Judicialização pode ser saída para limites à compensação tributária

Há embasamento para questionar o prazo de cinco anos imposto pelo fisco para a utilização de créditos, consideram tributaristas

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Uma das possibilidades dos contribuintes que ganham ações referentes a  matérias tributárias na Justiça é a de utilizar os créditos tributários por meio da compensação, utilizando-os para pagar impostos. No entanto, a Receita Federal vem dificultando a utilização desses créditos, ao estipular um prazo de cinco anos para que sejam usados.

“Embora esse entendimento não seja novo (é sustentado em parecer da Receita Federal de 2014), a persistência de sua aplicação é nociva”, afirmam Nathan Amaral e Romero Marinho, associados do Freitas Ferraz Advogados. Eles acrescentam que essa restrição se junta a outras medidas recentes do governo para limitar a compensação, como Lei nº 14.873/24 (conversão da Medida Provisória 1.202/23), que estabeleceu teto à compensação de créditos tributários de mais 10 milhões de reais provenientes de ações judiciais transitadas em julgado, e de outras tentativas, como a MP 1.227/2024 (“MP do fim do mundo”), que limitava a compensação de créditos de PIS/Cofins.

Amaral e Marinho explicam que, apesar de não haver prazo legal para que os contribuintes aproveitem os créditos decorrentes de ações transitadas em julgado a que fazem direito, o fisco entende que o contribuinte tem cinco anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação (confirmação) da desistência da execução do título judicial, para o aproveitamento integral do crédito. Como esse prazo não é previsto por lei, a Receita teria excedido sua função regulamentadora – a matéria seria reservada à Lei Complementar. Além disso, a limitação temporal do uso dos créditos é prejudicial ao contribuinte porque pode impedir que ele aproveite integralmente o crédito a que tem direito.

Os advogados do Freitas Ferraz explicam que há jurisprudência relevante nos tribunais regionais federais afastando o prazo quinquenal para o aproveitamento integral do crédito e recomendam que contribuintes prejudicados busquem a Justiça: “Diante desse cenário, contribuintes nessa situação devem buscar amparo judicial para que consigam utilizar seus créditos sem a limitação temporal imposta pela Receita Federal.”

Na entrevista abaixo, Amaral e Marinho explicam o funcionamento da compensação tributária e de que forma a limitação temporal imposta pelo fisco prejudica os contribuintes.


– Como funciona o mecanismo da compensação tributária e o pedido de habilitação de créditos por parte do contribuinte? A Receita Federal tem algum prazo para analisar os pedidos de compensação?

Romero Marinho e Nathan Amaral: O crédito tributário decorrente de decisão judicial definitiva (transitada em julgado) pode ser executado na própria ação judicial para pagamento via precatório ou requisição de pequeno valor ou, por opção do contribuinte, ser objeto de compensação com débitos tributários próprios na via administrativa.

Caso opte pela compensação, o contribuinte deve, primeiro, habilitar seu crédito perante a Receita Federal. Nessa etapa, avalia-se a existência e validade do crédito, assim como a definitividade da sentença. Habilitado o crédito, o contribuinte deve apresentar a Declaração de Compensação (DCOMP).

Atualmente não há prazo para a Receita Federal analisar as declarações de compensação, mas se considera tacitamente homologada (confirmada) a compensação objeto de DCOMP que não seja objeto de decisão cientificada ao contribuinte no prazo de cinco anos, contados da data de seu protocolo.


– As normas que regem o mecanismo estipulam um prazo para o contribuinte utilizar os créditos a que faz direito? Há divergência entre a visão da Receita Federal e os contribuintes, no que diz respeito a esse prazo?

Romero Marinho e Nathan Amaral: Não há prazo legal para que os contribuintes aproveitem os créditos a que fazem direito. Apesar disso, a Receita Federal entende que o contribuinte tem cinco anos, contados da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação (confirmação) da desistência da execução do título judicial, para o aproveitamento integral do crédito. No período entre o pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a ciência do seu deferimento definitivo no âmbito administrativo, esse prazo fica suspenso.

Esse posicionamento da Receita gera dois questionamentos judiciais relevantes. O primeiro, relativo ao prazo de cinco anos em si. Como dito, esse prazo não é previsto na lei, que somente estabelece prazo para a homologação da compensação. Ele foi criado pela Receita Federal por meio de interpretação analógica do artigo 168 do Código Tributário Nacional, que estabelece prazo quinquenal para que contribuinte solicite a restituição de tributos pagos indevidamente. Por isso, alega-se que a Receita teria excedido sua função regulamentadora e inovado o ordenamento jurídico em matéria reservada à lei complementar.

O segundo, relacionado ao fato de que essa limitação temporal acaba impedindo o aproveitamento integral do crédito pelo contribuinte que não possui débitos fiscais equivalentes para compensar no período de cinco anos. Isso porque, na visão da Receita Federal, em situações em que o montante integral do crédito tributário requeira múltiplas operações de compensação, cada uma dessas transações se submeteria ao prazo de cinco anos de maneira autônoma.

Para ilustrar o entendimento, pense em um contribuinte que tem direito a um crédito tributário de R$ 15 milhões e cuja média anual de tributos devidos é de R$ 2 milhões. Nesse cenário, para compensar seu crédito, o contribuinte precisaria de 8 anos. No entanto, para a Receita, ele perderia seu direito à compensação ao término dos 5 anos contados da decisão judicial definitiva ou da desistência da execução do título judicial. No exemplo, o contribuinte deixaria de receber no mínimo R$ 5 milhões, cujo direito à compensação estaria “prescrito”.


– Alguns contribuintes não têm conseguido utilizar crédito homologados porque a Receita Federal alega que o prazo para utilização já teria sido prescrito (contaria a partir da data de decisões judiciais transitadas em julgado). É correta a visão da Receita? O que se recomenda aos contribuintes nessa situação? 

Romero Marinho e Nathan Amaral: O entendimento da Receita Federal é inconstitucional por violar a força da coisa julgada, a efetividade da Justiça e a reserva da Lei Complementar. Além disso é ilegal por não ser amparado por lei e não ser condizente com o instituto da prescrição. Isso porque a prescrição pressupõe a inação e o contribuinte não deixa de agir quando não consegue compensar imediatamente todo seu crédito por não ter débitos tributários próprios em montante igual a esse crédito.

Com base nesses argumentos, formou-se jurisprudência relevante nos tribunais regionais federais afastando o prazo quinquenal para o aproveitamento integral do crédito passível de compensação. Diante desse cenário, contribuintes nessa situação devem buscar amparo judicial para que consigam utilizar seus créditos sem a limitação temporal imposta pela Receita Federal.


– Qual é o impacto dessa restrição aos contribuintes e ao próprio mecanismo da compensação tributária?

Romero Marinho e Nathan Amaral: Além do impacto financeiro significativo já ilustrado anteriormente, a restrição imposta pela Receita Federal esvazia o provimento jurisdicional especialmente em sentenças proferidas em mandado de segurança, em que a compensação é o único meio para reaver os indébitos tributários reconhecidos.

Embora esse entendimento não seja novo (é sustentado em parecer da Receita Federal de 2014), a persistência de sua aplicação é nociva.

Essa restrição junta-se a outras medidas de limitação ao aproveitamento integral do crédito do contribuinte através da compensação, como a Lei nº 14.873, de 28 de maio de 2024, que estabeleceu teto à compensação de créditos tributários de mais 10 milhões de reais provenientes de ações judiciais transitadas em julgado. Além de outras tentativas, como a MP 1.227/2024 (“MP do fim do mundo”), que limitava a compensação de créditos de PIS/Cofins.


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