Lei da Liberdade Econômica estabelece novas regras para fundos de investimento

Nova legislação estabelece parâmetros mais claros, como definição da natureza desses condomínios e delimitação de responsabilidades

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Entre muitos outros pontos relacionados a questões práticas do empreendedorismo no Brasil, a Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), sancionada há pouco mais de dois meses pelo presidente Jair Bolsonaro, trata das diretrizes para operação dos fundos de investimento. A lei inseriu novos artigos no Código Civil (Lei 10.406/02), como o 1.368-C, no qual os fundos estão caracterizados como “uma comunhão de recursos constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza”. Além de oferecer uma definição mais clara para esses veículos, a lei pode contribuir para a redução de custos operacionais — em tese, dispensaria a necessidade do registro em cartório de títulos e documentos, bastando o registro na CVM dos regulamentos dos fundos.

A Lei da Liberdade Econômica também limita a responsabilidade dos investidores ao valor de suas respectivas cotas. Trata-se de uma mudança significativa em relação ao que é estabelecido pela Instrução 555 da CVM, norma infralegal que hoje serve como referência para a indústria brasileira de fundos de investimento. Segundo essa instrução, os cotistas respondem por um eventual patrimônio líquido negativo do fundo; já a lei diz que caberia ao próprio fundo, em regulamento, decidir que postura adotar diante da configuração desse cenário de patrimônio negativo.

Há, ainda, mudanças importantes no regime de responsabilidade dos prestadores de serviços dos fundos. Administradores, gestores, distribuidores e custodiantes teriam suas responsabilidades limitadas “ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade”, conforme determina o art. 1.368-D, inserido no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica.

Igualmente diz respeito aos prestadores de serviços um dos pontos que mais tem gerado debates em torno da nova lei. De acordo com o art. 1.368-E incluído no Código Civil, eles responderiam “pelos prejuízos que causarem quando procederem com dolo ou má-fé”. O texto, no entanto, não menciona a palavra “culpa” — por isso, restringiria a responsabilidade dos prestadores e serviços, além de ir contra a regra geral do Direito brasileiro.

Advogados filiados ao Legislação & Mercados comentam os principais pontos da nova legislação relacionados aos fundos de investimento.


Lei da Liberdade Econômica como marco regulatório dos fundos de investimento

Qual a importância das mudanças representadas pela Lei da Liberdade Econômica para os fundos de investimento?

Além do importante papel de destacar princípios de liberdade do exercício da atividade econômica — que fomenta também a indústria de fundos de investimento —, a lei cuidou de incluir um capítulo no Código Civil dedicado aos fundos de investimento, regulando, dentre outras questões, a possibilidade de instituição de limitação de responsabilidade para cotistas e prestadores de serviços fiduciários.

As mudanças são muito bem-vindas e vão garantir maior segurança jurídica para a indústria de fundos. As principais alterações foram a limitação da responsabilidade de cada investidor dos fundos de investimento ao valor de suas cotas e o estabelecimento da responsabilidade dos prestadores de serviços perante o fundo e sem solidariedade, com a introdução dos artigos 1.368-D e 1.368-E ao Código Civil. No entanto, muitas dessas mudanças ainda precisam ser regulamentadas pela CVM.


Definição do conceito de fundo de investimento

A lei esclareceu o conceito de fundo de investimento, referindo-se a condomínios “de natureza especial”. Por que essa definição é relevante?

Essa é a primeira legislação infraconstitucional a definir a natureza jurídica do fundo de investimento no Brasil, e reforça a definição já prevista na regulamentação da CVM e adotada pelo mercado. A lei afasta, assim, a aplicação das regras relacionadas a condomínios em geral e põe fim à insegurança jurídica sobre a natureza jurídica dos fundos, o que é essencial para o fomento do mercado de capitais, do private equity e do venture capital.

Os fundos de investimento eram tidos como condomínios formados por investidores, o que resultava na aplicação das regras gerais de condomínio da lei civil. Isso resultava numa interpretação errônea em relação à aplicabilidade dessa regra aos fundos de investimento. Com a Lei da Liberdade Econômica, os fundos de investimento são condomínios “de natureza especial”, conforme estabelece o art. 1.368-C do Código Civil. Essa regra é positiva e garante segurança jurídica para a indústria de fundos.


Patrimônio segregado de classes de cotas de fundos de investimento

A lei permite que um mesmo fundo de investimento tenha classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com a possibilidade de constituição de patrimônio segregado para cada classe. Qual o reflexo dessa inovação para a indústria brasileira de fundos de investimento?

É uma possibilidade prevista no art. 1.368-D, inciso III, do Código Civil. Essa inovação reforça a não solidariedade entre os investidores e permite a flexibilidade entre investidores em termos de investimento.

Essa foi uma disposição incluída durante a conversão da MP 881/19 [da qual se originou a Lei da Liberdade Econômica] em lei e certamente levará mais sofisticação ao mercado, uma vez que os fundos poderão segregar ativos e determinar a participação de cada classe de cotas de maneira distinta, de forma que cotistas participem dos resultados relacionados a esse patrimônio e respondam por ele.

“Essa é a primeira legislação infraconstitucional a definir a natureza jurídica do fundo de investimento no Brasil. A lei afasta, assim, a aplicação das regras relacionadas a condomínios em geral e põe fim à insegurança jurídica sobre a natureza jurídica dos fundos.”

– Eugênia Siqueira –

Limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas respectivas cotas

Outra novidade é a possibilidade de os fundos de investimento, em seu regulamento, estabelecerem a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor das suas cotas. Quais são os efeitos dessa mudança? Espera-se que a maioria dos fundos adote essa previsão?

Essa foi uma das previsões mais comemoradas pelo mercado e é totalmente compatível com a natureza desse tipo de investimento. A mudança certamente atrairá investidores que, por não serem tão arrojados, eventualmente temiam investir no mercado de fundos. Espera-se que a grande maioria dos fundos adote essa previsão em seus regulamentos. É importante lembrar, contudo, que a limitação de responsabilidade atinge apenas atos praticados após a respectiva mudança do regulamento do fundo.


Delimitação das responsabilidades de prestadores de serviços, sem solidariedade

Segundo a lei, o regulamento do fundo, obedecidas as normas que deverão ser baixadas pela CVM, poderá limitar a responsabilidade dos prestadores de serviços ao cumprimento dos deveres particulares de cada um, sem solidariedade. Qual a sua opinião sobre essa alteração? Há pontos sensíveis que precisam ser observados pela CVM na regulamentação desse ponto?

Essa norma já era aplicada na prática pelos prestadores de serviços e servirá para dar mais segurança jurídica aos fundos e à relação dos fundos com os prestadores. A CVM deverá aumentar a fiscalização dos prestadores de serviços.


Regras de insolvência de fundos estabelecidas pelo Código Civil

Na hipótese de um fundo não possuir patrimônio suficiente para saldar seus débitos e/ou para quitar as cotas em resgate, deverão ser observadas as regras de insolvência previstas no Código Civil. Quais as principais diferenças desse modelo em relação ao anterior? Você concorda com a mudança? Quais são os desafios envolvidos?

Anteriormente, os credores iam atrás dos cotistas ou dos prestadores de serviços. Isso resultava em insegurança dos investidores ao aplicar nos fundos e no estabelecimento de diversas proteções dos prestadores de serviços. A nova regra equilibra essa relação.

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