Derrubada de veto permite crédito tributário em transferências da mesma empresa

Ação do Congresso é relativa à movimentação interestadual de mercadorias no âmbito da Lei Complementar 204/23

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Em decisão recente, o Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais relativos a uma parte da Lei Complementar 204 que trata da incidência de ICMS em transferências interestaduais de mercadorias entre unidades diferentes de uma mesma empresa. A derrubada dos vetos, aprovada tanto pelos deputados quanto pelos senadores, retoma o objetivo inicial do texto de alinhar a lei à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de ICMS em operações envolvendo estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes. A base para a decisão do STF foi a inexistência, nesse caso, de transferência de titularidade, que caracterizaria a circulação jurídica do bem e, portanto, ensejaria a cobrança do ICMS. 

Como relembra Fernanda Rizzo, do Vieira Rezende Advogados, discutia-se, com base nas novas proposições legais, se, apesar da não incidência do imposto, os créditos relativos à entrada das mercadorias precisariam ser transferidos a partir da operação interestadual, ou se poderiam permanecer no estabelecimento de origem.

“A disposição vetada da Lei Complementar possibilitava aos contribuintes optar por tributar as operações entre estabelecimentos do mesmo titular, assegurando que a transferência dos créditos de ICMS fosse uma faculdade e não uma obrigatoriedade do contribuinte”, explica. Segundo ela, a justificativa para o veto presidencial era de que a proposição legislativa contrariava o interesse público ao gerar insegurança jurídica, à medida que poderia dificultar a fiscalização tributária e aumentar a chance de sonegação.

Rizzo observa que a derrubada dos vetos reincluiu na legislação a possibilidade de o contribuinte promover (ou não) a transferência dos créditos de ICMS. “Isso permite que as empresas possam optar pela equiparação das transferências de mercadorias a estabelecimento do mesmo titular a uma operação sujeita à ocorrência do ICMS, de modo a aproveitar, nas etapas seguintes, o crédito do referido imposto”, detalha.

Na entrevista a seguir, Rizzo aborda outros pontos da tributação de transferências interestaduais de um mesmo contribuinte e fala sobre as medidas mais pertinentes a serem adotadas pelas empresas diante da volta ao texto original da Lei Complementar 204/23.


– Qual é o histórico da questão envolvendo o veto presidencial a trechos da Lei Complementar 204, que vedou a incidência do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias da mesma empresa? 

Fernanda Rizzo: A Lei Complementar 204/23 teve origem no projeto de lei que vedava a cobrança de ICMS no trânsito interestadual de produtos da mesma empresa. O texto tinha o objetivo de adequar a legislação (no caso, a Lei Kandir) ao entendimento do STF pacificado na Ação Declaratória de Constitucionalidade 49, que julgava inconstitucional a cobrança de ICMS em operações envolvendo estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes, por ausência de transferência de titularidade (circulação jurídica do bem).

Aprovado o projeto em 5 de dezembro de 2023, a lei foi encaminhada para sanção presidencial, quando então ocorreu o veto.


– Quais trechos da lei foram vetados? Por quê? 

Fernanda Rizzo: O veto ocorreu sobre o artigo 1º da lei que trata da não incidência de ICMS nas transferências de mercadorias, na parte em que alterava o parágrafo 5º do artigo 12 da Lei Kandir (Lei Complementar 87/96).

Havia discussão, a partir das novas proposições legais, se, apesar da não incidência do imposto, os créditos relativos à entrada das mercadorias ou insumos precisariam ser transferidos a partir da operação interestadual, ou se poderiam permanecer no estabelecimento de origem. Na época, chegou-se a editar o Convênio ICMS 178/23, prevendo expressamente a obrigatoriedade de transferência do crédito do imposto na remessa interestadual entre estabelecimentos de mesma titularidade – o que, de certa forma, contrariava a Lei Complementar, que trazia a transferência como uma faculdade do contribuinte.

A disposição vetada da Lei Complementar era justamente essa que possibilitava aos contribuintes optarem por tributar as operações entre estabelecimentos do mesmo titular, assegurando que a transferência dos créditos de ICMS fosse uma faculdade e não uma obrigatoriedade do contribuinte.

Justificou-se o veto no sentido de que a proposição legislativa contrariava o interesse público ao gerar insegurança jurídica, tornando mais difícil a fiscalização tributária e elevando a probabilidade de ocorrência de sonegação fiscal.


 – Com a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional, o contribuinte passa a poder escolher ou não pela tributação pelo ICMS e o uso dos créditos do imposto, nas transferências interestaduais de mercadorias entre filiais? 

Fernanda Rizzo: Com a derrubada, a norma permite às empresas equipararem a operação àquelas que geram pagamento do imposto, aproveitando o crédito com as alíquotas do estado nas operações internas ou as alíquotas interestaduais nos deslocamentos entre estados diferentes.

Assim, reincluiu-se na legislação a possibilidade de o contribuinte promover, ou não, a transferência dos créditos de ICMS, permitindo que as empresas possam optar pela equiparação das transferências de mercadorias a estabelecimento do mesmo titular a uma operação sujeita à ocorrência do ICMS, de modo a aproveitar, nas etapas seguintes, o crédito do referido imposto.


– O que os contribuintes precisam levar em consideração a partir de agora?

Fernanda Rizzo: Os contribuintes devem avaliar qual situação é mais vantajosa em relação às suas atividades.

Como se sabe, a despeito da jurisprudência cinquentenária sobre a impossibilidade de exigência de ICMS nas transferências, os estados continuavam a exigir o tributo. Assim, causou-se a esdrúxula situação de contribuintes que se aproveitavam da cobrança para pagar o tributo e transferir créditos entre os estabelecimentos, e outros que não o recolhiam e discutiam a exigência em processos administrativos e judiciais.

A partir de agora, a faculdade proposta pela legislação permite às empresas adequarem-se às duas situações, sanando-se o problema criado a partir da demora do STF na pacificação do assunto.

Assim, o contribuinte deve analisar se faz sentido não destacar o ICMS na nota relativa à transferência, a fim de manter o crédito das operações anteriores na própria unidade federal de origem, caso existam maiores possibilidades nesse local de aproveitamento desse valor, ou, ao contrário, destacar o ICMS, com fundamento no novo § 5º do artigo 12, da Lei Complementar 87/96, evitando acúmulo de crédito na origem e utilizando o crédito para compensação com o imposto devido sobre as operações subsequentes realizadas na unidade de destino, analisando também eventual substituição tributária que poderia ser atraída em algumas situações.

No entanto, é importante mencionar que ainda não há um Convênio do Confaz disciplinando a questão e adequando o entendimento do Convênio ICMS 178/23. Nesse sentido, não se descarta a possibilidade de questionamentos dos estados na ausência da transferência dos créditos, muito embora a Lei Complementar garanta essa possibilidade.

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