Justiça Federal vai julgar ação de indenização contra a União em caso Petrobras

STJ barrou tentativa de acionistas minoritários de resolver o conflito via arbitragem

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A Justiça Federal ficará responsável por julgar a ação de indenização movida contra a União e a Petrobras pelos acionistas minoritários da estatalNfim de novembro, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a União deveria ser excluída do processo de arbitragem que tentava resolver o conflito fora do Judiciário. A ação foi aberta por investidores que se sentiram prejudicados pela desvalorização dos ativos da Petrobras após as denúncias de corrupção reveladas pela Operação Lava Jato. 

Os minoritários defendiam a participação da União no procedimento arbitral sob o argumento de que a direção da empresa havia sido indicada pelo governo federal. A União, por sua vez, requisitou sua exclusão do processo de arbitragem alegando falta de autorização expressa no artigo 58 do estatuto da empresa. Segundo o argumento apresentado, a União estaria desobrigada a participar do processo de arbitragem por ser controladora da companhia. 

Esse entendimento foi validado pelo ministro Luis Felipe Salomão, autor do voto que prevaleceu na segunda seção. O ministro observou que, no caso julgado, a União questionou a ausência de autorização legal e a falta de precisão da cláusula compromissória constante do estatuto da empresa quanto aos termos de sua abrangência. “Muito embora a arbitragem seja permitida nas demandas societárias e naquelas envolvendo a administração pública, não se pode afastar a exigência de regramento específico que apresente a delimitação e extensão de determinado procedimento arbitral ao sócio controlador, notadamente em se tratando de ente federativo, no caso a União Federal, em que a própria manifestação de vontade deve estar condicionada ao princípio da legalidade”, disse Salomão durante o julgamento. 

Abaixo, os advogados afiliados ao Legislação & Mercados, comentam a decisão do STJ e suas implicações para os processos de arbitragem envolvendo a União. 


Convocação da União para a arbitragem

  • Em quais situações de conflito a União pode ser convocada a participar do procedimento de arbitragem?

Em termos gerais, a Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e indireta (empresais estatais) está autorizada a participar de procedimento arbitral desde que estejam sendo debatidas questões envolvendo “direitos patrimoniais disponíveis”. 

A autorização consta do artigo 1º, §1º, da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) e, especificamente no que diz respeito às empresas estatais, foi ratificada pelo artigo 12, parágrafo único, da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16). 

Para que isso ocorra, os direitos em conflito devem necessariamente ser patrimoniais e disponíveis, ou seja, aqueles que possam ser avaliados pecuniariamente e negociados livremente por seus titulares. O STJ, em emblemático julgamento sobre conflito de jurisdições estatal e arbitral [Conflito de Competência nº 139.519/RJ, que permitiu resolução de litígio entre Petrobras e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) via arbitragem], entendeu que, se determinada matéria pode ser objeto de um contrato administrativo, havendo conflito ela também pode ser decidida em procedimento arbitral. Obviamente, como a jurisdição arbitral emana da vontade das partes, é preciso que a União convencione com a contraparte a instituição da arbitragem como o meio de resolução do conflito, seja anterior ou posteriormente ao surgimento do conflito. 


Exclusão da União no caso Petrobras

  • Qual sua avaliação sobre a decisão do STJ de excluir a União do processo de arbitragem no caso iniciado pelos acionistas da Petrobras?

Penso que a decisão do STJ pode trazer insegurança jurídica — seja no âmbito das empresas estatais ou das empresas privadas  uma vez que havia razoável consenso de que a cláusula arbitral inserida em Estatutos Sociais vinculava também os acionistas caso tivesse sido aprovada pela maioria deles. 

 De certo modo, a decisão do STJ “desautoriza” o artigo 136-A, da Lei das Sociedades Anônimas, que permite a adoção da arbitragem para solucionar conflitos entre acionistas, e inclusive assegura ao acionista discordante o direito de se retirar da sociedade. 

A exclusão da União do procedimento arbitral parece-nos precipitada e contrária às diretrizes traçadas pela Lei de Arbitragem, pelo não tão novo Código de Processo Civil (CPC) e pela Lei das Sociedades Anônimas. Há reiterados precedentes, inclusive do próprio STJ, reconhecendo que a primeira palavra sobre existência, validade, eficácia e extensão da convenção de arbitragem cabe ao tribunal arbitral. Trata-se do chamado “princípio da competência-competência”. Isso significa que o tribunal arbitral tem a primazia de decidir sobre a própria jurisdição e que cabe ao Poder Judiciário exercer um controle posterior das decisões tomadas no curso da arbitragem. Ao excluir a União do procedimento arbitral antes de a questão ser decidida pelo tribunal arbitral, o STJ acabou indo contra essa norma e contra sua própria jurisprudência. Além disso, a adesão da União à cláusula compromissória parece-nos clara na redação do atual estatuto social da Petrobras. 

“Há reiterados precedentes, inclusive do próprio STJ, reconhecendo que a primeira palavra sobre existência, validade, eficácia e extensão da convenção de arbitragem cabe ao tribunal arbitral”

— Guilherme Capuruço —


Efeitos para minoritários de companhias de capital misto 

  • Quais os reflexos dessa decisão para os acionistas minoritários de outras estatais ou companhias de capital misto?

Outras estatais ou companhias de capital misto e seus respectivos acionistas não se vinculam direta ou automaticamente a essa específica decisão do STJ. Seus fundamentos, porém, podem ser aplicáveis a situações semelhantes e orientar outros julgamentos ao mesmo resultado. Disso resulta extrema insegurança jurídica aos jurisdicionados e ao mercado como um todo quanto à eficácia de outras cláusulas compromissórias arbitrais, pois chancela uma prática  na maioria das vezes equivocada  de se requerer ao Poder Judiciário que impeça o prosseguimento de um procedimento arbitral ou dele exclua determinada parte antes que o tribunal arbitral possa avaliar a pertinência do pedido e mesmo que a adesão à convenção de arbitragem seja inequívoca. É o risco de se mudar as regras do jogo após os próprios participantes as terem definido. E como cláusulas compromissórias em estatutos sociais tendem a adotar redação semelhante à sugerida pela câmara arbitral  no caso, a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) , esse risco se potencializa ainda mais em relação a outras companhias de capital aberto que tenham a União ou estados como acionistas, como Vale, Banco do Brasil, Eletrobras, entre outras. 

A decisão proferida pelo STJ pode servir de subterfúgio para que acionistas retardem ou mesmo impeçam a instauração de procedimentos arbitrais para dirimir os conflitos societários sob a alegação de que não concordaram expressamente com a cláusula arbitral, obrigando a ida ao Poder Judiciário, o que por sua vez pode retardar a solução dos conflitos. Isso por certo impactará a análise de investimentos a serem feitos ou, na melhor das hipóteses, obrigará a adoção de medidas visando à obtenção do “de acordo” formal e individual de cada um dos acionistas com o teor da cláusula arbitral. 


Regulamentação da arbitragem envolvendo a administração pública

  • Em setembro de 2019, saiu o Decreto 10.025/19, que regulamenta o uso da arbitragem na solução de conflitos que envolvam a administração pública federal nos setores portuário, rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário. Quais outros setores poderiam se beneficiar da arbitragem como recurso?

O setor de óleo e gás teria muito a ganhar com uma regulação similar à do Decreto 10.025/19. Todos os contratos de concessão de blocos exploratórios desde a “rodada zero” elegeram a arbitragem como método de solução de disputas. Entretanto, a falta de uniformidade entre as cláusulas compromissórias de cada uma das “rodadas” acaba por criar insegurança jurídica para os concessionários e para a própria ANP.  

Por exemplo: desde 2003 os procedimentos arbitrais envolvendo a ANP são conduzidos de forma ad hoc, isto é, não são administrados por uma câmara de arbitragem especializada. A partir do conflito com a Petrobras envolvendo a cisão de Parque das Baleias em 2014, os contratos de concessão celebrados pela ANP contêm uma cláusula que estipula quais demandas serão solucionadas em procedimento arbitral e quais serão discutidas perante o Poder Judiciário. O problema é que não há uniformidade entre as cláusulas, e as diversas mudanças de redação desde então geram dúvidas quanto ao seu escopo. Nesse sentido, a regulamentação geral traria maior assertividade e previsibilidade quanto à forma de resolução de disputas nesse setor. Maior segurança jurídica nos contratos celebrados com a ANP, portanto.  

Os Decretos recentemente editados pela União e por alguns Estados (Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo) buscam apenas regulamentar em que termos isso deve ser feito, como, por exemplo, disciplinando a escolha da Câmara Arbitral, dos árbitros e a distribuição dos custos; apontando regras mínimas para a celebração de uma convenção de arbitragem; e, principalmente, indicando um rol exemplificativo de matérias que se consideram inseridas dentro do conceito de “direito patrimonial disponível”, uma vez que a definição de um conceito fechado é extremamente difícil. 

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