Tributação de offshores gera questionamento
Advogados são unânimes: contribuintes autuados em operações de redução de capital devem instaurar contencioso
Brasileiros que possuem offshores costumavam, até a edição da Lei das Offshores (Lei 14.754/23), receber recursos dessas empresas por meio da redução de capital de suas participações societárias. Esta era a forma menos onerosa de receber recursos de fora, e amparada pelas normas. No entanto, a Receita Federal recentemente colocou esses contribuintes na mira por entender que eles pagaram menos impostos do que deviam. Advogados tributaristas são unânimes em dizer que a postura do fisco não encontra amparo legal e que os contribuintes eventualmente autuados devem instaurar contenciosos e discutir a questão.
A Receita Federal vem notificando contribuintes que se valeram da possibilidade de receber recursos por meio da redução de capital até a edição da Lei das Offshores, que entrou em vigor no início de 2023 – após as notificações, alguns podem ser autuados. O argumento é o de que essa redução não pode ser considerada uma alienação (e ser tributada conforme o ganho de capital) porque o capital devolvido não deixou de ser propriedade do acionista/quotista/titular. Ela deveria, segundo a Receita, ser tributada conforme os rendimentos.
Há duas formas de se receber recursos de uma offshore: por meio da distribuição de dividendos (reduzindo a conta de lucros acumulados da contabilidade) ou por redução de capital (reduzindo a conta de capital/reserva de capital da empresa no exterior e recebendo valores e/ou bens em retorno). “Nessa operação, a investida reduz seu capital social e paga o valor correspondente aos sócios. Sob a perspectiva do sócio, essa alternativa era utilizada porque a tributação era com base na diferença positiva entre o valor recebido pela devolução do capital e o custo de aquisição da participação societária. Portanto, diferentemente dos lucros distribuídos, em que há tributação sobre o valor bruto, na devolução de capital tem-se a tributação apenas do ganho”, explicam Júlia Barreto e Marina Guimarães, associadas do Freitas Ferraz Advogados.
Outro ponto é que, ao reduzirem o capital, os contribuintes se valiam da alíquota que incide sobre ganho de capital (de 15% a 22,5%), que é potencialmente inferior à que incide sobre rendimentos (tabela progressiva do Imposto de Renda, de até 27,5%). Para a Receita, esta última é que deveria ser paga. Ela considera que, se não houver alienação da participação societária no exterior, não há que se falar em ganho de capital quando ocorre a devolução de capital em dinheiro, uma vez que o capital devolvido não deixou de ser propriedade do acionista/quotista/titular. Por conta disso, o fisco entende que a tributação que deve incidir é referente a rendimentos, com o recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, à alíquota de 27,5% – e vem autuando contribuintes que recolheram o imposto como ganho de capital e não como rendimento.
Questionamentos dos contribuintes
Os advogados tributaristas não concordam com a tributação como rendimento: “[…] o entendimento da Receita Federal é equivocado, visto que este é contrário à legislação brasileira que trata do tema, entendimento este reforçado na recente Lei 14.754/23 que trata da tributação das offshores, devendo prevalecer a interpretação de que a redução de capital é sujeita à apuração de ganho de capital com alíquotas de 15% a 22,5%”, afirma Filipe Arantes, sócio do FTA Advogados.
Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados, são da mesma opinião. “Considerando a existência de fortes argumentos de defesa, no sentido de que a devolução de capital de offshore deve ser tratada como ganho de capital sujeito às alíquotas progressivas do artigo 21 da Lei
nº 8.981/95, recomenda-se que os contribuintes que receberam tais notificações aguardem eventual autuação para que se possa, por meio da apresentação de impugnação, instaurar um contencioso e discutir a questão.”
Barreto e Guimarães, do Freitas Ferraz, acrescentam que o posicionamento da Receita Federal vai em sentido oposto a outros entendimentos do órgão e até do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Este concluiu que alienação é toda operação onerosa em sentido amplo, como permuta, dação em pagamento, cessão de direitos, em linha com o artigo 3º da Lei nº 7.713/88. “Sob essa ótica, é impossível afastar os efeitos tributários de uma alienação em operações de redução de capital. Não em vão, na alteração legislativa mais recente (Lei das Offshores), há previsão expressa de que a redução de capital deve ser tributada como ganho de capital, incluindo, ainda, o ganho decorrente de variação cambial.”
Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz, FTA e Vieira Rezende aprofundam a questão e explicam, ainda, o que mudou na tributação após a Lei das Offshores.
– Quando um contribuinte tem participação societária em uma offshore, de que formas pode receber os recursos dessa participação? Por que muitos optam pela redução de capital?
Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana: As duas formas de receber recursos provenientes de uma offshore são por distribuição de dividendos (reduzindo a conta de lucros acumulados da contabilidade) ou por redução de capital, reduzindo a conta de capital/reserva de capital da empresa no exterior.
Até a edição da Lei nº 14.754/2023, a tributação incidente variava em razão da opção adotada. Com efeito, caso a opção fosse pela redução da conta de lucros acumulados (isto é, pela operação de distribuição de dividendos), a tributação seria mais onerosa, aplicando-se a alíquota de 27,5% sobre o valor distribuído. Já no que se refere à operação de redução de capital, ela era tratada como uma alienação, e aplicavam-se as alíquotas progressivas do artigo 21 da Lei nº 8.981/95 (de 15% a 22,5%) sobre eventual ganho de capital (que deverá ser calculado mediante a diferença positiva entre o valor recebido em moeda nacional e o custo de aquisição médio da entidade no exterior). Sendo assim, por representar uma tributação menos onerosa, a maioria dos contribuintes optavam por tratar esta operação como uma redução de capital da offshore.
Este é o entendimento que consideramos correto, embora exista discussão sobre o tema, conforme abordado na sequência.
Filipe Arantes: Quando o contribuinte tem participação societária em uma offshore, o recebimento de recursos no Brasil oriundos dessa participação ocorre através de distribuição de dividendos ou redução de capital, sendo que muitos optam pela redução de capital pois nela haveria tributação pelo ganho de capital no recebimento de ativos, situação em que incidiriam as alíquotas progressivas 15% a 22,5% sobre diferença positiva na apuração do ganho, nos termos do previsto no artigo 21 da Lei 8.981/95, enquanto os dividendos distribuídos pelas offshores até dezembro de 2023 eram tributados como rendimentos, em alíquota máxima de 27,5%, apurados na sistemática do carnê-leão.
Júlia Barreto e Marina Guimarães: Quando um contribuinte tem participação societária em uma offshore, há diferentes formas pelas quais ele pode receber os recursos dessa participação, o que resulta em distintas formas de tributação.
Tradicionalmente, a forma mais comum de receber os recursos é por meio da distribuição de lucros da sociedade. Antes da Lei nº 14.754/2023 (Lei das Offshores), os dividendos eram tributados à alíquota progressiva do IRPF, ou seja, até 27,5%.
Além da distribuição de lucros, o contribuinte também pode optar por realizar a redução de capital da sua participação, recebendo valores e/ou bens em retorno. Nessa operação, a investida reduz seu capital social e paga o valor correspondente aos sócios. Sob a perspectiva do sócio, essa alternativa era utilizada porque a tributação era com base na diferença positiva entre o valor recebido pela devolução do capital e o custo de aquisição da participação societária. Portanto, diferentemente dos lucros distribuídos, em que há tributação sobre o valor bruto, na devolução de capital tem-se a tributação apenas do ganho.
– A Receita Federal considera que redução de capital não deve ser tributada conforme o ganho de capital. Por quê? Em sua visão, está correto o entendimento da Receita?
Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana: O entendimento da Receita Federal, até a publicação da Lei nº 14.754/2023, proferido, por exemplo, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 678/2017, é o de que a devolução de capital em dinheiro de participação societária no exterior não se enquadra no conceito de alienação, já que o capital devolvido não havia deixado de ser propriedade do acionista/quotista/titular.
Sendo assim, de acordo com a Receita Federal, o valor recebido não deveria ser tratado como ganho de capital, mas sim como aquisição de disponibilidade econômica de renda conforme dispõe o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Com efeito, entendia-se que a diferença positiva entre o valor da devolução de capital em dinheiro e o valor constante da Declaração de Ajuste Anual (custo de aquisição) da pessoa física que receber a devolução, deveria ser tributado sob a forma de recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), no mês do recebimento, à alíquota de 27,5%.
Filipe Arantes: A Receita Federal considera que redução não deve ser tributada conforme ganho de capital porque se baseia no equivocado entendimento de que a redução de capital não é uma forma de alienação, razão pela qual não estaria sujeita à apuração do ganho de capital. Para a Receita Federal, a redução de capital corresponde a um rendimento e deve se sujeitar ao carnê-leão como no caso do recebimento de dividendos. Entretanto, o entendimento da Receita Federal é equivocado, visto que este é contrário à legislação brasileira que trata do tema, entendimento este reforçado na recente Lei 14.754/23 que trata da tributação das offshores, devendo prevalecer a interpretação de que a redução de capital é sujeita à apuração de ganho de capital com alíquotas de 15% a 22,5%.
Júlia Barreto e Marina Guimarães: Para a Receita Federal, a redução de capital não se equipara a uma operação de alienação, que é a premissa para atrair a tributação pelo ganho de capital. Dessa forma, a alíquota aplicável seria aquela que é utilizada para rendimentos em geral (como distribuição dos lucros), por meio da tabela progressiva de até 27,5%.
No entanto, esse posicionamento da Receita Federal vai em sentido oposto a outros entendimentos do órgão e até do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que conclui que alienação é toda operação onerosa em sentido amplo, como permuta, dação em pagamento, cessão de direitos, em linha com o artigo 3º da Lei nº 7.713/1988. Sob essa ótica, é impossível afastar os efeitos tributários de uma alienação em operações de redução de capital.
Não em vão, na alteração legislativa mais recente (Lei das Offshores), há previsão expressa de que a redução de capital deve ser tributada como ganho de capital, incluindo, ainda, o ganho decorrente de variação cambial.
– Contribuintes vêm recebendo notificações da Receita porque recolheram impostos que incidem sobre ganho de capital e não sobre rendimentos. O que se recomenda a esses contribuintes: refazer as declarações de Imposto de Renda e pagar a diferença dos tributos ou discutir a questão?
Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana: Considerando a existência de fortes argumentos de defesa, no sentido de que a devolução de capital de offshore deve ser tratada como ganho de capital sujeito às alíquotas progressivas do artigo 21 da Lei
nº 8.981/95, recomenda-se que os contribuintes que receberam tais notificações aguardem eventual autuação para que se possa, por meio da apresentação de impugnação, instaurar um contencioso e discutir a questão.
Filipe Arantes: O recomendado é que os contribuintes discutam essa questão caso sejam autuados, visto que o argumento da Receita não encontra amparo jurídico.
Júlia Barreto e Marina Guimarães: Considerando o tratamento dado pelo próprio Carf em diversos posicionamentos (alienação em sentido amplo), entendemos ser possível questionar o entendimento da Receita Federal.
Contudo, em matéria de contencioso tributário, a decisão de questionar ou não o entendimento da Receita Federal deve ser tomada analisando cada situação específica. Dizemos isso porque é fundamental que o contribuinte tenha documentação suporte para amparar sua decisão – principalmente com relação à comprovação do custo de aquisição.
– O que a Lei das Offshores (Lei 14.754/23) alterou com relação aos tributos incidentes sobre a redução de capital e/ou ao lucro da offshore?
Michel Siqueira Batista e Giovanna Milana: Basicamente foram promovidas duas grandes mudanças. A primeira é que não existe mais hipótese de tributação de resultados à alíquota de 27,5%.
A partir de 2024, os lucros deverão ser tributados a uma alíquota fixa de 15%, independentemente de sua efetiva distribuição, não mais a 27,5%. O valor em dólares americanos dos lucros apurados deve ser declarado anualmente como um novo “Crédito de Dividendos a Receber” e não será tributado novamente no momento da distribuição. É possível realizar a distribuição dos lucros acumulados até 31/12/2023, quando a nova Lei nº 14.754/2023 ainda não estava em vigor, sem tributar a variação cambial (conforme artigo 50, § 2º, III, § 3º da Instrução Normativa nº 2.180/2024
Outra mudança relevante promovida pela Lei nº 14.754/2023 é a previsão de que a variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior comporá o ganho de capital percebido pela pessoa física, inclusive por meio de devolução de capital, devendo ser tributado de acordo com o disposto no artigo 21 da Lei nº 8.981/95. No regime anterior, a variação cambial poderia ser isenta, caso o investimento tivesse sido realizado com recursos originariamente em moeda estrangeira.
Filipe Arantes: A Lei 14.754/23, que entrou em vigor neste ano destacou que o ganho de capital percebido pela pessoa física no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital, deve ser tributado de acordo com o disposto no artigo 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, ou seja, a legislação confirma que a redução de capital continua sendo tributada como ganho de capital. Já em relação aos lucros das offshores, nos casos que se enquadram nas hipóteses previstas na Lei 14.754/23, os contribuintes serão tributados à alíquota de 15% sobre o lucro apurado em 31 de dezembro de cada ano.
Júlia Barreto e Marina Guimarães: A partir do início desse ano (início da vigência da Lei das Offshores), a redução de capital de sociedades localizadas no exterior passou a ter regramento próprio na legislação brasileira. Além disso, também houve alteração sobre a tributação da distribuição de lucros das sociedades offshore.
Quanto à tributação dos lucros distribuídos, a sistemática dependerá da jurisdição em que está localizada a sociedade, bem como do percentual de receita ativa auferido pela pessoa jurídica, em comparação com sua receita total, e da existência de relação de controle por parte da pessoa física no Brasil.
Quando a sociedade em que o contribuinte brasileiro detiver controle estiver em país em jurisdição de tributação favorecida ou não cumprir os requisitos de renda ativa, os lucros serão tributados anualmente, mesmo que sem distribuição (o que é chamado de tributação anual). Quando aplicável, a alíquota de IRPF incidente sobre os lucros será de 15% (em todos os casos).
Sobre a redução de capital, ficou definido que essa operação está sujeita à apuração do ganho de capital. Nesse caso, o cálculo do ganho de capital deve seguir as diretrizes estabelecidas no artigo 7º da Lei, o que envolve a diferença entre: o valor por ação ou cota recebido na redução de capital e o custo médio de aquisição por ação ou cota. Em caso de diferença positiva, o ganho deverá ser tributado às alíquotas de 15% a 22,5% de Imposto de Renda.
É importante destacar que, no caso de devolução de capital entre controladas sujeitas ao regime de tributação anual (e não diretamente para a pessoa física), os indivíduos devem transferir parte do custo de aquisição de uma controlada para outra (proporcionalizando o custo de aquisição existente).
Sou a Gabriella Barbosa Rocha, gostei muito do seu artigo
tem muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.