Lei 14.405/22, que alterou o artigo 1.351 do Código Civil, somente era possível a alteração da destinação de um edifício ou unidade imobiliária mediante aprovação pela unanimidade dos condôminos. Isso significa que, se apenas um condômino se posicionasse de forma contrária, já não seria possível alterar a destinação do edifício ou da unidade imobiliária. Justamente pela exigência de unanimidade de votos favoráveis, essas alterações não eram comuns.

Foi, inclusive, a realidade de extrema dificuldade para aprovação de tais alterações, somada à demanda que já era observada há alguns anos – agravada pelo cenário pandêmico de queda considerável pela busca de imóveis comerciais – que fundamentou a proposta legislativa para alteração do citado artigo do Código Civil.

O objetivo do legislador com a alteração trazida pela Lei 14.405/22, de redução do quórum de aprovação para 2/3 dos condôminos, foi tornar mais viáveis as aprovações de alteração das destinações dos edifícios e unidades imobiliárias.


A Lei 14.405/22 reduziu o quórum necessário para aprovação da mudança de destinação de edifícios. A mudança pode de fato facilitar a readequação e o novo uso dos edifícios e demais imóveis ou, na prática, isso continuará sendo difícil?

Paula Cambraia: Certamente a redução do quórum de aprovação para 2/3 dos condôminos, se comparado à exigência de quórum unânime, é uma forma de facilitar a alteração da destinação de edifícios.

Acredita-se que as alterações trazidas pela Lei 14.405/22 terão impacto direcionado àqueles edifícios de natureza comercial ou hoteleira, cuja aquisição pelos proprietários das unidades imobiliárias se deu, em sua maioria, com o objetivo de investimento. Nesse contexto, a opção pela alteração da destinação pode ser uma estratégia vantajosa aos condôminos e, por isso, poderá ser mais comum.

Além disso, a alteração trazida pela Lei 14.405/22 tornará mais comuns as práticas de “retrofit”, o que poderá estimular o setor imobiliário e gerar expansão de empreendimentos.

É importante destacar que a Lei 14.405/22 tem como objetivo atender a uma demanda da sociedade, que foi agravada pela pandemia do covid-19. A queda na busca por imóveis comerciais implica na necessidade de alteração da destinação desses imóveis, anteriormente comerciais, para residenciais ou de uso misto. A redução do quórum de aprovação não tem como objetivo alterar, por exemplo, a destinação de edifícios residenciais cujos condôminos residem em suas unidades há vários anos.

Em resumo, a redução do quórum de aprovação trazida pela Lei 14.405/22 torna mais viável a alteração da destinação de edifícios e unidades imobiliárias, mas certamente tais decisões serão mais comuns em edifícios comerciais, ao passo que permanecerão bastante incomuns e difíceis de serem alcançadas no contexto dos edifícios com destinação residencial.


Uma vez aprovada em assembleia a mudança de determinado edifício, quais alternativas restam aos condôminos descontentes, que votaram contra a matéria?

Paula Cambraia: Os procedimentos para questionamento das decisões tomadas em assembleia permanecerão os mesmos. Os condôminos insatisfeitos podem buscar a revisão das aprovações por meio de ação declaratória de nulidade. Referida ação pode ter como fundamento formalidades legais, como vícios de convocação e quórum para votação, mas também a alegação de que a alteração da destinação do edifício interfere no direito de propriedade do condômino.

Este último ponto, inclusive, pode ser bastante controverso. O questionamento por trás dessa alegação tem como base a sobreposição da vontade da maioria sobre o direito de propriedade de um condômino, o que será tratado adiante.


Mudanças na destinação dos edifícios realizadas após a Lei 14.405/22 poderão ser questionadas do ponto de vista jurídico, ainda que aprovadas por dois terços dos condôminos?

Paula Cambraia: Toda decisão, seja ela através em assembleia ou no âmbito do Judiciário, é passível de questionamento.

Acredita-se que há fundamento para questionar a mudança de destinação dos edifícios e das unidades imobiliárias, ainda que aprovadas por 2/3 dos condôminos, e existem meios para tanto, como esclarecido no tópico anterior.

Do ponto de vista jurídico, pode ser questionada a prevalência do direito da maioria, em um cenário de condomínio edilício, sobre o direito individual de propriedade.

A mudança na destinação de um edifício ou unidade imobiliária faz com que aquele condômino que adquiriu uma unidade em edifício comercial, por exemplo, torne-se, após aprovação em assembleia, proprietário de uma unidade residencial, sendo que aquele não era o seu objetivo quando da aquisição do imóvel.

É importante esclarecer que a alteração da destinação de um imóvel traz impactos práticos para o proprietário, inclusive na forma como usufruir de sua unidade, direito inerente ao direito de propriedade, que é resguardado pelo artigo 5º, XXII da Constituição da República.

Todas essas ponderações trazem questionamentos que deverão ser analisados com cautela pelo Judiciário, como se seria válida a decisão da maioria dos condôminos, com base em interesses particulares, sobre a decisão de um condômino proprietário de uma unidade e se o interesse da maioria pode prevalecer sobre o direito de propriedade de um condômino.

Por se tratar de alteração ainda recente, não há como prever as implicações práticas no contexto da sociedade, mas certamente nos depararemos com discussões relevantes sobre o tema.

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