Mercado aguarda medidas para fomento a green bonds

Expectativa é de que até o fim do ano governo federal apresente plano de incentivo à emissão de títulos verdes

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As trágicas imagens de incêndios no Pantanal e na Amazônia consolidaram a pauta ambiental no topo da agenda do mercado de capitais, movimento reforçado pelos efeitos adversos da pandemia de covid-19. Não por acaso, a expansão da incorporação dos critérios ESG (sigla em inglês para fatores ambientais, sociais e de governança) às estratégias corporativas e às demandas dos investidores coloca em evidência os chamados green bonds. Recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Regional manifestou interesse na criação de um plano nacional de fomento à emissão desses papéis, de forma a endereçar parte da questão do financiamento de iniciativas sustentáveis.

Como explica Celso Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados, em linhas gerais green bond é um título de dívida emitido no mercado de capitais envolvendo algumas características específicas. “São necessárias regras claras nos documentos da emissão para a utilização dos recursos, que devem gerar um impacto socioambiental positivo, e a comprovação de que a emissora está cumprindo os compromissos assumidos durante a vida do papel”, detalha. Essa comprovação, observa, é feita através de medições periódicas por uma certificadora reconhecida no mercado.

De acordo com Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados, a intenção do governo federal de estruturar um plano de investimento no agronegócio sustentável ocorre depois de conversas entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a organização inglesa Climate Bonds Initiative (CBI), certificadora global de green bonds. “A expectativa é de que o governo finalize, até dezembro de 2020, um plano para a emissão de títulos verdes”, destaca o advogado.

A seguir, Contin e Magalhães detalham outros pontos relacionados à emissão de green bonds no Brasil e abordam as implicações do crescimento desse mercado no País.


O Ministério do Desenvolvimento Regional recentemente manifestou o interesse na elaboração de um programa de fomento à emissão de green bonds no Brasil. O que são esses títulos?

A preocupação socioambiental é uma tendência no mundo todo. Diversos investidores vêm se posicionando no sentido de aplicarem seus recursos em projetos de impacto nessa área ou de apenas financiarem empresas com compromisso socioambiental. Essa dinâmica cria um terreno fértil para o crescimento dos green bonds.

Outro aspecto que tem viabilizado sobremaneira a utilização dos green bonds como forma de financiamento é o fato de eles utilizarem instrumentos de dívida já existentes há muito tempo nos mercados de capitais, o que imprime estabilidade e segurança aos investidores.

O green bond é um título de dívida emitido no mercado de capitais cuja emissão prevê: a existência de regras claras nos documentos da emissão para a utilização dos recursos, que devem gerar um impacto socioambiental positivo; e a comprovação de que a emissora está cumprindo os compromissos assumidos durante a vida do papel, feita através de medições periódicas por uma certificadora reconhecida no mercado, a qual assume perante os investidores o compromisso de realizá-las nos documentos da emissão.

Diferentemente do que se pode imaginar em uma visão simplista do conceito, o green bond não trata apenas de financiar iniciativas voltadas para a proteção ambiental. Dentro de critérios estabelecidos pelas certificadoras e acordados com os investidores, é possível também que financiem a atividade empresarial como um todo. Por exemplo: uma empresa de alimentos pode financiar seu capital de giro através de um green bond, assumindo compromissos de certificar-se que seus fornecedores adotam práticas sustentáveis de cultivo e tratamento do solo e de resíduos.

Em linha com a tendência de mercado citada acima, os títulos verdes devem ser cada vez mais utilizados pelas empresas como instrumento de financiamento.

O governo federal pretende estruturar um plano de investimento no agronegócio sustentável, após conversas entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a organização inglesa Climate Bonds Initiative (CBI), certificadora global de green bonds. O Ministério deve finalizar até dezembro de 2020 um plano para a emissão de títulos verdes, ou green bonds. Os green bonds são títulos de dívida comuns que objetivam a captação de recursos com o propósito de implantar ou refinanciar projetos e compra de ativos sustentáveis — incluídos infraestrutura de energia limpa e renovável, transporte verde e projetos capazes de reduzir emissões de carbono e consumo de água, energia e matérias-primas.


O que seria necessário para impulsionar esse mercado no País?

Pelo viés do custo, a certificação periódica do cumprimento dos quesitos de sustentabilidade estabelecidos na emissão do papel gera uma despesa maior de emissão e manutenção quando comparado a um título sem o selo green bond. Mas isso pode ser endereçado por meio de incentivos fiscais, da mesma forma como ocorre hoje com as debêntures de infraestrutura e os CRAs (certificados de recebíveis do agronegócio). Uma das iniciativas nessa linha é o Projeto de Lei 2.646/20, que, dentre as alterações nas regras de debêntures de infraestrutura e fundos de investimento ali disciplinados, amplia benefícios concedidos a projetos de infraestrutura caso sejam vinculados a green bonds devidamente certificados.

O governo também poderia facilitar o financiamento de grandes projetos ou o financiamento utilizando recursos de fomento em áreas importantes do País através da emissão de green bonds, podendo o BNDES (ou outros bancos públicos) alocar linhas especialmente desenhadas para esses papéis.

Um outro aspecto que cria dificuldade ao desenvolvimento desse mercado no Brasil é o tamanho das emissões internacionais de green bonds em comparação às emissões no âmbito do mercado brasileiro. Em mercados mais maduros, como o americano, as emissões de dívida geralmente envolvem valores muito superiores ao tíquete médio praticado pela maioria das empresas brasileiras que já acessa o mercado de capitais local. Essa diferença inviabiliza o acesso dessas empresas ao mercado internacional de green bonds. A criação de um mercado local de títulos verdes incentivados seria uma alternativa para torná-lo viável no Brasil.

Alguns pontos são a existência de títulos públicos com potencial similar ou superior aos corporativos; nível de liquidez do mercado superior ao apresentado atualmente, de forma que impulsione o desenvolvimento do mercado de títulos verdes privados; maior divulgação e incentivo para os investidores pessoas físicas e estrangeiros; flexibilização das regras de emissão de green bonds e redução de custos fixos; incentivo para as seguradoras estruturarem um green bond em vez de uma debênture tradicional.


Em que medida a atitude do governo federal favorece os players envolvidos na emissão de green bonds?

Um programa de investimento em green bonds pelo Ministério do Desenvolvimento Regional teria o potencial de favorecer sobremaneira o desenvolvimento do mercado. Através de um programa de investimentos relacionados a compromissos ambientais e seu acompanhamento de forma sistematizada pelo governo, seria possível desenvolver o mercado local para títulos verdes como um todo.

O papel do governo federal é incentivar o desenvolvimento da demanda em território nacional, buscando a melhor adequação entre as expectativas dos investidores e as regulamentações para as certificadoras atuarem nesse segmento, levando à universalização do uso de green bonds.


Um programa oficial, para ser efetivo, precisaria se concentrar em quais aspectos da emissão de green bonds, na sua opinião?

Dentre diversos aspectos de um programa oficial, destaco três principais. Primeiramente, algum tipo de benefício fiscal que incentive a emissão dos títulos e ao mesmo tempo amenize o impacto de custo da certificação nas operações, materializando a possibilidade do investimento em green bonds em taxas de retorno atrativas ao investidor.

Em segundo lugar, para o financiamento dos projetos em setores regulados, como saneamento, rodovias ou energia, por exemplo, as autoridades deveriam facilitar a concessão de linhas vinculadas a uma certificação verde. Isso também viabilizaria a emissão de green bonds além de representar um impacto reputacional positivo para o País em termos ambientais.

Por fim, o diálogo constante com as entidades que dentro e fora do País vêm criando e favorecendo a emissão dos títulos verdes será fundamental para o sucesso do programa.

Apresentar melhores condições para a emissão de green bonds e maior liquidez para os investidores.

 

 

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